Imagine acordar em outro país, sem passaporte, sem dinheiro, sem voz. O que prometia ser um emprego estável vira um cativeiro invisível — sem grades, onde o medo é o maior combustível. Esse é o novo tráfico humano. E o Brasil é terreno fértil para ele. Não estamos falando de filmes de ação, mas da vida real. De brasileiros comuns, formados, conectados, que acreditaram em uma proposta “imperdível” — e acabaram explorados do outro lado do mundo.
Em 2025, dados da ONU (UNODC) apontam um crescimento global de 25% no número de vítimas de tráfico humano desde 2019. Crianças e mulheres representam quase 40% dos casos. E o Brasil, infelizmente, aparece entre os países de origem dessas vítimas — pessoas que partem em busca de um futuro melhor e acabam prisioneiras de redes de exploração. Mas o que ninguém fala é que o tráfico humano de hoje não precisa de correntes.
Ele se disfarça de sonho. Promete um emprego bem pago, uma chance no exterior, um novo começo. As armadilhas se multiplicam em anúncios na internet, redes sociais e mensagens diretas que soam profissionais. Tudo parece legítimo — até a passagem ser comprada e o passaporte, confiscado.
Nos últimos meses, brasileiros têm sido aliciados por falsas ofertas de trabalho na Ásia. O que parecia uma vaga em telemarketing acabou se transformando em prisão. Muitos foram escravizados, forçados a aplicar golpes on-line ou submetidos a condições degradantes de trabalho. Outros, levados para a Europa, tiveram os documentos retidos e foram explorados sexualmente.
O problema não é falta de esperteza. É falta de oportunidade. Num país com milhões de desempregados, qualquer promessa de salário em euro parece uma tábua de salvação. Mas a necessidade tem sido o motor silencioso do tráfico humano. Quanto maior o desespero, mais fácil é transformar o sonho em armadilha. Enquanto as autoridades correm atrás do prejuízo, as quadrilhas se sofisticam. O tráfico de pessoas está entre os crimes que mais crescem no mundo, ao lado do tráfico de drogas e de armas.
A recente história de Daniela Marys de Oliveira, mineira de 35 anos, é um desses alertas dolorosos. Arquiteta, ela aceitou uma vaga de telemarketing no Camboja.
Tudo parecia legítimo: contrato, moradia, oportunidade de crescimento. Pouco depois de chegar, perdeu o contato com a família. Hoje, está presa em um país estrangeiro, acusada injustamente de tráfico de drogas, segundo relato da mãe, que afirma que a filha foi vítima de tráfico humano. Enquanto aguarda julgamento, a família luta por respostas e assistência consular.
Casos como o de Daniela escancaram o perigo das ofertas sedutoras demais — e mostram a urgência de falar sobre prevenção. Quer trabalhar fora? Tudo bem. Mas vá pelo caminho certo. Busque portais oficiais de governos estrangeiros, como o Eures (União Europeia), o Job Bank (Canadá), o Work in Denmark, o Workforce Australia ou o MyCareersFuture (Singapura). Esses sites oferecem vagas reais, com contratos formais e suporte legal.
Jamais aceite propostas sem verificar a empresa, sem contrato ou sem saber qual visto será usado. Desconfie se pedirem dinheiro adiantado, se o visto for turístico ou se o recrutador insistir em “manter segredo”. Esses são os primeiros sinais de alerta.
Antes de embarcar, registre seu itinerário e mantenha contato diário com alguém de confiança. Em caso de dúvida, procure o Itamaraty, que mantém plantão consular 24 horas pelo número +55 (61) 98197-2284. Também é possível confirmar gratuitamente, junto aos serviços públicos de emprego dos países de destino, se uma vaga é legítima.
É preciso falar, alertar e compartilhar informação — porque o silêncio é o maior aliado desses criminosos. Precisamos salvar pessoas dessas armadilhas fatais antes que o sonho se torne prisão. O mundo precisa de oportunidades, sim — mas o sonho de trabalhar fora não pode custar a liberdade, tampouco a vida.
O caminho para um futuro melhor começa com informação, prudência e solidariedade. Que a história de Daniela sirva de alerta para todos que pensam em embarcar rumo a um emprego “imperdível”. Às vezes, um simples alerta é tudo o que separa o sonho do pesadelo.
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