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'Largar tudo e viajar por 35 países me fez mudar o meu ponto de vista'

"Largar tudo e viajar por 35 países me fez mudar o meu ponto de vista"

Desempregado por conta da crise do petróleo, em 2013, ele largou tudo e foi viajar ao redor do mundo. Morou em veleiro, fez trilha de 12 dias no Nepal e rodou 4.500 quilômetros de carona pela Europa

Publicado em 7 de janeiro de 2018 às 01:02

Ele levava uma vida boa. Engenheiro eletricista formado pela Ufes, trabalhava embarcado em Macaé, tinha bom salário além de uma moto, um carro e um apartamento. Até que a crise, em 2013, e o encontro com alguns estrangeiros, fez sua vida mudar de rota.

Foi após um mochilão por Bolívia e Peru, que Guilherme Brunner (“Capeta”, para os íntimos) decidiu que viajaria pelo mundo. “Voltei diferente, a viagem me abriu a cabeça. E também já não estava feliz no trabalho. Cheguei a ficar 36 horas acordado trabalhando na plataforma”, lembra.

Foram três anos e nove meses de viagem, 35 países visitados – sendo que em quatro deles ele trabalhou para juntar dinheiro – e quatro continentes visitados. Guilherme fez de tudo: viajou de carona, sofreu acidente de moto no Vietnã, fez trilha no Nepal, retiro espiritual na Índia, morou em veleiro, rodou 4.500 quilômetros de carona na Europa durante três meses e, principalmente, conheceu gente. De volta a Vitória desde o dia 12 de dezembro, ele contou suas aventuras para A GAZETA.

Como você começou a se aventurar pelo mundo?

Em 2013, com a crise na Petrobrás, eu perdi o meu emprego. Já tinha um mochilão de férias marcado para Bolívia e Peru, fui sem me preocupar. A experiência mudou a minha cabeça de vez. Conheci muitos estrangeiros que falavam: “A gente não mora em lugar nenhum. Trabalhamos, juntamos dinheiro e seguimos viagem”. Vi que eles estavam no mundo fazendo o que gostavam e quis fazer o mesmo. Voltei para Vitória, tentei emprego na área no Iraque, na Venezuela e no México, mas mesmo com a experiência de três anos, não consegui. A verdade é que eu queria cair no mundo. A questão de arrumar um emprego é uma pressão que sofremos da sociedade, de seguir um padrão.

Como foi passar da carreira de engenheiro para viajante?

Eu desisti e escolhi viajar pelo mundo e pagar com as consequências. Coloquei na cabeça que iria para Nova Zelândia para trabalhar, juntar grana e viajar. Vendi minha moto antes de embarcar, o carro foi vendido depois e o apartamento na planta eu tive que entrar em destrato com a construtora. Cheguei na Nova Zelândia sem conhecer ninguém. Conheci pessoas e logo nos primeiros meses comprei uma van junto com um estônio, e viajamos durante cinco meses. Morava na van, onde também dormia e fazia as refeições. Nessa viagem dormia na praia, montanha, acampei, pulei de paraquedas e bungee jumping. No final ele foi embora, mas eu consegui visto de trabalho e acabei ficando um ano. Trabalhei em restaurante lavando louça e também como pintor, aí juntei uma boa grana.

E aí você foi para onde?

Com essa grana eu fui passar dois meses na Papua Nova Guiné, que é um país que entrou na minha lista de fantástico. É totalmente intocado, meio primata. Foi uma montanha russa de emoções. Um país pelo qual é muito difícil de viajar; as pessoas têm um excesso de cuidados com você. O que me impressionou é como eles podem viver com tão pouco. Eles têm tudo o que precisam, que é a casa e a comida. Mal têm eletricidade, telefone e dinheiro para quase nada. E mesmo assim são felizes. São as pessoas mais fantásticas que já conheci. Passei 45 dias por lá e nunca paguei por acomodação.

E como você ganhou dinheiro?

