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É médica paliativista da Paliares

Como podemos viver plenamente até o fim?

Para muitos, a expressão “cuidados paliativos” continua associada ao “fim da linha”, ao fracasso ou à desistência do tratamento. Mas essa visão está longe da realidade

  • Gianne Sudré É médica paliativista da Paliares
Publicado em 01/05/2025 às 10h00

Viver é um ato complexo e profundo, e as pessoas nunca refletem tanto sobre isso como quando diante da proximidade da morte. Em uma sociedade que exalta a juventude, a saúde e o sucesso, a vulnerabilidade que surge com a chegada de uma doença incurável ou com o envelhecimento parece um tema proibido. Ainda assim, é exatamente nesse momento que se revela uma das questões mais essenciais da existência: como podemos viver plenamente até o fim?

Os cuidados paliativos oferecem uma resposta sensível e necessária a essa pergunta. Eles vão além de um conjunto de técnicas médicas; são uma abordagem que exige qualificação e coloca a pessoa no centro, reconhecendo sua dignidade e particularidades. Afinal, viver com qualidade não se limita aos períodos em que somos saudáveis ou produtivos, mas também abrange aqueles nos quais a fragilidade nos leva a refletir sobre o que realmente importa.

Para muitos, a expressão “cuidados paliativos” continua associada ao “fim da linha”, ao fracasso ou à desistência do tratamento. Mas essa visão está longe da realidade. Os cuidados paliativos têm como foco, acima de tudo, a melhoria da qualidade de vida, oferecendo suporte integral a paciente e familiares, respeitando suas necessidades. Quanto mais cedo esses cuidados são integrados ao tratamento, mais oportunidade o paciente e sua família têm para tomar decisões importantes com tranquilidade.

Mas como dissociar os cuidados paliativos do fim da vida quando, frequentemente, as instituições, gestores e modelos assistenciais só os aplicam nas fases finais da doença? Esse padrão precisa ser revisto.

Essa abordagem revigora a medicina que, muitas vezes, prioriza tratamentos invasivos para prolongar a vida sem considerar a qualidade da existência. A tecnologia e os avanços médicos têm seu valor, mas será que faz sentido insistir em intervenções agressivas quando o paciente já expressou que não deseja esse tipo de cuidado? Os cuidados paliativos nos ensinam que, frequentemente, a resposta não está em “fazer mais”, mas em “fazer melhor”.

Felizmente, algumas iniciativas apontam para um futuro mais inclusivo. No fim de março, foi publicado o Decreto nº 5977-R, que institui a Política Estadual de Cuidados Paliativos no Espírito Santo. A medida representa um avanço importante para ampliar o acesso a essa abordagem essencial, que ainda é um privilégio restrito a poucos no Brasil, muitas vezes limitado aos grandes centros urbanos ou a quem pode pagar por tratamentos particulares.

Doente - Paciente terminal no leito: cuidados paliativos se tornam uma opção para evitar sofrimento
Paciente terminal no leito: cuidados paliativos se tornam uma opção para evitar sofrimento. Crédito: Shutterstock

Essa realidade precisa mudar, pois todos merecem viver com dignidade, independentemente de sua condição financeira ou localização. Quanto ainda falta para atingirmos o ideal, por ora, vamos nos esforçando por evoluções e dando graças ao que temos.

Por fim, que fique claro: não se trata de evitar a morte, mas de garantir que o caminho até ela seja repleto de respeito e sentido. Isso é algo que todos nós, como sociedade, devemos valorizar. Afinal, cuidar da vida, de toda vida, é uma das expressões mais puras de humanidade.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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