Publicado em 31 de julho de 2015 às 19:16
"Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe. Com base na bíblia e nos ensinamentos deixados por Jesus Cristo, a Igreja Católica tem o matrimônio como indissolúvel. Mas, apesar do juramento feito no altar, muitas pessoas não se casam tendo consciência desse sacramento. E, pelos mais diferentes motivos, não levam adiante a vida a dois. Após o divórcio, quem deseja vivenciar a sua fé dentro da instituição, se vê em uma situação delicada. Nesse momento, conseguir a nulidade do casamento pode ser a chance de recomeçar.
O matrimônio, como sacramento, é indissolúvel. Mas a Sagrada Escritura também mostra que pode ocorrer matrimônio falso, o que significa que não foi válido, ou melhor, nunca existiu, explica o mestre em Direito Canônico, padre Helder Salvador.
De acordo com as leis da igreja, as pessoas separadas e que buscaram um outro relacionamento não podem comungar e assumir determinadas funções de liderança. Esse foi um dos motivos para a assistente pastoral Josiene Alves Rosa, 33, entrar com o processo de nulidade no Tribunal Eclesiástico, órgão que julga esses casos.
Comecei a namorar com 15 anos, eu não gostava dele, mas acabei engravidando. Me casei depois de algum tempo, pois decidi viver para meu filho. Com isso, deixei de viver por 11 anos, lamenta.
Josiene relata que seu casamento foi marcado por traições. Ao contrário dele, a traição não fazia parte do meu caráter. No começo não me importava, suportava por causa dos meus filhos. Depois ele passou a ter ciúmes de tudo, até mesmo da igreja.
Após algum tempo, a assistente pastoral começou a ser agredida pelo marido, foram cinco vezes. Tinha que dormir com a porta do meu quarto trancada, tinha muito medo. Na última, chamei a polícia. Ele foi preso e logo depois solto, diz.
Ela conseguiu se separar judicialmente. A partir daí, voltou às suas atividades na comunidade e reencontrou seu atual esposo - eles se conheciam desde a adolescência-, o professor Luiz Carlos Rosa, 35, com quem tem uma filha. Aquilo que vivi não era um matrimônio, queria viver de forma mais intensa com quem realmente amava e voltar a participar ativamente da igreja, disse.
Meses depois de conseguir a nulidade, eles se casaram em uma cerimônia cheia de emoção. A nossa cumplicidade, nosso bem querer e nosso amor tinham que ser sacramentados, pois o que estávamos construindo é algo para a vida inteira, unido por Deus, e a nulidade permitiu que assim acontecesse, afirma Luiz.
Perfil
Em igual número, homens e mulheres buscam o processo de nulidade do matrimônio no Estado. O padre Carlos Magno, que é defensor do vínculo e mestre em Direito Canônico, explica que a maioria do público que procura o tribunal já está em outro relacionamento e deseja regularizar a sua situação para ter acesso aos bens espirituais da igreja.
A consciência é o maior bem da pessoa, mas é também um cárcere na medida em que aponta a situação de incômodo e de conflito.
Segundo Magno, o católico sabe a importância do matrimônio e deseja ser fiel aquilo que prescreve a igreja. Ao conseguir a nulidade, é uma vitória para a pessoa, uma página virada na história dela.
Causas
Uma dúvida frequente entre os fiéis são os motivos para conseguir a nulidade do casamento. O padre afirma que existem vários previstos no Direito Canônico. Falta de maturidade para cumprir as obrigações legais do matrimônio e a infidelidade são alguns deles, mas cada caso é analisado de forma singular.
O adultério tem que ter antecedido o matrimônio. Por exemplo: a pessoa desde o noivado mantinha um outro relacionamento e depois da união continuou. Isso configura que ela nunca quis se casar assumindo o vínculo da unidade.
O sacerdote explica que se a traição aconteceu após o casamento, é necessário analisar se houve continuidade. Uma coisa é quando o cônjuge traiu por 20 anos, por várias vezes. Outra é se de repente a pessoa cometeu um ato de fraqueza, durante uma crise, por si só, se não foi continuado, se ela voltou a ser fiel, não é exclusão de unidade, diferencia.
Outro motivo é o erro de pessoa. Quando o cônjuge se casa com alguém que apresenta muitas qualidades e, após a união, a outra parte se transforma, fica violenta, por exemplo.
Casamentos feitos por pressões externas, como em casos de uma gravidez; um dos cônjuges deixar a família passar privações, necessitando da ajuda de terceiros para ter bens básicos; e problemas psíquicos também são causas para a nulidade. Vale lembrar que ter filhos não impede o pedido, diz o padre Magno.
Como a lista de motivos é extensa, o ideal é ir ao tribunal para saber se a sua situação se encaixa em algum deles. Deus, ao criar o ser humano, o faz de forma singular e, portanto, cada pessoa é única e a experiência de cada um segue a sua singularidade, a igreja analisa cada história de vida, seus dramas e sofrimentos com intuito de ajudá-las na misericórdia.
Por isso, o padre diz que as testemunhas são fundamentais para que se possa ter a certeza das informações.
Ao chegar no tribunal, os documentos a serem apresentados são: as certidões de casamento civil e religioso, de averbação civil do divórcio, de batismo e outros documentos que podem ser exigidos pela igreja, de acordo com a necessidade de cada processo.
