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Ensino superior está ameaçado com MEC descolado da realidade

Sem uma gestão real dos problemas que assolam a educação brasileira, passaremos décadas até recuperar um rumo antes definido pelo Plano Nacional de Educação, mas ignorado desde a sua origem

  • César Silva
Publicado em 28/11/2020 às 06h00
 Milton Ribeiro, ministro da Educação
Milton Ribeiro, ministro da Educação. Crédito: Isac Nóbrega/PR

O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que mede a performance do ensino superior, teve os resultados de 2019 divulgados no dia 20 de outubro. O evento realizado no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela elaboração, aplicação e análise dos resultados das avaliações do ensino superior, dá claros sinais da situação atual do setor e das suas perspectivas. E elas não são nada boas.

O pronunciamento inicial do ministro Milton Ribeiro deixa perceber que ele ainda não está ambientado, que não há convicção no que fala, e que lhe falta articulação de um gestor que conhece a realidade de sua pasta. O tom expresso foi o de poder e não o de condutor de uma pasta como a da Educação, já tão sofrida.

Ao iniciar a apresentação de indicadores de qualidade, sinalizou que o MEC está pronto para credenciar e descredenciar instituições. Além disso, ressaltou que cancelou o vestibular da PUC-MG por conta da oferta de curso de bacharelado em Direito EaD, e abriu auditoria para avaliar a atitude da instituição, que apenas interpretou a portaria de número 279, de 29 de setembro.

Uma diretriz que define prazos para tramitação de processos no MEC, que se não cumpridos deveriam resultar num parecer favorável. Vencidos os 600 dias sem o aval do governo, a universidade entendeu que estava habilitada para a oferta de curso. Mas não foi o que aconteceu e o aviso dado na abertura do Enade é um sinal da força e do direito do ministro de definir a seu gosto tais processos, demore o quanto demorar.

Na prática, seu discurso só reforça a postura bélica de um ministério que não enxerga as instituições de ensino superior como parceiras. E, de quebra, abomina, durante este ciclo de governo, as instituições públicas federais. Vide os cortes de orçamento e as situações políticas de gestão das unidades escolares, que congelou o andamento de processos regulatórios padrões e não atendeu as demandas de agilidade e de autorregulação comum a outros segmentos de mercado.

É uma força usada para dizer que existe, mas não para indicar estratégias e políticas para um dos mais sofridos setores do país. A esse cenário somam-se os próprios resultados do Enade, que revela uma realidade que se repete a cada ano. Alunos das instituições públicas sempre apresentam melhor desempenho do que os alunos das instituições privadas e, a cada ano, menos instituições privadas se apresentam na classificação das notas mais altas.

Trata-se de um universo de 8,5 milhões de alunos, do qual menos de 5% foram avaliados. Mesmo que os melhores alunos vindos do ensino médio se engajem nas instituições públicas, e que o volume de atendimento das instituições privadas seja muito maior, nada justifica que apenas 1,5% dos cursos avaliados das instituições privadas obtenham conceito 5. Esse resultado é consequência do sofrimento do setor, tão representativo e importante para a sociedade brasileira.

Sem uma gestão real dos problemas que assolam a educação brasileira, passaremos décadas até recuperar um rumo antes definido pelo Plano Nacional de Educação, mas ignorado desde a sua origem.

O autor é diretor-presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP) há mais de 30 anos

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