Autor(a) Convidado(a)
É economista, mestre pela Universidade de Oxford. Professor na Fucape Business School e consultor do Tesouro Estadual na Sefaz

Crise do IOF é o preço da pressa fiscal?

O episódio do IOF é sintoma, não doença. Revela nossa adolescência fiscal coletiva, onde cada grupo grita por seus direitos mas sussurra sobre seus deveres

  • Eduardo Araújo É economista, mestre pela Universidade de Oxford. Professor na Fucape Business School e consultor do Tesouro Estadual na Sefaz
Publicado em 01/06/2025 às 10h00

Há um velho ditado em Brasília: ministro da Fazenda não tem amigos, só conhecidos temporários. Fernando Haddad descobriu isso em maio de 2025, quando aumentou o IOF e precisou recuar parcialmente em seis horas. Mas antes de crucificar o governo, vale perguntar: o problema é a medida ou nossa eterna incapacidade de discutir tributação como adultos?

Comecemos pelos fatos. As novas alíquotas atingem compras internacionais (3,5%), empréstimos externos de curto prazo (de 0% para 3,5%) e grandes aportes em previdência privada (5% acima de R$ 50 mil mensais). São R$ 20,5 bilhões esperados. Para contextualizar: mais de 90% dos brasileiros nunca pisaram num aeroporto internacional. Quantos investem R$ 50 mil por mês? A medida tem DNA progressivo, goste-se ou não.

O curioso é que Paulo Guedes, aquele mesmo, propôs tributos semelhantes sobre transações digitais. A ideia? Reduzir encargos sobre a folha de pagamento. Liberal ou desenvolvimentista, a matemática fiscal é implacável: com déficit de R$ 64 bilhões e dívida rumando a 84% do PIB, algo precisa acontecer. A pergunta nunca foi "se", mas "como" e "quando".

Aqui mora o verdadeiro problema. A implementação relâmpago, sem construção política prévia, transformou uma discussão técnica necessária em guerra ideológica desnecessária. É como fazer cirurgia de emergência quando havia tempo para planejar. O bisturi pode ser o correto, mas a pressa multiplica os riscos.

O Brasil tem uma esquizofrenia fiscal crônica. Queremos Estado nórdico com impostos caribenhos. Defendemos corte de gastos, desde que não seja o nosso. Apoiamos mais impostos, contanto que sobre os outros. Gastamos bilhões em subsídios que vão de empresários a aposentados privilegiados, mas cada grupo defende seu quinhão com unhas e dentes. Quem tem lobby forte, mídia amiga ou mobilização política se protege. O resto paga.

A sociedade precisa decidir: qual Estado queremos e quanto estamos dispostos a pagar? Não é questão ideológica, é aritmética. Podemos ter Estado mínimo com impostos baixos ou Estado robusto com carga tributária compatível. O que não podemos é continuar na fantasia de ter tudo sem pagar nada.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad
Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Crédito: Diogo Zacarias/MF

O episódio do IOF é sintoma, não doença. Revela nossa adolescência fiscal coletiva, onde cada grupo grita por seus direitos mas sussurra sobre seus deveres. Enquanto não amadurecermos para um debate honesto sobre quem paga quanto por quais serviços, continuaremos neste eterno teatro: governo propõe, mercado grita, mídia amplifica, governo recua, déficit cresce, próximo ministro repete o ciclo.

O episódio revela outro paradoxo: criticamos a falta de debate, mas quando ele ocorre, preferimos o confronto à construção. É mais fácil demonizar que reconhecer dilemas compartilhados.

A tragédia não é o IOF. É nossa incapacidade estrutural de ter conversas difíceis sobre escolhas dolorosas. Até aprendermos isso, o ministro da Fazenda continuará sendo a pior profissão do mundo. E todos nós, os pagadores dessa conta mal dividida.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.