Em muitas rodas de conversa a respeito de política, sejam reuniões ou em mesas de bar, surge a frase “O Espírito Santo é bolsonarista”. Essa combinação de palavras e de sentido sempre me soou inquietante. Entendo sua raiz, mas não consigo concordar. Por sentimento, pelo histórico de votações do Estado e, claro, pelos números.
Institutos de pesquisa espalhados pelo Brasil, ao menos os sérios, têm mudado, se não a metodologia, as perguntas a respeito do cenário político e eleitoral do país. Esse esforço vai na direção de conseguir entender qual é o feeling do brasileiro; quais são as nossas motivações, incluindo as ditas ideologias.
Vou apontar três diferentes institutos que, de um tempo para cá, têm incluído em seus questionários perguntas sobre “orientação política”. Dados do relatório sobre polarização realizado pelo ConnectLab, novo centro de estudos da FGV em parceria com a Quaest, mostram que 31% dos entrevistados se dizem independentes; 38% se posicionam à direita, dos quais 13% são bolsonaristas. Já 31% se identificam com a esquerda, e 16% se declaram petistas.
O instituto Ideia, ao cruzar autodeclarações com valores políticos, estima que 38% dos brasileiros são de direita e 34% de esquerda, enquanto cerca de 10% se situam no centro e 18% permanecem sem definição clara. Por fim, o Ipespe chega a números semelhantes: 38% de direita e 28% de esquerda. Os três institutos, portanto, convergem em mostrar um país fracionado de forma relativamente equilibrada entre direita, esquerda e os sem posicionamento firme, mas nenhum deles aponta uma nação dividida ao meio.
E o Espírito Santo nessa coisa toda, onde fica? Bom, para iniciarmos a leitura do cenário político capixaba, precisamos entender quais nomes se colocam em disputa e o que eles representam. À direita temos Lorenzo Pazolini, atual prefeito da capital, Ricardo Ferraço, vice-governador, Arnaldinho Borgo, prefeito de Vila Velha, e sempre a possibilidade da volta do ex-governador Paulo Hartung.
À esquerda, somente o nome do deputado Helder Salomão parece cristalizar o eleitorado progressista. Nesse rol de candidatos competitivos não há nomes declaradamente bolsonaristas sendo cotados. Ao menos por ora, não há espaço no debate público para eles, o que é um excelente sinal, me perdoem meus colegas aliados à família do ex-presidente.
Acontece que o Espírito Santo não é bolsonarista porque seu eleitorado não é radical. Alguns políticos até pegam carona em discursos conservadores, esses sim simpáticos ao eleitorado, mas nenhuma pauta se mostrou para os capixabas mais motivadora de voto do que a capacidade de gestão e de projeção do futuro para o estado.
Todos os dias uso o transporte por aplicativo como meio de locomoção e faço, eu mesma, o que chamo de “Data Uber”. São entrevistas em profundidade conduzidas por mim em trajetos de até 15 minutos. Aproveito a viagem para conversar com motoristas e tentar, em três ou quatro quilômetros, apreender o que as pesquisas de cenário não me dizem, ou seja, as singularidades da população.
Em minhas pesquisas, nada científicas diga-se de passagem, o capixaba, ao menos o da Grande Vitória, valoriza o histórico de progresso do Estado e diz que isso só foi possível graças ao equilíbrio e à moderação dos líderes políticos.
As eleições para cargos majoritários darão o tom do debate público. Não me parece que teremos no Espírito Santo uma disputa que vai contar com bolsonaristas empunhando bandeiras radicais e declarando guerra aos moinhos de vento. Já as eleições para cargos proporcionais, deputados estaduais e federais, representam o microcosmo.
Para quem pretende concorrer a esses cargos, a fantasia radical não vai descer tão quadrada na garganta do eleitor; se estiver gelada, desce até redonda em municípios mais conservadores.
De maneira geral, o Espírito Santo aponta o caminho para um futuro menos radical, graças aos seus quadros políticos, mas principalmente graças aos seus eleitores e eleitoras que entenderam muito cedo que a radicalização não combina com quem vive em terras capixabas. Espero que no fim do ano que vem o papo da mesa de bar seja outro.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.