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É vigário para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória

É preciso dar um basta na política higienista em curso na Grande Vitória

Pessoas que se encontram em situação de rua são humilhadas, maltratadas e violentadas, principalmente por agentes do poder público que têm o dever legal de cuidar dos mais vulneráveis da sociedade

  • Kelder Brandão É vigário para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória
Publicado em 03/04/2023 às 14h36
A maioria dos moradores em situação de rua na cidade de Vitória são negros
Morador de rua. Crédito: Freepik/ @jcomp

O texto do profeta Isaías — “Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse. Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto; tão desprezível era, não fazíamos caso dele” (Is 53, 2b-3) — faz parte da liturgia da Sexta-feira Santa, que vamos celebrar nesta semana recordando a Paixão e Morte de Jesus.

O profeta descreve a humilhação e o sofrimento impostos pelas autoridades ao Servo de Javé, encontrados também no salmo 30: “Tornei-me o opróbrio do inimigo, o desprezo e zombaria dos vizinhos, e objeto de pavor para os amigos; fogem de mim os que me veem pela rua. Os corações me esqueceram como um morto, e tornei-me como um vaso espedaçado”.

A Comunidade Cristã interpretou essa passagem bíblica como uma prefiguração da Crucificação de Jesus e esta mesma interpretação nós podemos fazer hoje sobre as pessoas que se encontram em situação de rua, que são humilhadas, maltratadas e violentadas, principalmente, por agentes do poder público que têm o dever legal de cuidar dos mais vulneráveis da sociedade.

Na Grande Vitória, a população de rua tem sido perseguida e criminalizada por gestores municipais e legisladores.  Em Vila Velha, o prefeito proibiu catadores de materiais recicláveis de circular por áreas nobres como a orla e adjacências, próximo aos terminais rodoviários e pelas principais vias do município. Em Vitória, um vereador em vez de usar o mandato para propor e cobrar do Executivo ações inclusivas dessa população, constantemente promove ações que responsabilizam a população de rua pela criminalidade, vandalismo e propagação de doenças, como a audiência pública proposta para esta segunda-feira (3), para discutir população de rua x segurança e saúde, no auditório de uma escola particular, em Jardim da Penha.

Na Grande Vitória, a população de rua tem sido perseguida e criminalizada por gestores municipais e legisladores. Em Vila Velha, o prefeito proibiu catadores de materiais recicláveis de circular por áreas nobres como a orla e adjacências, próximo aos terminais rodoviários e pelas principais vias do município.

Na contramão das ações do vereador, a Pastoral da Pessoa em Situação de Rua da Paróquia São Francisco de Assis, no mesmo bairro, criada em 2015, trabalha com o direito de convivência solidária nas ruas, viadutos, marquises e praças, estimulando a redescoberta da autoestima e da dignidade do povo da rua.

Nesse caminho, os agentes trabalham para incentivar a organização dos moradores de rua em busca da superação do estigma da exclusão e da conquista da cidadania, com as seguintes ações: uma vez por semana, à noite, distribuição de lanche, doação de roupas, calçados, cobertores e itens de higiene pessoal, escuta e acolhimento das histórias e necessidades individuais.

A cada quinze dias, o Cescla - Centro de Evangelização Santa Clara, da Paróquia, realiza oficinas diversas (artesanato, bolo de pote, ovo de Páscoa); atendimento terapêutico, rodas de conversas; palestras com temas relevantes para Pop Rua: adicção, transtornos mentais (depressão, ansiedade, bipolaridade, esquizofrenia e outras), narcóticos anônimos, testemunhos da superação da dependência química e da situação de rua; encaminhamento para tratamento da dependência química; orientação jurídica sobre retirada de documentos pessoais; orientações gerais sobre saúde; espiritualidade: meditação do evangelho e oração; espaço para higiene pessoal e, futuramente, lavanderia.

Além dessas ações, a Pastoral desenvolve parcerias com Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), que é uma unidade pública da assistência social para atendimento às pessoas em situação de rua; com Serviço de Abordagem Social, viabilizando o abrigamento temporário e a possibilidade de promoção da inserção dos mesmos na rede de serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas na perspectiva da garantia dos direitos; com o Consultório de Rua e moradia temporária, garantindo o aluguel para uma pessoa, até que ela possa se estabilizar, consiga se recolocar no mercado de trabalho e possa caminhar por conta própria; passagem para os que desejam retornar para sua cidade de origem.

Essas ações são específicas da Pastoral da Pessoa em Situação de Rua da Paróquia São Francisco de Assis, em Jardim da Penha. Se fôssemos elencar aqui as inúmeras atividades desenvolvidas pelos demais núcleos da Arquidiocese, não teríamos espaço suficiente.

É preciso dar um basta na política higienista e criminalizadora da população de rua em curso nos municípios da Grande Vitória. O que se espera dos gestores municipais e dos legisladores é que governem e proponham leis que atendam aos interesses de toda a população, como o olhar necessário e inclusivo para os membros mais vulneráveis que sãos as pessoas em situação de rua.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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