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É associada Trainee do Instituto Líderes do Amanhã

Das lições que aprendi trabalhando com meu pai

Apesar das nossas divergências, do choque de gerações e até das diferenças na utilização de novas tecnologias, pisamos sobre uma base sólida de valores construídos dentro de casa, refinados por ideais de liberdade

  • Juliana Maia Bravo Klotz É associada Trainee do Instituto Líderes do Amanhã
Publicado em 03/05/2022 às 14h00

Eu me lembro de, quando criança, acordar cedo para ir para a escola e, com os olhos ainda cheio de remelas, ver meu pai tirar o carro da garagem e ficar esperando minha irmã e eu descermos com nossas mochilas, lancheiras e toda a parafernália típica que levávamos para as aulas.

Meu pai sempre foi o primeiro a chegar no escritório e o último a sair, mas quando se é criança é difícil entender porque ele tanto precisava trabalhar, principalmente quando muitos dos meus coleguinhas tinham pais que trabalhavam das 9h às 18h.

As coisas lá em casa eram diferentes e só fui começar a entender como a banda tocava alguns anos depois. Meus pais vieram do Rio de Janeiro para o Espírito Santo alguns meses antes de eu nascer com um propósito muito claro, o de empreender.

A empresa de assessoria começou pequena, em um imóvel ao lado de onde morávamos, e tinha meu pai à frente do core business e minha mãe assumindo a área financeira – ela, sem qualquer graduação formal na área, diga-se de passagem. Eram dois ou três funcionários e muito trabalho duro.

Nessas mais de três décadas de vida, jamais escutei meu pai comentar sobre planos de se aposentar, ficar assistindo a TV numa cadeira de balanço ou se mudar para outro país. Não que tenha algo de errado nisso, simplesmente não era a aspiração dele.

Quando não se tem chefe para reclamar, quando se tem contas e empregados que dependem do sucesso da sua empresa, quando o crescimento financeiro depende da sua tomada de decisões, bater ponto às 18h deixa de ser importante.

Eu, particularmente, enxerguei tudo isso como loucura por muito tempo. Talvez pelo fato de que meus pais não ficaram endinheirados da noite para o dia, talvez porque a vida acadêmica, frequentemente, glamouriza carreiras públicas em detrimento do empreendedorismo ou, talvez, porque a falta de maturidade não me permitia entender os valores que moviam meu pai.

O fato é que, depois de fugir da área em que atua, morar fora do país e fazer mil outras coisas, a roda girou e eu voltei para trabalhar na empresa e assumir um dos setores.

Fui me envolvendo com os processos internos, com a cultura, com a forma de lidar com os clientes e me dei conta de que nada nos ensina mais do que a experiência fática.

Aos poucos, aprendi algumas lições valiosas que vou carregar para sempre. A primeira delas – e talvez a mais difícil – é a diferença entre ser um líder e um chefe. Isso porque a gestão de pessoas traz consigo desafios que não são passíveis de resolução por meio de ciências exatas, de modo que quem toma as decisões precisa saber dialogar com a equipe, orientá-la e extrair dela a melhor entrega possível.

Aquele dirigente que não se coloca como membro do próprio time perde a capacidade de ouvi-lo e cria um afastamento em razão da hierarquia, o que se torna prejudicial para a troca de feedbacks quanto aos projetos e às condutas dos colaboradores.

Outra lição importante repousa sobre a precificação dos serviços oferecidos. Parece simples: basta calcular os custos e a margem de lucro a ser obtida. Baixando custos, a margem de lucro aumenta, certo? Se o dever de casa fosse só esse, não assistiríamos a inúmeras empresas quebrando diariamente.

Quando falamos de uma empresa prestadora de serviços em várias frentes, estamos diante de uma gama de profissionais contratados, cada um com seu conselho de classe muito bem instituído e pronto para brigar com tudo e com todos pela proteção dos direitos legalmente conquistados.

Os custos, nesse sentido, são menos flexíveis do que o dinamismo do mundo moderno exige, o que, inevitavelmente, impõe a um dirigente a necessidade de avaliar o preço ofertado ao consumidor.

A elevação do preço de um serviço não agrada ao cliente, tampouco ao empresário, uma vez que tem o condão de diminuir as vendas. A margem de lucro, então, precisa ser pensada por meio de planejamento estratégico que leve em consideração fatores de mercado, comportamento da indústria em que o cliente se encontra inserido, implementação de tecnologias que reduzam custos, administração do tempo e maximização da entrega de resultados da equipe.

A terceira lição pode ser encarada por muitos como básica, mas eu preciso trazê-la aqui, justamente porque ela é frequentemente ignorada, apesar da importância que tem para a perpetuação de uma empresa.

Quando falamos dos valores que sustentam um negócio, é fácil imaginar aquela placa bonita na recepção com as palavras “respeito”, “cliente”, “honestidade” e “eficiência” dando as boas vindas a quem chega. Contudo, a subsunção desses (e de outros tantos) valores na cultura da empresa está intrinsecamente ligada, justamente, aos exemplos de liderança em que os funcionários se espelham.

Nesse ponto, preciso voltar alguns anos na minha história pessoal para o momento em que fui apresentada ao primeiro instituto de formação de lideranças empresarias do qual fiz parte. Fui apresentada a autores, pensadores, filósofos e empresários que fertilizam um solo já propício às ideias liberais.

Ideais de liberdade, responsabilidade individual, meritocracia e propriedade privada que já existiam foram sendo lapidados e se tornaram valores da minha vida como um todo.

Quando percebemos que para serem justas, as trocas devem ser voluntárias, quando a dignidade do indivíduo é percebida pela sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades e quando nos damos conta de que não podemos ignorar as consequências de ignorar a realidade, chegamos à conclusão de que a nossa felicidade é mais do que um desejo abstrato, mas o verdadeiro propósito moral da vida.

Imbuída desses sentimentos, finalmente passei a compreender a natureza da relação de amor – de mais de 35 anos - do meu pai com a empresa e experienciar o quanto dos seus próprios valores já estavam presentes no dia a dia de trabalho.

Apesar das nossas divergências, do choque de gerações e até das diferenças na utilização de novas tecnologias, pisamos sobre uma base sólida de valores construídos dentro de casa, refinados por ideais de liberdade e que, certamente, são peças fundamentais na perenidade do nosso negócio.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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