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É advogado, pós-doutor em Direito Penal (Goethe Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg). Professor da FDV

Lei Anticorrupção: dez anos de avanços e desafios

Se de um lado a lei avançou no que diz respeito aos instrumentos de responsabilização administrativa das empresas por atos de corrupção, de outro, poderia ter sido mais ousada quanto à adoção de medidas de integridade

  • Raphael Boldt É advogado, pós-doutor em Direito Penal (Goethe Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg). Professor da FDV
Publicado em 29/11/2023 às 14h51

Em 2023, a Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção) completou dez anos. A LAC é um instrumento normativo que veio preencher importante lacuna no ordenamento brasileiro, permitindo a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção tanto no âmbito interno quanto no plano transnacional.

Inovou ao estabelecer, na esfera administrativa, a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, ou seja, diferentemente do que ocorre no campo penal, não há o ônus de provar dolo ou culpa do agente responsável pela conduta ilícita.

Obviamente, responsabilidade objetiva não significa a responsabilização automática a partir da suposta existência de atos ilícitos. Apesar de isentar as autoridades de demonstrar dolo ou culpa do agente, a responsabilidade civil e administrativa da Lei Anticorrupção requer a comprovação da ocorrência de ato lesivo previsto em seu rol (artigo 5º, incisos I a V), nexo causal entre a conduta do agente (ou do terceiro) da pessoa jurídica e o ato lesivo e a demonstração de que o ato foi praticado no interesse ou benefício da pessoa jurídica.

Se de um lado a lei avançou no que diz respeito aos instrumentos de responsabilização administrativa das empresas por atos de corrupção, de outro, poderia ter sido mais ousada quanto à adoção de medidas de integridade. Estas, ao invés de constituírem-se apenas em um dos fatores de atenuação na aplicação da multa (artigo 7º), deveriam ser causa autônoma de redução bem mais significativa, prevista na lei e aplicável às demais sanções, inclusive na via judicial. Além disso, seria recomendável que o programa de integridade ou compliance tivesse previsão clara na lei como condição para a celebração dos acordos de leniência.

Inseridos no campo das soluções consensuais de conflitos, cremos que esses acordos ainda necessitam de melhor normatização, especialmente no que se refere à multiplicidade de órgãos que neles demandam participação, de modo a se equacionar a questão da denominada independência das instâncias sancionadoras e dos “distintos guichés de negociação” com as empresas.

Corrupção
Corrupção. Crédito: Freepik

Outro problema se refere à aplicação da LAC: a interpretação ampliativa do objeto da lei extrapola os seus legítimos contornos, com a tendência crescente de perpassar os atos de corrupção para alcançar quaisquer atos ilícitos ou lesivos. Com isso, a LAC está sendo usada em casos que não configuram “corrupção” nem no mais “amplo” dos sentidos, tratando-se, na realidade, de atos ilícitos previstos em leis que tutelam outros bens jurídicos, como ocorre, por exemplo, com as ofensas às leis ambiental e tributária.

Essa aplicação distorcida da Lei Anticorrupção também conduz ao desprezo de outros princípios, como os da especialidade e do non bis in idem. Como se pode notar, a Lei nº 12.846/13 contribuiu para a consolidação de um importante subsistema anticorrupção no Brasil, mas ainda há muito a avançar.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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