Publicado em 30 de agosto de 2019 às 14:53
PERGUNTA: JUSSARA
Tenho uma filha de 1 ano e 3 meses. Estou amamentando em livre demanda, e exausta. Persisto na amamentação, pois tenho medo de que ela fique traumatizada. Como fazer o desmame?
Muito se fala no quanto a amamentação é importante, e disso não há dúvidas. Mas pouco se fala sobre como conduzir o processo de desmame. Primeiro que não há um desmame, mas desmames. Ao longo da vida os seres humanos vão desmamando, nas mais variadas e complexas situações. O nascimento é o primeiro desmame ao qual todos nós estamos submetidos.
Quando uma mulher decide que nutrirá seu bebê com seu leite, com seu corpo, com sua disponibilidade, ela está indo ao encontro da necessidade vital dele, pois sem cuidado particularizado ele não se tornará sujeito. Bem como está se permitindo exercer a função materna. Alimentar o bebê não é o único elemento que transforma essa mulher em mãe.
A amamentação jamais deve ser imposta e a mulher deve estar amparada para essa empreitada. Não é o fato de ter os seios que, automaticamente, garantirá que ela amamente seu filho. Não há um botão: amamentação mode on. A mãe vai aprendendo nos primeiros dias como amamentar seu bebê e esse processo deve contar com o suporte, a acolhida e o estímulo constantes da família que cerca essa dupla.
A cada nova mamada, mamãe e bebê vão sendo amamentados e desmamados. Nesse vai e vem dos corpos, dos fluxos, do tempo, das interações, o bebê vai se constituindo e a mãe também. Da fome à demanda de cuidados excessivos eles vão estabelecendo uma relação de segurança.
Se a mãe suporta não acolher de maneira imediata, e tolera ir expandindo junto ao bebê e as respostas às convocações que esse faz, suportando sua ausência o processo de desmame estará em movimento.
Porém, cada mulher será provocada, a partir de sua relação com seu bebê e sua história pregressa a constituir (ou não) esse laço. É muito sofrido quando uma mãe deseja amamentar, mas não consegue ou não pode. É devastador e, infelizmente, na nossa cultura, esse cuidado nutricional é valorizado em demasia em detrimento de outros tão importantes quanto.
O ato de amamentar não é amor apenas, e o desmame não é desamor. Amamentar e estar em sofrimento pode nos dar um indício de que algo não vai bem para essa mãe. Você diz que seu bebê tem 1 ano e 3 meses e você ainda mantém a livre demanda. É claro que estará exausta! Um bebê nessa idade já pode e deve conhecer alguns limites.
Penso que manteve a condição maternante em demasia. Você está preocupada se irá traumatizar sua filha, mas imagino o quanto esteja desgastada. E, se pede ajuda, me leva a crer que está no seu limite. Nenhuma relação de cuidado deve exaurir o outro a esse ponto. Os desmames malconduzidos acontecem nessas situações, quando as mães encontram-se exaustas.
Não tome o desmame como um evento. A mãe e o bebê precisam ir se preparando para ele. Ambos serão desmamados. Sim, a mãe também atravessará o desmame. O desmame de ser a única que cuida, que entende e que acolhe o bebê. Neste momento de tomada de decisão, inúmeras questões podem aparecer e dificultar o processo. É um momento muito bom para convocar o papai, incluí-lo na jogada, solicitar que se ocupe dos cuidados com o bebê.
Sem traumas será o desmame em que mãe e bebê fiquem bem. Com 1 ano e 3 meses sua filha já é capaz de suportar ir sendo desmamada. Imagino que ela já faça ao menos quatro grandes refeições. Portanto, vá substituindo as mamadas por outras coisas: brincadeiras, passeios e conversas. Converse com ela e diga o quanto já está grande e que não precisa mais mamar. Ofereça outras formas de acalanto que não o peito. É muito comum a mãe de bebês maiores ofertarem o seio para amansar o bebê. Mas temos o recurso da palavra. Em substituição à sucção, ofereça-as: se acalme, tá tudo bem, a mamãe está aqui, eu sei que doeu.
A gente vai desmamando os filhos ao longo da vida. Primeiro do útero, depois do peito, depois do quarto, da disponibilidade absoluta... De nossa parte, enquanto mães, é importante suportarmos que o bebê vá se interessando por outras coisas e nos permitindo nos interessar por outras também, além dele, que é fofinho, lindinho e quentinho.
A mãe deve aprender que outras pessoas também podem e devem se ocupar do bebê. A criança pertence a uma família ampliada, a uma sociedade, e precisa também saber que pode contar com outras figuras de apoio para suas necessidades.
É muito bom quando uma mãe vai aprendendo, na relação com o filho, que ela não precisa ser infalível, que não precisa estar sempre pronta para atender a tudo o que ele convoca. É uma linha muito tênue discernir se estamos acolhendo as necessidades do bebê ou garantindo que nada lhe falte. E garantir que nada falte ao bebê é totalmente desnecessário para seu crescimento físico e emocional.
Bianca Martins é psicóloga, especialista e mestre pela Unifesp/EPM; psicanalista membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória e diretora da clínica Infans
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