A nova chacina no Rio de Janeiro — a mais letal da história do Estado, com mais de 100 mortos — escancara o colapso estrutural da segurança pública e a persistência de uma lógica de guerra travada dentro do próprio território nacional. A operação, conduzida por milhares de agentes em comunidades da Zona Norte, foi anunciada como ofensiva ao crime organizado, mas revelou, mais uma vez, o descompasso entre repressão espetacular e ausência de uma política criminal racional, e a necessidade de uma política de segurança que se traduza em segurança dos direitos.
A resposta militarizada transforma o espaço urbano em campo de batalha, reduzindo cidadãos a suspeitos e comunidades inteiras a inimigos. Quando o Estado atua com fuzis e blindados, substituindo o diálogo, o investimento social e a inteligência, instala-se um estado de exceção permanente no qual a letalidade é naturalizada e a morte passa a ser índice de eficiência. É o triunfo de uma política simbólica que exibe corpos em nome da segurança, sem jamais garantir segurança real.
A criminologia crítica mostra que o crime não nasce apenas do desvio individual, mas da estrutura social que o alimenta. As favelas, historicamente negligenciadas, tornaram-se territórios de ausência: faltam escolas, direitos e Estado. O narcotráfico e as milícias prosperam nesse vazio, e a resposta tem sido o enfrentamento armado, que mata sem atacar as raízes da criminalidade. Cada operação repete o mesmo roteiro: mortes, silêncio e retorno da violência.
Mais do que uma tragédia pontual, a chacina evidencia a falência de um modelo. A guerra às drogas fracassou há décadas, mas segue legitimando o extermínio de jovens pobres e negros. A retórica do “inimigo interno” substituiu a política pública por espetáculo punitivo. A verdadeira segurança não nasce do medo, mas da confiança — que só se constrói com presença estatal contínua, justiça e dignidade.
Enquanto o Estado insistir em governar pela bala — agora travestida de discurso antiterrorista — o Rio continuará refém de uma espiral de violência que destrói vidas, comunidades e a própria legitimidade democrática. É urgente substituir a lógica do confronto pela da reconstrução social. Nenhuma sociedade se pacifica enterrando seus cidadãos.
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