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É advogado, doutor em Processo Civil e professor do mestrado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e da Escola da Magistratura do Espírito Santo (Emes)

A pandemia e a perigosa corrida para a elaboração de testamentos

Confecção afoita de planejamento sucessório e distribuição dos bens, sem o acompanhamento jurídico, pode provocar resultado contrário ao almejado e frustrar a expectativa dos envolvidos

  • Rodrigo Mazzei É advogado, doutor em Processo Civil e professor do mestrado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e da Escola da Magistratura do Espírito Santo (Emes)
Publicado em 30/04/2021 às 02h00
Planejamento sucessório exige trabalho detalhado
Planejamento sucessório exige trabalho detalhado. Crédito: Free-Photos/ Pixabay

Em meio ao caos provocado pela pandemia do novo coronavírus, é natural que ocorram reflexões pessoais sobre determinadas posturas adotadas no curso da vida. A ideia da finitude humana parece ter despertado em grande número de pessoas a importância de deliberar em vida sobre a sucessão causa mortis. O fato ensejou o aumento expressivo de consultas sobre a lavratura de testamentos.

Não se pode confundir a elaboração de testamento com planejamento sucessório, pois o primeiro é apenas uma das ferramentas para a execução do segundo. O planejamento sucessório é um procedimento mais complexo, em que é analisada toda a realidade patrimonial da pessoa e seus anseios sobre a distribuição dos bens que o integram. Não é apenas da destinação/divisão de bens para determinadas pessoas, mas da adoção de medidas a serem executadas.

O planejamento sucessório pode ser feito a partir de várias operações por ato inter vivos, tais como a partilha em vida e doações com reserva de usufruto dos bens. No caso de patrimônio que envolva cotas societárias, é possível, por exemplo, a estruturação de holding familiar, definindo-se a divisão e até a gestão da empresa em caso de falecimento do autor da herança.

O planejamento sucessório pode estar escorado em operações cuja execução pode ser acompanhada em vida pelo titular do patrimônio, não tendo que aguardar que a transferência de titularidade aos herdeiros se efetue após o seu falecimento (como ocorre com o testamento). A empreitada reclama trabalho detalhado e personalizado, em que se examina concretamente a realidade patrimonial do cliente e os seus anseios, sendo fundamental, ainda, que se permita a inserção de ajustes ao longo do tempo, pois a dinâmica da vida pode alterar o quadro fático inicial.

Portanto, planejamento sucessório não é sinônimo de testamento, sendo este, em verdade, uma das ferramentas na formatação do primeiro. No ponto, em boa parte dos casos levados à consulta de nossa banca, o testamento, analisado de forma isolada, não se mostrou apto para atender com eficiência aos anseios do cliente.

Também a feitura do testamento forma corrida pode provocar resultado contrário ao almejado. Trata-se de negócio jurídico vinculado a vários aspectos formais que, uma vez não obedecidos, geram a sua nulidade, rompimento e até a caducidade. É notório que testamento deve respeito à “legítima” em caso de presença de herdeiros necessários, ou seja, o titular do patrimônio somente poderá dispor de 50% dos seus bens (a outra metade se reverte obrigatoriamente em favor de tais herdeiros).

Todavia, é ingênuo imaginar que apenas com o respeito da “legítima”, o testamento estará hígido, pois há várias outras regras que podem colocar as disposições testamentárias em xeque. Em exemplo, o Código Civil dispõe que o testamento será rompido quando o testador não contemplar descendente que não havia sido concebido ou que ele não conhecia na época em que foi elaborado o testamento, mesmo que por ignorância. Outro exemplo está na nomeação do testamenteiro, não sendo incomum eleição de pessoa que não possui aptidão para função ou ainda que se encontre em presumida colisão de interesses com beneficiários da sucessão, situação que permite a destituição judicial da pessoa que foi escolhida pelo testador e cria animosidade na sucessão.

Ademais, há forte blindagem de aspectos formais aplicada de alguns tipos de testamento, como é o caso da leitura, procedimento formal que se faz perante testemunhas para evidenciar a vontade do testador e a inexistência vício no sentido. A escolha das testemunhas é fundamental, pois estas não podem ser contempladas no testamento. Assim, há aspectos legais que se não respeitados no testamento poderão abrir espaço para debates judiciais sobre a sucessão, ao contrário do pretendido pelo testador.

Portanto, salvo casos excepcionais, não se justifica a corrida que está acontecendo para a elaboração de testamento, menos ainda quando se faz confecção afoita do instrumento, colocando em risco a sua higidez formal. Aconselhamos que o planejamento sucessório e/ou a elaboração de testamento seja feita com a participação de advogado que tenha expertise no assunto, a fim de que as expectativas do cliente não se vejam frustradas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta

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