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É advogada especialista em Direito do Trabalho, do escritório Cheim Jorge Abelha Rodrigues - CJAR

Horas extras: Justiça do Trabalho autoriza uso de geolocalização como prova

O tribunal destacou que, quando o empregado alega que trabalhou em determinados horários e locais, é legítimo que a parte contrária tenha meios eficazes de verificar essas informações

  • Fernanda Bertolani É advogada especialista em Direito do Trabalho, do escritório Cheim Jorge Abelha Rodrigues - CJAR
Publicado em 13/11/2025 às 19h22

A Justiça do Trabalho vive um momento de profunda transformação digital. Em decisões recentes, a SDI-2 e a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceram a licitude do uso de dados de geolocalização de celulares para comprovar a jornada efetivamente cumprida, um marco na consolidação das provas digitais no processo trabalhista. Para empresas, a decisão sinaliza novos parâmetros de segurança jurídica na gestão de jornadas, sobretudo em modelos externos, híbridos ou de alta mobilidade.

Na prática, o TST reconheceu que, mediante ordem judicial e observância de critérios de proporcionalidade, empregadores e empregados podem utilizar registros técnicos de geolocalização, oriundos de antenas de rádio-base, GPS ou redes Wi-Fi, para comprovar a efetiva prestação de serviços nos horários alegados. Trata-se de uma prova objetiva, baseada em dados técnicos e não em conteúdo pessoal, preservando a intimidade e reforçando a transparência nas relações de trabalho.

O tribunal destacou que, quando o empregado alega que trabalhou em determinados horários e locais, é legítimo que a parte contrária tenha meios eficazes de verificar essas informações. A prova de geolocalização, segundo o TST, aumenta a precisão do processo e deve, sempre que possível, ser prestigiada, dando lugar a um modelo probatório mais moderno e confiável.

Trabalho
Bater ponto digital. Crédito: Reprodução

Nesse contexto, a prova testemunhal permanece importante, mas passa a exercer papel complementar, já que testemunhas podem sofrer pressões, ter receio de prejuízos profissionais ou simplesmente não lembrar com exatidão dos fatos.

Contudo, é importante destacar que o TST estabeleceu limites expressos para a utilização da geolocalização: a coleta e análise dos dados devem se restringir exclusivamente aos dias e horários alegados como de trabalho, e todas as informações obtidas devem ser mantidas sob sigilo judicial. Em outras palavras, a prova só pode alcançar o que efetivamente interessa ao processo, nada além disso.

Ao firmar esse entendimento, o TST aplicou de forma harmônica os arts. 7º, VI e 11, II, “d”, da Lei 13.709/2018 (LGPD), que autorizam o tratamento de dados pessoais para o exercício regular de direitos em processo judicial, e o art. 765 da CLT, que assegura ampla liberdade instrutória ao magistrado.

O Tribunal também invocou a Emenda Constitucional 115/2022, que elevou a proteção de dados à categoria de direito e garantia fundamental, reafirmando a importância da ponderação entre privacidade e direito à prova.

Trata-se de uma evolução necessária do sistema probatório trabalhista. A possibilidade de utilização de dados de geolocalização, quando observados os limites legais e constitucionais, tende a conferir maior objetividade à instrução processual, afastando incertezas inerentes à prova exclusivamente testemunhal e privilegiando a reconstrução fidedigna dos fatos.

Em um cenário de crescente complexidade das relações de trabalho, sobretudo em atividades externas ou híbridas, a adoção de meios tecnológicos idôneos representa avanço institucional relevante, contribuindo para julgamentos mais consistentes, técnicos e alinhados à realidade.

Para as empresas, a decisão tem reflexos diretos e relevantes. Ela fortalece as defesas em ações de horas extras, especialmente em atividades externas, ao permitir o uso de dados técnicos para comprovar a jornada. Também impõe maior rigor na governança de dados e na conformidade com a LGPD, exigindo que qualquer solicitação de geolocalização seja devidamente justificada e limitada.

Além disso, reforça a necessidade de políticas internas claras sobre o uso de celulares corporativos, celulares privados e controle de jornada em modelos híbridos, bem como a atuação preventiva de jurídico, RH e compliance na definição de protocolos de coleta e sigilo das informações.

A orientação firmada pelo TST representa um avanço institucional relevante no aprimoramento do sistema probatório trabalhista. O Tribunal reconhece que a tecnologia, quando utilizada dentro dos limites da legalidade e sob rigorosos critérios de proporcionalidade, pode servir à efetividade da prestação jurisdicional sem vulnerar direitos fundamentais.

Para as empresas, a decisão funciona como alerta e oportunidade: revisar procedimentos internos, alinhar práticas à LGPD e aperfeiçoar mecanismos de controle que assegurem a rastreabilidade das informações, prevenindo litígios e fortalecendo a segurança jurídica.

Em última análise, o precedente reafirma a necessidade de conciliar inovação tecnológica e tutela de direitos, estabelecendo parâmetros objetivos para uma justiça do trabalho mais técnica, eficiente e constitucionalmente equilibrada.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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