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Mães de crianças com doenças raras no ES mostram força e amor incondicional

Conheça a história de Dizelly Rodrigues e Aline Muniz, cujos filhos vivem em condições especiais de saúde em razão de suas doenças raras

Tempo de leitura: 8min

Duas mães capixabas transformam a raridade em rotina e a dor em amor. A auxiliar de serviços gerais Dizelly Fernandes, 48 anos, e  a servidora pública Aline Muniz, 37 anos, têm suas vidas dedicadas aos filhos com doenças raras. Entre consultas, diagnósticos difíceis, medicações raras e batalhas judiciais, elas, que representam milhares de mães na mesma condição, revelam um tipo de maternidade onde cada gesto é uma vitória e, cada dia, um ato de resistência. Neste Dia das Mães, suas histórias lançam luz sobre o papel essencial e muitas vezes invisível de quem cuida, luta e não desiste — mesmo quando o caminho parece impossível.

Dizelly e Carol convivem com o angioedema hereditário. Aline cuida de Cauã, que tem Atrofia Muscular Espinhal . Crédito: Fernando Madeira/A Gazeta
Dizelly e Carol convivem com o angioedema hereditário. Aline cuida de Cauã, que tem Atrofia Muscular Espinhal . Crédito: Fernando Madeira/A Gazeta

Dizelly e Carol (Angioedema hereditário)

Segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, o angioedema hereditário ocorre devido a uma mutação genética que leva à deficiência do chamado inibidor de C1 — molécula essencial para diversos sistemas do organismo, como o imunológico. Em situações de estresse extremo, a doença se impõe, provocando inchaços generalizados e graves, que podem levar a um edema de glote — ou seja, ao fechamento da garganta, levando o paciente ao óbito por sufocamento.

O diagnóstico errado fez com que Dizelly perdesse o pai, a avó e a irmã mais velha para a doença, inicialmente compreendida como uma alergia severa. A confirmação do AEH chegou num momento em que ela já era mãe de Maria Caroliny da Silva Soares, a Carol, 30 anos, que, à época, tinha 8 anos. As supostas crises de alergia frequentes de Dizelly chamaram a atenção de um de seus patrões, que indicou o tratamento na Santa Casa de Misericórdia de Vitória. "Fiz um exame específico e deu o resultado positivo. Pelo menos aquela dúvida a gente já tinha tirado. Não era alergia, era Angioedema Hereditário. Até hoje faço acompanhamento".

Dizelly Fernandes da Silva - angioedema hereditário
Dizelly convive com o Angioedema hereditário, tal como a sua filha, Carol. Crédito: Fernando Madeira/A Gazeta

Com o resultado em mãos, ela passou a considerar a possibilidade de que a filha também vivesse com a mesma condição — semelhante àquela que atingiu outros familiares. No início, Carol não apresentava sintomas. "Minha gravidez foi mais ou menos tranquila, porque algumas partes do meu corpo inchavam também, e até então a gente nem sabia o que era. Todo mundo achava que era uma alergia. Eu passei muito sufoco e ela (a filha) não podia tomar certos remédios", lembrou.

O fato de ter a doença se mistura com a culpa. "Em relação a isso. Eu me sinto meio culpada. Querendo ou não, eu passei essa doença para ela. Sinto muita culpa. Eu converso com Deus, faço oração, ele me acalma. E hoje eu fico mais tranquila. Quando ela me diz 'Mãe, estou passando mal, estou indo para Santa Casa', eu já fico com os nervos à flor da pele. O meu gatilho (para a doença) — e a Carol também acha que o dela — é em relação ao estresse, à ansiedade, ao nervosismo".

A preocupação de Dizelly é justificada: o estresse é um dos principais gatilhos do angioedema hereditário. Ciente da doença e determinada a garantir a medicação para a filha, Dizelly, na época que recebeu o diagnóstico, deu entrada junto ao Estado para conseguir o remédio para Carol primeiro, mas teve que redirecionar os esforços. "Criança não pode tomar algumas medicações como o Danazol. Consegui dar entrada no medicamento Icatibanto para mim e depois ela teve direito a ele, com um novo pedido. Hoje uso a Oxandrolona, que compro numa farmácia".

