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É secretário de Estado de Economia e Planejamento e MBA em Gestão Empresarial pela FGV

Megaoperação no Rio: o Estado Presente e as lições do ES

A redução da violência no Espírito Santo mostra que planejamento, integração e prevenção podem guiar o país a uma política nacional mais eficaz de segurança

  • Álvaro Rogério Duboc Fajardo É secretário de Estado de Economia e Planejamento e MBA em Gestão Empresarial pela FGV
Publicado em 03/11/2025 às 08h30

A recente operação no Rio de Janeiro, nos complexos do Alemão e da Penha, com dezenas de mortos, expõe as fragilidades do país no enfrentamento da criminalidade, especialmente com a ausência de uma mobilização nacional em sintonia com os Estados, para um planejamento mais eficaz. Pode ser um bom caminho a proposta de emenda para constitucionalizar o Susp – Sistema Único de Segurança Pública, a exemplo do que o país fez com o SUS na saúde.

O debate se arrasta há décadas no país, e parece que chegamos a um limite em que não é possível mais adiar uma estratégia nacional, com integração das políticas públicas nos três níveis de administração e colaboração entre as forças policiais, da guarda municipal à Polícia Federal.

Acredito que o Espírito Santo pode dar uma importante contribuição para esse debate, considerando os avanços obtidos aqui com o programa Estado Presente. Os resultados são expressivos.

Polícia faz megaoperação no Complexo da Penha e no Alemão, Rio de Janeiro
Megaoperação que terminou com mais de 120 mortos no Complexo da Penha e no Alemão, Rio de Janeiro. Crédito: Egberto Ras/Agencia Enquadrar/Folhapress

Por 20 anos o Estado figurou entre os três mais violentos do país. Esse quadro mudou completamente. Saímos de mais de 2 mil homicídios em 2009, com uma taxa de 58 homicídios por cada 100 mil habitantes, e caímos para menos da metade, com menos de 900 homicídios no ano passado e uma taxa de 20,8 por 100 mil habitantes. Temos atualmente o mais baixo índice de homicídios da série histórica iniciada há quase 30 anos, em 1996.

Pude acompanhar de perto esse processo como integrante do governo estadual e gostaria de compartilhar algumas visões. Primeiro, é interessante registrar que segurança pública se faz com pessoas, processos, tecnologia e prevenção. Em relação a pessoas, é preciso ter um programa de recomposição de efetivo. No caso da PM do Estado, perdemos em média de 300 a 350 policiais por ano. Sem a devida reposição, em poucos anos perderíamos capacidade de resposta no policiamento ostensivo. É preciso manter as contratações, com qualificação e especialização.

Fizemos também investimentos em inteligência policial e tecnologia. A criação do Centro de Inteligência e Análise Telemática permitiu à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social ter um diagnóstico profundo da atuação das organizações criminosas e suas lideranças. A partir desse diagnóstico, realizamos diversas operações para localizar e prender essas lideranças, e os principais chefes das duas maiores organizações criminosas que atuam no Estado hoje estão presos ou foragidos – alguns estão escondidas no Rio de Janeiro.

A atuação mais emblemática foi talvez a prisão do Fernando Moraes Pereira Pimenta, conhecido como Marujo, a maior liderança do Primeiro Comando de Vitória, que estava solto. Ele fugiu para o Rio, mas continuamos monitorando seus passos. Quando ele retornou para o Espírito Santo, a Polícia Civil o identificou na comunidade do Bairro da Penha: ele estava escondido em um bunker na garagem da casa de seus pais, armado com fuzil. Nossa polícia prendeu o Marujo na sua comunidade sem disparar um tiro.

Outro ponto importante é analisar os dados, para entender o cenário: a criminalidade não é um fenômeno homogêneo. Ela não ocorre da mesma forma em todas as regiões: a violência na Praia do Canto é diferente da violência em Itararé, bem como em Cachoeiro de Itapemirim ou São Mateus. Precisamos analisar a chamada mancha criminal, para entender a dinâmica da criminalidade em cada território e traçar uma estratégia específica para cada um deles. Foi o que fizemos.

Integração é fundamental. Fizemos a integração das polícias Civil e Militar, definindo corresponsabilidade em cada município do Estado, integrando também as guardas municipais e as polícias Federal e Rodoviária Federal. Vejo que esse é um ponto que diferencia o Espírito Santo em relação às demais unidades da federação.

Além disso, cabe ressaltar a liderança do governador Renato Casagrande: dificilmente um governador traz para o seu gabinete a gestão da segurança pública, como fazemos aqui. Quando a maior liderança do Estado coordena reuniões mensais com delegados e coronéis da PM, naturalmente há uma sinalização muito forte para quem está na linha de frente.

Outro pilar fundamental do Estado Presente é a prevenção. Não adianta prender e condenar criminosos, sem atacar também os problemas históricos das condicionantes da violência. É importante gerar oportunidades para jovens em situação de vulnerabilidade nas comunidades.

Atualmente temos 214 escolas em tempo integral, no ano que vem serão 234, sendo que a maioria delas atende justamente os jovens das comunidades mais necessitadas. O objetivo é deixar o jovem em um ambiente mais seguro, mais protegido, num período em que os pais normalmente não estão em casa.

Outra iniciativa importante são os Centros de Referência das Juventudes (CRJs), que oferecem atividades e recursos para jovens, como oficinas, cursos profissionalizantes, eventos culturais e esportivos e apoio à geração de renda, buscando promover a inclusão social e a prevenção da violência. Temos 14 unidades como essas espalhadas pelo Espírito Santo, em municípios como Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica, Guarapari, Linhares, São Mateus, Colatina, Cachoeiro de Itapemirim e Aracruz.

Não existe fórmula mágica nem resposta simples. Os resultados positivos que colhemos hoje são fruto de anos e anos de planejamento e execução de políticas integradas, como vimos. Espera-se que, a partir de agora o país, de fato avance com uma estratégia nacional, distante de paixões políticas, priorizando o trabalho técnico, focando em pessoas, processos, tecnologia e prevenção. Se deu certo aqui, certamente pode dar no país.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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