No início deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a proteção do sigilo médico ao considerar ilícitas as provas obtidas por meio da comunicação indevida de um médico à autoridade policial sobre fatos observados no atendimento a uma paciente.
O caso envolvia a prática de autoaborto. A paciente necessitou de assistência médica após supostamente ter ingerido uma medicação não identificada para interromper a gestação. O profissional de saúde que a atendeu, desconfiado do quadro clínico, acionou a polícia, mesmo diante da negativa da paciente quanto à gravidez.
Com a chegada dos policiais, a paciente teria confessado a prática dos fatos imputados, sendo presa em flagrante pelo crime previsto no artigo 124 do Código Penal e algemada ao leito hospitalar. Posteriormente, foi localizado o corpo do feto. Além de acionar as autoridades, o médico ainda foi arrolado como testemunha no processo.
No julgamento do AgRg no RHC 181907/MG, sob a relatoria da ministra Daniela Teixeira, o STJ destacou que a instauração do inquérito policial decorreu exclusivamente da provocação indevida da polícia pelo próprio médico, que violou o sigilo profissional inerente à sua profissão.
A fundamentação da decisão está ancorada no Código de Ética Médica, que estabelece entre seus princípios fundamentais:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
O parágrafo único do mesmo artigo destaca que essa proibição persiste mesmo em casos de suspeita de um crime, uma vez que o profissional está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a um processo penal.
Além disso, o artigo 207 do Código de Processo Penal também proíbe o depoimento sobre fatos relacionados ao exercício da profissão daqueles que têm o dever de guardar o sigilo, salvo com autorização expressa do paciente.
O Código Penal, por sua vez, tipifica como crime a violação de segredo profissional no artigo 154, prevendo sanção para a revelação indevida de informações obtidas no exercício profissional.
O STJ, ao analisar o caso, concluiu que, não se tratando de situação de notificação compulsória, tampouco havendo consentimento válido da paciente ou outra causa excepcional, o médico não poderia ter comunicado à polícia a conduta supostamente praticada por sua paciente.
Diante dessa constatação, foi determinado o trancamento da ação penal e o encaminhamento dos autos ao Conselho Regional de Medicina e ao Ministério Público para avaliação de eventuais medidas contra o profissional de saúde.
A decisão do STJ reafirma precedentes que consolidam a ilicitude de provas obtidas por meio da quebra indevida do sigilo médico, uma proteção de ordem pública. A violação do sigilo contamina toda a persecução penal, uma vez que o profissional de saúde só está obrigado a comunicar crimes de ação penal pública incondicionada quando essa notificação não expuser o paciente a uma investigação criminal.

Destaca-se que o exemplo de crimes sexuais, em que a vítima é atendida pelo profissional de saúde. Neste caso a comunicação não configura violação do sigilo, visto que o atendimento prestado é à vítima, e não ao infrator. Assim, as medidas que são deflagradas pelo profissional visam à proteção da pessoa por ele assistida, e não à sua exposição, como no caso do aborto, mencionado acima, em que o médico atende a autora do delito e revela informações que a colocarão sob os holofotes da Justiça criminal.
Esse caso exemplifica como um ato um ocorrido em um dia comum de trabalho pode comprometer toda uma carreira profissional. A quebra indevida do dever de sigilo, além de invalidar o processo penal, pode acarretar sanções éticas e criminais ao profissional.
Assim, é imprescindível que o Código de Ética Médica seja rigorosamente respeitado, de modo a garantir segurança ao profissional, bem como a assegurar a preservação de eventual procedimento de natureza criminal.
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