Dizelly e Carol (centro) convivem com o angioedema hereditário. As netas de Dizelly, filhas de Carol, não convivem com a condição. Crédito: Fernando Madeira/A Gazeta
Dizelly e Carol (centro) convivem com o angioedema hereditário. As netas de Dizelly, filhas de Carol, não convivem com a condição. Crédito: Fernando Madeira/A Gazeta

Apesar do sentimento de culpa, Dizelly afirma que hoje lida melhor com a doença: "Eu sinto que convivo melhor, porque eu já sei o que é. Tinha medo de que uma hora ou outra acontecesse com Carol o mesmo que aconteceu com os meus familiares. A maternidade me ensinou a redobrar ainda mais os cuidados. Quando a minha irmã faleceu, mudei para Itaguaçu e passei a cuidar dos meus sobrinhos também. O amor [de mãe] é o mesmo. Além de Carol, um sobrinho de Dizelly também tem a doença.

No dia 16/05 se celebra o dia da conscientização sobre o Angioedema Hereditário.

Atrofia Muscular Progressiva (AME)

Segundo a Casa Hunter — instituição sem fins lucrativos voltada a garantir soluções públicas e sensibilizar o setor privado para as necessidades de pessoas com doenças raras —, a Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma condição genética rara que afeta os neurônios motores da medula espinhal e do tronco encefálico, provocando fraqueza e atrofia muscular progressiva. Cauã Barbarioli Guimarães, 8 anos, filho de Aline Muniz, convive com o Tipo 1, a forma mais grave das três variações conhecidas da doença, que acomete crianças e impacta diretamente o desenvolvimento motor. Aline conta que seu filho recebeu o diagnóstico de AME aos quatro meses. "Uma doença grave, rara, degenerativa", define.

Atrofia Muscular Espinhal - Cauã Barbarioli Guimarães
Aline Muniz é mãe de Cauã Barbiroli Guimarães. O menino tem Atrofia Muscular Espinhal  . Crédito: Fernando Madeira/A Gazeta

A mãe de Cauã relata que a gravidez e o parto transcorreram normalmente, e apenas nos primeiros meses de vida do bebê surgiram os primeiros sinais da AME. "Foi uma gravidez tranquila. Ele nasceu de 37 semanas, nenhuma alteração nos ultrassons, parto foi normal... O que chamou nossa atenção foi que ele não firmava o pescoço. Era um bebê um pouco mais 'molinho'. Minha mãe, que é médica, observou que ele tinha hipotonia, ou seja, um baixo tônus muscular. A partir daí a gente começou a procurar médicos que pudessem nos auxiliar para entender o que estava acontecendo".

Aos três meses, Cauã passou por diversos exames — de sangue, de imagem, inclusive uma ressonância magnética. Mas foi por meio da eletroneuromiografia, exame que avalia a atividade muscular e a condução nervosa, que um padrão foi identificado e o diagnóstico de AME pôde ser confirmado. "Desde então a gente tem convivido com isso e lutado pelos direitos dele, pelo tratamento, pelo que há de melhor para poder oferecer".

Com a aprovação do medicamento Zolgensma pela Anvisa, Aline iniciou uma batalha judicial para garantir o acesso ao remédio — considerado um dos mais caros do mundo, à época custando cerca de R$ 11 milhões. "Foi uma briga judicial muito difícil. A gente teve alguns êxitos, mas também alguns fracassos. Por fim, depois de um ano e meio, houve uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao Cauã, que determinou que a União fornecesse essa medicação para ele aos 3 anos e 7 meses".

Após a aplicação da terapia gênica em dose única, os efeitos da doença foram estabilizados. "Ele tomou essa medicação e, a partir daí, a gente observou de fato que a doença estava estagnada. Também percebemos algumas evoluções — na parte motora, respiratória e de deglutição. Observamos muitos ganhos".

