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Caso João Alberto: até quando o Estado brasileiro vai perpetuar o racismo?

Quando pessoas negras são assassinadas de forma brutal por serem negras, precisamos reconhecer o quanto isso é uma construção do racismo estrutural e da forma como somos “vistos” no conjunto da sociedade

  • Lavinia Coutinho Cardoso
Publicado em 27/11/2020 às 05h00
Grupo faz protesto antirracista em frente a Carrefour no Shopping Vila Velha
Protesto antirracista em frente a Carrefour no Shopping Vila Velha, pelo assassinato de João Alberto Silveira Freitas. Crédito: Fernando Madeira

Conquista da luta por direitos do movimento social negro, 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, é um momento que celebramos Zumbi, líder do Kilombo de Palmares, primeira grande expressão de luta contra a opressão ao sistema colonial. O mês de novembro, o nosso novembro negro, é um momento de reflexão de nossas lutas históricas e de autoafirmação de nossa humanidade. É também momento de denúncia do racismo estrutural na sociedade brasileira, e dos seus desdobramentos na vida das pessoas negras e indígenas, mas também na vida das pessoas brancas, que são racializadas numa condição de privilégios estruturais.

Em 2020, acordamos num 20 de novembro marcado pela notícia do assassinato do trabalhador negro João Aberto Silveira Freitas, 40 anos, morador da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. João foi espancado até a morte por dois seguranças do supermercado Carrefour. O assassinato de João, e de tantos outros e outras, nos indigna e, infelizmente, confirma o que nós negras e negros bradamos ao longo de séculos! É importante afirmar que foi a primeira vez que o Carrefour seus seguranças ligados a casos de racismo e de violação de diretos humanos.

Sou uma mulher negra, historiadora e professora, e tenho por habito mental, e na minha atuação docente, fazer perguntas. Digo sempre: quem faz perguntas obtém respostas. Como vamos nos posicionar em relação ao genocídio de pessoas negras no Brasil? Até quando o Estado brasileiro vai se omitir e perpetuar a existência do racismo? É obvio que esse é um trabalho de toda a sociedade brasileira, mas o Estado e suas instituições devem e têm que se posicionar a favor daqueles que representa. 

Quando pessoas negras são assassinadas de forma brutal por serem negras, precisamos reconhecer o quanto isso é uma construção do racismo estrutural e da forma como somos “vistos” no conjunto da sociedade. Bandidos, prostitutas, desequilibrados e tantos outros adjetivos que estão presentes nas representações sociais e raciais do povo negro.

Segundo as estatísticas, 75% das mortes violentas são de negros! Por que isso, em pleno século XX, se refere a um racismo estrutural, entendido como um sistema de opressão? Porque, historicamente, passamos por séculos de violência contra nosso continente mãe, na forma da exploração e desestruturação de nossas culturas matriciais. Nossos corpos foram capturados, aprisionados e sequestrados para outro território.

Aportados no Brasil, nossos nomes são trocados, nossos corpos são desumanizados a serviço da empresa colonial. A abolição da escravatura foi apenas formal, e continuamos alvo, nossa religiosidade é perseguida, nossa capoeira, as rodas de samba. Marginalizados e marginalizadas, excluídos do processo de construção da sociedade brasileira e da distribuição de riquezas na forma de políticas públicas.

Enfrentamos e vimos o Estado Brasileiro criar uma política de embranquecimento baseada na pretensa acusação de que não éramos trabalhadores. O imigrante europeu é convidado a vir para o Brasil com dois objetivos: ser o trabalhador brasileiro e embranquecer a população. Essa política de Estado teve como resultado a elaboração do mito da democracia racial, que fez com que se acreditasse que, no Brasil, não havia desigualdade racial. Mas, enquanto isso, nos foi “dado” um lugar: o da informalidade, da não escolaridade, do gueto e das marginalidades.

Não permanecemos passivos, no entanto. Durante todo esse período, desenvolvemos formas e estratégias de resistência e afirmação de nossa humanidade e cultura para sobrevivermos a todos os processos que nos desumanizaram e nos violentaram historicamente. A morte brutal de João Aberto Silveira Freitas não deve ser tratada de forma leviana, buscando justificativas para o injustificável! Um homem negro foi brutalmente espancado e assassinado! João Alberto não vai virar mais um número! Não vamos nos calar! Queremos justiça para nossos mortos! Povo negro unido, povo negro forte! Que não teme a luta, que não teme a morte! João Aberto Silveira Freitas presente!

A autora é historiadora, mestra em História pela Ufes, militante do Círculo Palmarino e do Núcleo Estadual de Mulheres Negras do ES

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