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É escritor e diretor no IHGES

Dia do Samba: com ou sem carnaval, o porta-voz da esperança

Escolas de samba continuam se reinventando para sobreviver à crise sanitária e ao preconceito existente ainda no século 21 contra a cultura popular

  • Manoel Goes É escritor e diretor no IHGES
Publicado em 02/12/2021 às 02h00
Bateria e samba da Boa Vista conquistaram arquibancadas e camarotes
 Boa Vista no Carnaval de Vitória de 2020. Crédito: Rodrigo Gavini

Quase com certeza, posso afirmar que muitas pessoas não sabem do motivo de comemorarmos o Dia do Samba justamente no segundo dia do mês de dezembro. O samba, o nosso ritmo musical mais famoso e praticado, o mais querido do Brasil. Oriundo das senzalas, registros históricos apontam o seu nascimento em meados do século XIX, fruto do sofrimento de um povo escravizado, como também em celebração aos amores e saudades, por quase quatrocentos anos. Sempre bom lembrar que o Brasil foi o último país do Ocidente a abolir o regime escravista e, mesmo assim, sem dar qualquer tipo de atenção a esses trabalhadores que muito fizeram pela formação do nosso país. Foram fundamentais os irmãos pretos, e que até hoje são invisíveis.

O samba, ritmo genuinamente brasileiro, vem se reinventando e cantando as mazelas da classe trabalhadora. Perseguido pelas elites pelas suas influências de matriz africana, esse gênero musical nasceu com um gingado muito especial porque, como explica o estudioso Roque Souza, os escravizados “não podiam ter instrumentos para realizar seus batuques, então começaram a utilizar os pés e as mãos – enfim, o corpo todo – para cantar suas dores e alegrias. Cantando e dançando, assim nasceu o samba de roda na Bahia, ainda no século 19”.

O samba desceu o morro, conquistou a cidade e resiste a tudo e a todos os seus detratores. Em mais de 105 anos do primeiro registro de uma partitura, em 1916, com o nome de samba, a música “Pelo Telefone”, de Donga (1889-1974) e Mauro de Almeida (1882-1956), que denuncia a ligação da polícia com os ilegais cassinos, no Rio de Janeiro. A canção foi gravada em 1917.

Em homenagem ao compositor mineiro Ary Barroso (1903-1964), o Dia do Samba (02/12) nasceu na Bahia, apesar do compositor ser radicado no Rio de Janeiro. Um vereador de Salvador conseguiu aprovar na Câmara Municipal o Dia do Samba. Tudo por causa da música “Na Baixa do Sapateiro” (1938), de Ary. A canção cita a Bahia, mesmo sem que o compositor tivesse pisado em solo baiano, o que aconteceu somente em 2 de dezembro de 1940. Em 1963, o presidente João Goulart (1919-1976) instituiu o Dia Nacional do Samba nessa data.

Covid-19 atingiu em cheio os sambistas nestes quase dois anos. Grande número de artistas que tocam em bares noturnos ou acompanham grandes nomes em shows ficou sem renda. Muito porque grande parte desses artistas não tem contrato de trabalho com carteira assinada e muitos trabalham com o regime de pessoa jurídica, fornecendo notas fiscais. Todo esse contingente se viu sem trabalho e sem renda por causa do isolamento social.

Inclusive o carnaval, que se transformou na festa mais popular do país ao se casar com o samba no início do século 20, se viu em dificuldades porque a folia mais uma vez deve ser adiada em grande parte das cidades brasileiras, a exemplo de Salvador(BA) e São Luiz (MA), entre outras, devido à presença de uma nova e preocupante variante no novo coronavírus, a Ômicron. As escolas de samba continuam se reinventando para sobreviver à crise sanitária e ao preconceito existente ainda no século 21 contra a cultura popular.

“O samba ainda vai nascer/O samba ainda não chegou/O samba não vai morrer/Veja, o dia ainda não raiou/O samba é pai do prazer/O samba é filho da dor/O grande poder transformador” (Desde que o Samba É Samba), canta o grande Caetano Veloso.

Como a maioria dos brasileiros, sou muito fã do samba, o maior porta-voz da esperança de dias melhores, e de novos tempos. Cantemos então a certeza de que o nosso Brasil renascerá sempre, a cada dia, para superar os absurdos golpes deferidos contra a cultura, a liberdade e a democracia.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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