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Rossini Torres é gestor comercial, assessor de investimento alta renda e advogado

Crises vêm e vão, mas o Espírito Santo se reinventa

Diante do "tarifaço americano", o Estado se vê desafiado a redirecionar rotas e mercados; a vantagem é que a economia capixaba consolidou uma vocação: a de enfrentar crises com inteligência e realinhamento

  • José Neto Rossini Torres Rossini Torres é gestor comercial, assessor de investimento alta renda e advogado
Publicado em 01/08/2025 às 19h33
Contêineres
Espírito Santo soube se adaptar ao fim do Fundap, que atraía importadores por meio de incentivos fiscais. Crédito: Carlos Alberto Silva

A programação de aumento das tarifas norte-americanas sobre produtos brasileiros acendeu um alerta entre os exportadores capixabas. Setores como o do café e das frutas, com forte presença no Espírito Santo, já foram diretamente impactados. A leitura inicial pode sugerir um cenário adverso, com perda de competitividade e retração comercial. Mas há algo na trajetória econômica do Estado que desafia previsões pessimistas: sua impressionante capacidade de adaptação.

Em momentos de retração, o Espírito Santo costuma responder com estratégia. Foi assim durante a crise global de 2008. Enquanto o país inteiro enfrentava recessão e corte de investimentos, o Estado manteve o equilíbrio fiscal com o uso de reservas próprias e adotou uma postura anticíclica, sustentando obras públicas e mantendo investimentos.

O resultado foi visível. Após os anos de retração, em 2010 a indústria capixaba apresentou um crescimento expressivo de 32,3%. O crescimento acima da média nacional se estendeu até 2014, impulsionado especialmente pela força das exportações de commodities minerais e agrícolas.

Outro episódio relevante foi o fim do Fundap (Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias), programa que, por mais de quatro décadas, atraiu importadores para o Estado com incentivos fiscais. Com a unificação do ICMS nas operações interestaduais, o Espírito Santo perdeu uma importante vantagem competitiva.

A reação não demorou. O governo estadual instituiu o Compete-ES, teve ajuda do BNDES, reestruturou o Invest-ES e buscou diversificar a base econômica. Setores como o de celulose, petróleo, rochas ornamentais e aço ganharam força, reconfigurando a estrutura produtiva e compensando a queda de arrecadação.

Mais recentemente, o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, expôs com brutalidade a dependência econômica de algumas regiões. Anchieta, por exemplo, perdeu cerca de 70% da sua arrecadação de ISS. Com o passar dos anos, no entanto, o município do Litoral Sul capixaba começou a reorganizar sua matriz econômica com foco em turismo, serviços e indústria leve, enquanto aguardava a retomada gradual da atividade mineradora, que se concretizou em 2020. Novamente, o movimento foi de reposicionamento, e não de paralisia.

Agora, diante do chamado "tarifaço americano", o Estado se vê desafiado a redirecionar rotas e mercados. A vantagem é que há uma base sólida. O Espírito Santo conta com uma malha logística eficiente, empresas exportadoras experientes e uma cultura empresarial cada vez mais voltada à gestão de riscos. O ambiente fiscal local, ainda que pressionado, mantém níveis de equilíbrio. Há, também, um tecido empresarial que compreende que momentos como esse exigem profissionalismo na gestão de caixa, estratégia na tomada de decisão e foco em inovação.

Ao longo dos últimos 20 anos, a economia capixaba consolidou uma vocação: a de enfrentar crises com inteligência e realinhamento. O que em outros estados pode gerar estagnação, aqui tende a fomentar movimentos de reinvenção. E esse comportamento coletivo, que envolve o setor público, privado e a sociedade organizada, é um dos ativos invisíveis mais valiosos do Espírito Santo.

A liberdade econômica, nesse contexto, não é apenas o direito de empreender ou exportar, mas a capacidade de adaptar-se diante das mudanças. E, nisso, o capixaba já deu provas suficientes de que sabe o que fazer. As tarifas sobem, o câmbio oscila, os mercados fecham. Mas o Espírito Santo constrói seus próprios caminhos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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