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É escritor e subsecretário de Cultura de Vila Velha

Mais um São João de fogueira apagada, mas a festa há de se reinventar

Enquanto a pandemia avança, aqueles que se dedicam às quadrilhas juninas buscam alternativas para que a chame não cesse

  • Manoel Goes da Silva Neto É escritor e subsecretário de Cultura de Vila Velha
Publicado em 24/06/2021 às 14h00
Festival São João de Campina Grande chega a sua segunda edição virtual neste ano
Festival São João de Campina Grande chega a sua segunda edição virtual neste ano. Crédito: Emanuel Tadeu/ Instagram

Tínhamos expectativa positiva quanto ao retorno das festas juninas neste ano de 2021, e que não se realizaram em 2020. Escrevi aqui em A Gazeta, em junho do ano passado, sob o título “Conheça a história das festas juninas, que estão dando uma pausa este ano”, na esperança de que a pandemia seria controlada e os grandes festejos juninos celebrados Brasil afora retornariam mais bonitos.

Desde pelo menos o século XVII é a segunda maior comemoração popular realizada pelos brasileiros, ficando atrás apenas do carnaval. Segundo os historiadores, a festa teve origem no culto aos deuses pagãos, mas que sofreu influencias do catolicismo, e hoje há forte associação com os santos católicos, como Santo Antônio, São João e São Pedro. Festejos vindos com os colonizadores portugueses.

As festividades continuam suspensas devido aos protocolos sanitários para impedir aglomerações e conter o avanço da agora novas cepas do coronavírus, principalmente a cepa indiana. Continua muito difícil para os nordestinos que vivem e respiram o São João, mas a pandemia é maior que toda essa tradição. A cidade paraibana de Campina Grande, dona de uma das principais festas do país terá mais um ano toda a sua conhecida programação presencial suspensa. Mais uma vez as apresentações serão transmitidas de maneira virtual por causa da pandemia de Covid-19. 

Pelo segundo ano consecutivo, não há balões no ar, nem xote e baião no salão. Enquanto a pandemia avança, aqueles que se dedicam às quadrilhas juninas buscam alternativas para que o fogo não cesse e, quem sabe em 2022, volte a ocupar um lugar central nos festejos tradicionais do Nordeste.

É que, outrora, em um passado até recente, essa fogueira quase se apagou, mas não demorou muito para recuperar a posição de destaque. Quem lembra deste fato é o pesquisador em cultura popular tradicional Henrique Pereira Rocha.

“Quando iniciei minha pesquisa sobre quadrilhas juninas em 1990, encontrei em jornais de Fortaleza manchetes como: “Povo vem deixando de acordar João...” e “Festas Juninas apagam-se”, com datas entre 1968 e 1971”, afirma.

Entre as explicações expostas nas matérias dos jornais da época, estava a ausência de motivação espontânea das comunidades na realização da festa. Porém, logo a partir de 1976, segundo Henrique, os periódicos já apresentavam outra realidade: títulos como "São João: bairros animados" e "Muita alegria na noite de São João" refletiam uma retomada das festividades e da prática de se dançar quadrilha.

Tirando essa situação do final da década de 1960, nos últimos 30 não houve interrupção da festa, nem quando estivemos em momentos mais críticos de seca nos meados da década de 1990. Os anos de 2020 e 2021 entrarão para a história do movimento junino como anos de interrupção dos festejos”, assinala o pesquisador.

Como é comum às artes, sobretudo nesse estrato da cultura tradicional popular, o potencial de reinvenção é possível e foi imediatamente ativado. E, sim, tivemos São João neste período pandêmico, virtual, do modo possível e seguro à manutenção da vida. É inevitável, porém, pensar que o digital jamais vai proporcionar a mesma sensação que o ciclo junino presencial oferece. As festas juninas movimentam as cidades tradicionais do nordeste brasileiro na sua base comunitária, assim percebemos que o dano foi amplo e profundo,

Uma importante cadeia econômica produtiva deixa de funcionar, em que costureiras, sapateiros, maquiadores, figurinistas, chapeleiros e aderecistas, entre outros, estão sofrendo com essa obrigatória paralisação dos seus ofícios, com irreparáveis perdas de ganhos e a manutenção econômica das famílias.

“O sentido da festa, e de se festejar São João nos próximos anos será mais forte, e guardará a memória dos entes queridos que se foram durante essa pandemia. Afinal, a pandemia nos empurra para o uso, a descoberta, o aproveitamento de diversos artefatos ‘novos’, e é padrão das quadrilhas juninas buscar o novo, experimentá-lo e se for válido incorporá-lo à tradição do fazer junino. Os espetáculos juninos, em sua forma e conteúdo, não serão exatamente os mesmos depois dessa experiência pandêmica”, é a opinião uníssona dos organizadores da festa.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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