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É advogada, pós-graduada em Perícias Forenses e Processo Penal

Fechamento de hospitais psiquiátricos no Brasil: o que precisamos saber?

Eu compreendo muito bem a ideia da  Resolução 487 do CNJ e acho louvável, no campo das ideias ela é linda, mas na realidade do dia a dia fica muito mais complicado esse mundo perfeito acontecer

  • Raquel Barros Rodrigues Wiorek É advogada, pós-graduada em Perícias Forenses e Processo Penal
Publicado em 28/01/2024 às 10h00

Primeiro vamos entender sobre a Política Antimanicomial. A lei que trata da Política Antimanicomial surgiu há mais de 20 anos, mais precisamente em 2001. A lei nº 10.216 aborda a forma como deverão ser tratadas as pessoas que se encontram em custódia para tratamento psiquiátrico.

Na lei são tratadas três possibilidades de internação, sendo elas: internação voluntária, que se dá com o consentimento do paciente, internação involuntária, quando se dá sem o consentimento do paciente e internação compulsória, que se dá por determinação judicial.

É sabido que a lei foi criada com a intenção de proteção ao lado mais frágil, a pessoa com transtornos mentais, afinal não queremos uma nova Barbacena em nenhum lugar do Brasil. Esperamos, na verdade, que o “Holocausto Brasileiro” seja apenas história de um passado que não se repetirá.

Ocorre que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou e publicou a Resolução 487 e esta, de forma bem ampla, prevê que em um ano após a sua publicação, ou seja, em agosto de 2024, todos os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico deverão ser fechados no Brasil.

Essa informação traz a mim, e com certeza a você leitor, vários questionamentos, alguns deles tratarei agora. Primeira pergunta que vem à mente é: o que será feito dos pacientes que se encontram internados? Bem, deverão escolher se querem ou não fazer o tratamento, essa ideia vem do Art.4 que tem a seguinte leitura “... caberá a autoridade judicial o encaminhamento para atendimento voluntário na Rede de Atenção Psicossocial (RASP)” a parte do encaminhamento voluntário, o que significa que a pessoa deverá escolher fazer seu tratamento. Verifica-se, então, que neste caso a pessoa que já está acometida por algum transtorno mental, em um momento de vulnerabilidade, ela mesma escolherá se tratar?

Pois bem, após a aceitação para a realização do tratamento, a pessoa com transtorno mental será encaminhada a uma RASP, um conjunto de diferentes partes de atenção à saúde, para acolher pessoas com sofrimento mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

Ao compreendermos essa parte, nos vem a mente outra indagação, o sistema de saúde como os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que fazem parte das RASPs está preparado para as pessoas vindas de hospitais de custódia? Vamos lembrar que algumas dessas pessoas sofrem de transtornos mais severos.

Nesses casos, tanto a resolução quanto a cartilha que trata dos CAPS informa que nos casos mais graves a pessoa ficará num dispositivo de cuidado intensivo. A Resolução em seu Art.13 §1º trata sobre a possibilidade de internação, vejamos:

“§ 1º A internação, nas hipóteses referidas no caput, será cumprida em leito de saúde mental, em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelo CAPS da Raps, cabendo ao Poder Judiciário atuar para que nenhuma pessoa com transtorno mental seja colocada ou mantida em unidade prisional, ainda que em enfermaria, ou seja submetida à internação em instituições com características asilares, como os HCTPs ou equipamentos congêneres, assim entendidas aquelas sem condições de proporcionar assistência integral à saúde da pessoa ou de possibilitar o exercício dos direitos previstos."

Bem, considerando isso, vemos que de uma forma ou de outra as pessoas que necessitam de internação, que representam uma boa parcela da população, continuarão internadas, porém em local diverso do que existe hoje. A alegação é muito positiva e louvável, porém no campo das ideias funciona muito bem, e no campo da realidade? Estamos preparados? Parece que podemos estar “trocando seis por meia dúzia”.

CNJ
Sede do CNJ. Crédito: Reprodução

Sobre os HCTPs vou falar do que conheço, no Espírito Santo, temos uma estrutura muito bem montada e principalmente um tratamento muito bom para com os pacientes, tratamento humanitário visando a melhora de cada um de acordo com suas condições. Tratamento médico 24 horas, dentista, psicólogo e psiquiatra, os pacientes não ficam presos em celas, possuem quartos e podem circular dentro da unidade. Meu questionamento é, se a questão era a humanização e o tratamento mais adequado as pessoas com transtornos mentais, por que não só melhoramos as estruturas que temos?

Sim, existem grades, o que é questão de segurança aos próprios pacientes, mas se temos a estrutura toda bem montada, por que não adaptar? Aí vamos voltar e começar tudo novamente e com muitas brechas para que não dê muito certo.

Eu compreendo muito bem a ideia da resolução e acho louvável, mas como eu havia dito, no campo das ideias ela é linda, mas na realidade do dia a dia fica muito mais complicado esse mundo perfeito acontecer.

“Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.” (Aristóteles).

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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