Atrofia Muscular Espinhal - Cauã Barbarioli Guimarães
 Cauã tem 8 anos e depende de cuidados médicos integrais e intensivos. Crédito: Fernando Madeira/A Gazeta

A medicação foi capaz de interromper os danos progressivos aos neurônios motores. Ainda assim, hoje Cauã necessita de atendimento médico integral e contínuo, com suporte de enfermeiros, fonoaudiólogos e fisioterapeutas 24 horas por dia. Aline revela que não sente culpa, mas convive com o peso da exaustão. "Eu me sinto realmente muito sobrecarregada. Porque são muitas vertentes que a gente tem que cuidar. Além dos cuidados diretos com ele, tem toda uma estrutura, como lidar com profissionais, brigas com o plano de saúde, com a Justiça... E, obviamente, eu tenho apoio psicológico para poder tentar levar isso da melhor maneira possível".

Mesmo diante das dificuldades, ela reconhece a força que a maternidade revelou. "Eu acho que a grande lição é de que a gente é capaz de muita coisa que nem imaginava. Eu nunca imaginei que fosse estar nessa situação hoje. E que eu pudesse ter conquistado tudo que eu conquistei para ele".

Aline Muniz

Servidora pública - Mãe do Cauã

A gente que é mãe tem um instinto. Quando nos vemos, ou aos filhos numa situação difícil, a gente se desdobra, e se supera

No último ano, Aline também precisou lutar pelo direito de Cauã frequentar a escola. Muitas instituições privadas recusaram sua matrícula. Hoje ele estuda em uma escola municipal — com a presença dos pais em sala de aula, devido à necessidade de atenção integral.

Ela não se vê como heroína, mas como mãe. E sonha para o filho a plenitude possível. "Assim como outras pessoas que são mães de crianças típicas — penso que, se elas estivessem no meu lugar, fariam o mesmo. Hoje a maior luta da comunidade AME é a inclusão da identificação da doença no teste do pezinho, para que a gente possa fazer diagnósticos e tratamentos precocemente também. Almejo que o Cauã seja feliz, que ele possa se inserir na sociedade da melhor maneira possível, que ele possa conquistar tudo que ele deseja. Eu nunca vou falar que meu sonho é ver meu filho andar, por exemplo. Não. Isso é impossível. Eu quero que ele seja feliz".

Doenças raras no Brasil e no Espírito Santo

De acordo com o Ministério da Saúde, existem pelo menos 13 milhões de pessoas com doenças raras no Brasil. Por doença rara se entende como aquela que corresponde a um conjunto diverso de condições médicas que afetam um número relativamente pequeno de pessoas, se comparado às doenças mais comuns. Estima-se que existam mais de 5.000 tipos diferentes. Compõem esse grupo as anomalias congênitas, os erros inatos do metabolismo e da imunidade, as deficiências intelectuais, entre outras enfermidades — a maioria com algum tipo de componente genético.

280 MIL

PESSOAS CONVIVEM COM DOENÇAS RARAS NO ESPÍRITO SANTO

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o Sistema Único de Saúde (SUS) no Espírito Santo já implantou Linhas de Cuidado específicas para pessoas com Epidermólise Bolhosa e Albinismo. E estaria em andamento a implementação e divulgação o atendimento a pesoas com Osteogênese Imperfeita, Fissura Lábio-Palatina, Doença Falciforme e Coagulopatias Hereditárias, como a hemofilia. No Estado, estima-se que cerca de 280 mil pessoas convivam com alguma doença rara, sendo que aproximadamente 75% desse total são crianças e adolescentes. O número exato de doenças raras ainda é desconhecido no Brasil. 

Um dos polos de atendimento a essas doenças é a Santa Casa de Vitória, especializada, inclusive, no tratamento do Angioedema Hereditário. No entanto, o atendimento no Espírito Santo é descentralizado: cada hospital lida com a especificidade de um tipo de doença. Diferentemente do que ocorre em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, onde centros especializados, como a Rede Sarah, centralizam o acolhimento a esses casos.

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