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É jornalista e escritora

O emprego dos sonhos pode virar pesadelo: o novo rosto do tráfico humano

Promessas de emprego no exterior têm escondido redes de tráfico que transformam o sonho de uma vida melhor em um cativeiro invisível

  • Isa Colli É jornalista e escritora
Publicado em 06/11/2025 às 13h55

Imagine acordar em outro país, sem passaporte, sem dinheiro, sem voz. O que prometia ser um emprego estável vira um cativeiro invisível — sem grades, onde o medo é o maior combustível. Esse é o novo tráfico humano. E o Brasil é terreno fértil para ele. Não estamos falando de filmes de ação, mas da vida real. De brasileiros comuns, formados, conectados, que acreditaram em uma proposta “imperdível” — e acabaram explorados do outro lado do mundo.

Em 2025, dados da ONU (UNODC) apontam um crescimento global de 25% no número de vítimas de tráfico humano desde 2019. Crianças e mulheres representam quase 40% dos casos. E o Brasil, infelizmente, aparece entre os países de origem dessas vítimas — pessoas que partem em busca de um futuro melhor e acabam prisioneiras de redes de exploração. Mas o que ninguém fala é que o tráfico humano de hoje não precisa de correntes.

Prisão, tráfico humano
Tráfico humano de hoje não precisa de correntes. Crédito: Pixabay

Ele se disfarça de sonho. Promete um emprego bem pago, uma chance no exterior, um novo começo. As armadilhas se multiplicam em anúncios na internet, redes sociais e mensagens diretas que soam profissionais. Tudo parece legítimo — até a passagem ser comprada e o passaporte, confiscado.

Nos últimos meses, brasileiros têm sido aliciados por falsas ofertas de trabalho na Ásia. O que parecia uma vaga em telemarketing acabou se transformando em prisão. Muitos foram escravizados, forçados a aplicar golpes on-line ou submetidos a condições degradantes de trabalho. Outros, levados para a Europa, tiveram os documentos retidos e foram explorados sexualmente.

O problema não é falta de esperteza. É falta de oportunidade. Num país com milhões de desempregados, qualquer promessa de salário em euro parece uma tábua de salvação. Mas a necessidade tem sido o motor silencioso do tráfico humano. Quanto maior o desespero, mais fácil é transformar o sonho em armadilha. Enquanto as autoridades correm atrás do prejuízo, as quadrilhas se sofisticam. O tráfico de pessoas está entre os crimes que mais crescem no mundo, ao lado do tráfico de drogas e de armas.

A recente história de Daniela Marys de Oliveira, mineira de 35 anos, é um desses alertas dolorosos. Arquiteta, ela aceitou uma vaga de telemarketing no Camboja. 

Tudo parecia legítimo: contrato, moradia, oportunidade de crescimento. Pouco depois de chegar, perdeu o contato com a família. Hoje, está presa em um país estrangeiro, acusada injustamente de tráfico de drogas, segundo relato da mãe, que afirma que a filha foi vítima de tráfico humano. Enquanto aguarda julgamento, a família luta por respostas e assistência consular.

Casos como o de Daniela escancaram o perigo das ofertas sedutoras demais — e mostram a urgência de falar sobre prevenção. Quer trabalhar fora? Tudo bem. Mas vá pelo caminho certo. Busque portais oficiais de governos estrangeiros, como o Eures (União Europeia), o Job Bank (Canadá), o Work in Denmark, o Workforce Australia ou o MyCareersFuture (Singapura). Esses sites oferecem vagas reais, com contratos formais e suporte legal.

Jamais aceite propostas sem verificar a empresa, sem contrato ou sem saber qual visto será usado. Desconfie se pedirem dinheiro adiantado, se o visto for turístico ou se o recrutador insistir em “manter segredo”. Esses são os primeiros sinais de alerta.

Antes de embarcar, registre seu itinerário e mantenha contato diário com alguém de confiança. Em caso de dúvida, procure o Itamaraty, que mantém plantão consular 24 horas pelo número +55 (61) 98197-2284. Também é possível confirmar gratuitamente, junto aos serviços públicos de emprego dos países de destino, se uma vaga é legítima.

É preciso falar, alertar e compartilhar informação — porque o silêncio é o maior aliado desses criminosos. Precisamos salvar pessoas dessas armadilhas fatais antes que o sonho se torne prisão. O mundo precisa de oportunidades, sim — mas o sonho de trabalhar fora não pode custar a liberdade, tampouco a vida.

O caminho para um futuro melhor começa com informação, prudência e solidariedade. Que a história de Daniela sirva de alerta para todos que pensam em embarcar rumo a um emprego “imperdível”. Às vezes, um simples alerta é tudo o que separa o sonho do pesadelo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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