Também trabalhei em restaurante e na manutenção de um jardim de infância onde reformava os brinquedos das crianças. Até fui parar numa clínica, na Austrália, onde eles pagam para testar medicamentos. Fiquei lá durante três dias e recebi mil dólares para testar o remédio pata úlcera. Eu só tinha que tomar o remédio, medir a pressão e o resto do tempo era livre.

As pessoas não achavam que tudo isso era maluquice?

Todos os meus amigos achavam, principalmente os da engenharia, que é aquela coisa tradicional de ter um emprego e ficar rico. Então eles nunca entenderam eu ter largado isso para ser um louco no mundo. Eu perdi dinheiro, mas ganhei uma vida.

Qual era o seu projeto durante a viagem?

Quando saí, quis sair por um tempo indefinido. Falei: “Estou indo embora e não sei quando eu volto”. Queria que as minhas experiências fossem transformadoras. Queria fazer as coisas da forma mais alternativa, conhecer pessoas na rua, saber como elas vivem, o que comem.. Passei a viajar de carona, dormi na rua. Isso tudo mudou em mim, não sou mesma a pessoa de quando saí daqui.

Você tinha uma rotina?

Morei em quatro países, desses 35 por que passei. Trabalhei na Nova Zelândia, Austrália, Tailândia e Croácia. Então, quando estava trabalhando, tinha uma rotina. Mas quando estava viajando eu ficava bem solto. O plano era não ter planos. Eu não programava nada, deixava as situações me levarem. Estar aberto às mudanças foi a coisa mais marcante da viagem.

O que mais te marcou?

No quesito humano a Papua Nova Guiné foi a que mais me marcou. Em questão de viagem, gostei muito da Indonésia, pela diversidade cultural, e da Tailândia, que costuma ser o xodó do viajante. Lá é tudo muito barato e tem ainda a facilidade de conhecer outros viajantes.

E quais foram os perrengues?

No Timor-Leste, um país que já teve guerra civil, eu fui na delegacia pedir autorização para acampar, porque não queria pagar 20 dólares na hospedagem. Esse valor eu gasto num dia. Na delegacia fui revistado, tive que conversar com o capitão e fiquei três horas por lá. Eles queria envolver a embaixada brasileira e eu estava de saco cheio, mas depois disso eles me levaram para passear. Dormi num quarto privado na academia da polícia e tive até café da manhã. Também teve o acidente de moto no Vietnã.

Você viajou de carona pela Europa, pulou de paraquedas, dormiu na rua...

Também peguei carona num veleiro onde morei por dois meses enquanto viajava pelo Oceano Pacífico. Para conseguir eu ia todos os dias para a marina na Nova Zelândia e conversava com os viajantes que estavam passando pelo país, até que achei um casal – ele italiano, ela, inglesa. Me cobraram 10 dólares por dia – acomodação, comida e ainda me ensinaram a velejar. Foi uma experiência incrível. Outras experiências boas foram a trilha de 12 dias no Nepal e o retiro de meditação na Índia, quando fiquei 10 dias sem nem falar e só com comida vegetariana, meditando 12 horas por dia.

Em algum momento você achou que não daria certo?

Eu sempre acreditei no que estava fazendo. Em algum momento eu pensei em voltar a ser engenheiro, mas hoje essa opção é descartável.

O que você buscava ao largar tudo e viajar pelo mundo?

Mudar o meu ponto de vista sobre o mundo e as pessoas. De não aceitar muita coisa que é imposta para gente a nível de política, de tratamento na rua, discriminação. Eu tinha os meus preconceitos e eles foram totalmente quebrados. Eu sabia que só iria mudar se mudasse o meu jeito de viver.

Quais são os seus projetos?

Estou escrevendo um livro no qual vou contar detalhes sobre a viagem e também vou fazer palestras por todo o Brasil sobre como viajar barato. Quero mostrar que é possível viajar dessa forma.

Qual sua próxima viagem?

Vou passar o Carnaval no Rio de janeiro e depois vou descendo a costa do Brasil até chegar em Buenos Aires – de ônibus e carona.

E por que seu apelido é capeta?

Isso é coisa de adolescente, ouvia muito rock'n'roll. Acabou ficando.

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