O valor para iniciar o processo é de três salários mínimos, que pode ser negociado. Atualmente o valor chega a R$ 2.364.
Hoje eu vivo a plenitude no matrimônio
Após cinco anos de casamento e com diferentes problemas, o marceneiro André Leonardo de Moraes, 39 anos, se divorciou e entrou com o pedido de nulidade na igreja. Durante o casamento tiveram traições. Eu, da minha parte, estava tentando, ela não.
André morava nos EUA, mas como tinha se casado no Brasil, entrou com o processo aqui. Enquanto os trâmites corriam, ele conheceu a sua esposa, a professora de inglês Francismeire Moraes, 37, que também vinha de uma separação, só que apenas no civil. Nós começamos a namorar e marcamos o casamento sem a nulidade sair, pela fé.
Um mês antes de subir ao altar, a documentação chegou. Demorou um ano e meio. Para mim, foi a resposta de Deus, porque no passado agi sozinho. Eu nunca perguntei se era da vontade Dele. Hoje eu vivo a plenitude do matrimônio, com a graça de ter toda a minha família na igreja, comemora.
André e Fran são pais da Beatriz, 8 anos, da Bianca, 5 anos, e esperam a Bella, que está a caminho.
Passo a passo do processo
1 O processo de nulidade é realizado a partir de um decreto do vigário judicial, que é o responsável pelo Tribunal Eclesiástico da Província Eclesiástica do Espirito Santo, que acolhe o libelo (requerimento ou peça processual) que contém uma história, os antecedentes (namoro e noivado) e período que durou o matrimônio. É baseado nos acontecimentos da vida do casal que a Igreja vai verificar se as exigências jurídicas do matrimônio foram cumpridas. Para esse primeiro passo, é necessário procurar o Tribunal Eclesiástico que fica localizado no antigo Convento São Francisco, no Centro de Vitória.
2 Feito isso, as partes envolvidas são comunicadas. O vigário judicial, através de um decreto, forma um colegiado de três juízes, o defensor do vínculo e uma notaria (escrivã), que irão analisar a causa. O vigário judicial determina a tramitação do processo com os interrogatórios às partes (demandante, quem deu entrada; demandado, o antigo cônjuge; e testemunhas) com perguntas a serem formuladas pelo defensor do vínculo, baseadas no libelo. Ao ser comunicada, a outra parte (demandado) pode concordar ou não, mas isso não impede o trâmite do processo. Nessa etapa também podem ser apresentadas provas materiais. Dependendo do motivo, pode ser um boletim de ocorrência na polícia por agressão, ou mensagens amorosas, vídeos ou fotos que comprovem atos de infidelidades, laudos médicos com transtornos psíquicos e outros que possam ser pedido pelos juízes ou defensor do vínculo.
3 Ouvidas as pessoas envolvidas, o processo retorna para o defensor do vínculo para dar o seu parecer em relação ao caso. Os juízes vão se basear no parecer dele para o seu juízo, sendo livres para concordar ou não. O defensor pode argumentar que houve aspectos que não respeitaram a legislação da igreja que tutela o matrimônio
4 Depois do parecer, o defensor devolve o processo para os juízes. Para a sentença final na primeira instância, é necessária que se tenha maioria de votos favoráveis à nulidade. A sentença deve ser publicada o quanto antes possível, pois a partir da publicação começa a correr o prazo para as apelações. Quando a pessoa se sente prejudicada por uma sentença válida, ela pode recorrer para um juízo superior, o que não se trata de um novo processo, esse juízo superior vai analisar a mesma causa. Vale esclarecer que segundo a legislação canônica atual, uma sentença favorável de nulidade de primeira instância precisa ser confirmada pela instância superior ao nosso tribunal que é o Tribunal de Apelação de Aparecida/SP.
Fonte: padre Carlos Magno
Motivos do Código de Direito Canônico
A. Falhas de consentimento (cânones 1057 e 1095-1102)
1. Falta de capacidade para consentir (cânon 1095)
2. Ignorância (cânon 1096)
3. Erro (cânones 1097-1099)
4. Simulação (cânon 1101)
5. Violência ou medo (cânon 1103)
6. Condição não cumprida (cânon 1102)
B. Impedimentos dirimentes (cânones 1083-1094)
7. Idade (cânon 1083)
8. Impotência (cânon 1084)
9. Vínculo (cânon 1085)
10. Disparidade de culto (cânon 1086,- cf cânones 1124s)
11. Ordem Sacra (cânon 1087)
12. Profissão Religiosa Perpétua (cânon 1088)
13. Rapto (cânon 1089)
14. Crime (cânon 1090)
15. Consanguinidade (cânon 1091)
16. Afinidade (cânon 1092)
17. Honestidade pública (cânon 1093)
18. Parentesco legal por adoção (cânon 1094)
C. 19. Falta de forma canônica na celebração do matrimônio (cânones 1108-1123)
"Forma canônica é o conjunto de elementos exigidos para a celebração ritual do casamento. Requer-se, com efeito, que a cerimônia se realize perante o pároco do lugar e, pelo menos, duas testemunhas (padrinhos).
Dissolução do matrimônio não consumado
Cânon 1142: O matrimônio não consumado entre batizados ou entre uma parte batizada e outra não batizada pode ser dissolvido pelo Romano Pontífice por justa causa, a pedido de ambas as partes ou de uma delas, mesmo que a outra se oponha.
Fonte: site Canção Nova
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