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É diretora-geral e sócia-fundadora da Portofino Multi Family Office

Investir no exterior já foi motivo de desconfiança; hoje é estratégico

Estudo das finanças comportamentais nos mostra que é da natureza humana investir naquilo que nos é mais familiar. Esse desejo por proximidade, no entanto, pode custar caro

  • Carolina Giovalella É diretora-geral e sócia-fundadora da Portofino Multi Family Office
Publicado em 20/06/2021 às 02h00
Recursos que vão compor o Fundo de Investimento em Participações (FIP-ES) serão neste primeiro momento exclusivos do Fundo Soberano
Mercados globais podem parecer incompreensíveis, mas guardam oportunidades. Crédito: Jcomp/Freepik

Durante muito tempo, investir fora do Brasil era visto com um ar de desconfiança. Infelizmente, o país tem um histórico bastante conhecido de que a manutenção de contas no exterior foi amplamente usada para ocultação de patrimônio, muitas vezes de origem duvidosa. Mas isso não foi exclusividade nossa. As famosas contas numeradas na Suíça foram tema de múltiplos sucessos de Hollywood.

O fato é que, a partir de pelo menos 1986, possuir depósitos além das nossas fronteiras é absolutamente legal, desde que, claro, sejam devidamente declarados. No entanto, flutuações cambiais e um generoso prêmio para investimento em títulos públicos no Brasil fez com que o assunto permanecesse dormente e pouco difundido por décadas.

Dois grandes marcos mudaram a história dessa categoria de investimento. Em 2014, a CVM editou a instrução 555 que modernizou o mercado e a indústria de fundos de investimento, explicitamente autorizando essa modalidade de alocação. Em 2016, nosso governo seguiu o exemplo de outros países promovendo um amplo programa de anistia e regularização de ativos não declarados mantidos no exterior.

Desde então, paralelamente, assistimos a um sadio movimento de redução de taxas de juros. Em meados de 2017, nossa Selic finalmente deixou o território dos dois dígitos e iniciou sua trajetória de queda. Estava, portanto, construído o ambiente fértil para que o assunto florescesse.

Se o velho adágio do mercado financeiro nos ensina a não colocar todos os ovos na mesma cesta, investir fora dos mercados locais nos provoca a ampliar o conceito de diversificação e pensar em variar o próprio galinheiro. Do ponto de vista estratégico e de gerenciamento de riscos, faz um enorme sentido.

Nossa bolsa, por exemplo, cuja capitalização total no final de 2020, em dólares, rondava a marca de 1 trilhão, é uma pequena fração dos mercados de capitais globais. Uma única empresa americana, a Apple, vale o dobro disso. Outro bom exemplo é a Microsoft, que também se aproxima rapidamente do clube dos 2 trilhões. Mundialmente, estamos falando de 95 trilhões de dólares, e vai muito além disso. Quando comemoramos em 2020 termos passado a marca de 3 milhões de contas cadastradas na B3, o número de investidores de varejo na China já ultrapassava 160 milhões.

Outros mercados não ficam atrás. Se localmente o mercado de renda fixa se resume a títulos públicos e a um mercado de crédito privado que ainda se desenvolve, mundialmente estima-se que o mercado de títulos de dívida soberana e corporativa seja ainda maior que o de ações, acima de 120 trilhões de dólares. De forma prática, o investidor que acessa somente ativos locais deixa de participar de mais de 97% das oportunidades globais de investimentos.

A preferência pelo investimento local tem nome: “home bias”, ou viés local. O estudo das finanças comportamentais nos mostra ser da natureza humana investir naquilo que nos é mais familiar. Esse desejo por proximidade, no entanto, pode custar caro.

Um investidor que tivesse aderido ao programa de regularização de 2016, conhecido como RERCT, mas não tivesse repatriado os recursos e adotasse a mais simples e passiva das alocações no mercado americano, teria se saído bastante bem. Um portfólio composto de 60% do maior ETF (fundo de índice) que replica o S&P 500 e os 40% restantes em caixa teria rendido do começo de 2017 ao final de 2020 respeitáveis 39% em dólar - isso com a pandemia incluída! 

Já localmente, o CDI acumulado do mesmo período, campeão das alocações sugeridas durante boa parte desses anos, foi de 27,36%. No entanto, nesse mesmo período, o dólar se apreciou 58%, levando o rendimento da carteira “offshore” para impressionantes 120% em moeda local. Rendimentos passados, claro, devem ser olhados com atenção. Mas o exemplo sugere o tamanho da oportunidade que a diversificação geográfica e de moedas oferece.

Se há uma crítica recorrente quanto ao investimento no exterior é aquela relativa à complexidade operacional. Mercados globais podem parecer desesperadamente vastos e incompreensíveis. O desafio tributário de se manter em dia com o fisco é igualmente grande, assim como é negociar em outro idioma, com outros costumes e em distantes fuso-horários.

Uma boa notícia recente do ponto de vista tributário foi a revisão do piso da Declaração de Capitais e Bens no Exterior (DCBE). A obrigatoriedade a partir de 2021 se dá apenas para patrimônios no exterior acima de 1 milhão de dólares (ou o equivalente em outras moedas), facilitando assim a vida do contribuinte que anteriormente precisava preencher essa obrigação acessória do Banco Central já a partir de 100 mil dólares.

Cabe também lembrar que remessas ao exterior têm incidência tributária apenas de IOF e, se não são tão imediatas como o nosso bem-sucedido projeto do Pix, são hoje seguras, ágeis e totalmente globalizadas.

O parceiro de investimentos certo é aquele que ajudará o investidor a navegar por essa complexidade, selecionando e dimensionando os ativos que melhor se adequam aos objetivos de longo prazo, buscando os menores custos transacionais, jogando luz naquilo que é opaco e oferecendo uma visão verdadeiramente integrada da carteira global de investimentos. Em um mundo globalizado, onde riscos e dinâmicas apresentam escala mundial, não faz sentido pensar no dinheiro “daqui” e no dinheiro “de lá”. A visão precisa ser holística.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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