Publicado em 18 de janeiro de 2019 às 22:35
Mel se prepara para uma conversa com Tadeu, seu companheiro há seis anos um homem treinado desde menino, para ser viril, másculo, potente e corajoso até debaixo d'água. Ou, em português claro, um macho contemporâneo, um conquistador (parcialmente reformado pelo amor).>
Ela tomou banho chorando, experimentando um estado oposto ao fácil... Talvez porque assistisse mentalmente ao trailer de um filme conhecido que reprisa a dor de sempre.>
Fazer o quê?, ela pensa. Como seguir remando contra a maré de uma cultura que ainda jura: o homem pode (galinhar, por exemplo). Ardido... Porque nesses casos a dor comparece sempre.>
Mas, graças às incursões pra dentro de si, em busca de autoconhecimento, ela está cada vez mais sabida. Já começa a entender, por exemplo, que aquela força mais poderosa, aquela energia que cura e transforma, aquela que nos disseram que se encontra do lado de fora, mais especificamente 'no outro', aquela que acreditamos que a qualquer momento podem tomar de nós... na verdade é só nossa.>
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Nota: a partir do momento em que entendemos que nós não só temos essa força do lado de dentro, como também 'a somos' essencialmente, então florescemos. Nos tornamos abundantes. Porque a fonte dessa energia nunca seca, não importa o quanto a ofertemos.>
Na real, essa busca pelo amor próprio, ou a luz que pouco a pouco entrou, foi impulsionada pelas fendas e rachaduras causadas exatamente pela dor.>
Diante do espelho, tendo como companhia a dor e o medo, ela respira. Passa batom, aperta na toalha o cabelo, veste o sutiã. Senta na cama e abre, involuntariamente, o Instagram. Uma gota fria escorre do cabelo pelas costas, ela ignora a tela brilhante do telefone já dominou sua atenção. Capturada, se entrega ao rolar da barra. Mil coisas, tudo, nada.>
Por um instante, esquece até da conversa que a espera na varanda. Rola a barra, ainda. De repente, passa a imagem de um gato lindo de olhar profundo e esverdeado.>
"Queria ter um gato agora". Pensa num resmungo genuíno. Queria um felino de quatro patas e muito pelo. Queria sentir aquele olhar encantado, o passeio matinal entrelaçando as pernas, o ronronar, o dengo, o aconchego, a beleza, o sossego. Queria ter um gato mas não tinha jeito. Tornou-se extremamente alérgica.>
Explico: quando jovem teve um gato lindo, que dormia na cama com ela. Mas um dia, durante uma viagem foi atacada por um gato acuado numa casa esquisita. Depois disso, imagino que sua memória celular tenha criado um bloqueio severo em forma de alergia. Não duvide, nosso corpo sabe muito. E sendo nosso maior instrumento de aprendizagem e co-criação, cria maneiras próprias, e nem sempre lógicas, para proporcionar evolução.>
Enfim, finalmente, ela deixa de lado o telefone, veste seu quimono azul, penteia os cabelos e vai até a varanda, levando consigo a dor, o medo e toda aprendizagem acumulada nas células do peito, para mais uma conversa séria com Tadeu aquele homem amado que é, ao mesmo tempo, gigante e extremamente frágil.>
Ele está sentado de cabeça baixa, na poltrona que eles compraram juntos num dia de sábado. Ambos de olhos inchados.>
Ele pede desculpas, ela senta ao seu lado.>
'Engraçado como uma faísca minúscula é capaz de consumir uma floresta inteira.>
Você não acha?>
Depois leva tempo pra grama verde voltar a nascer... Valente, desde a fonte, insistindo em viver.>
Por isso, segue em frente. Segue sua dor, encontra nela aprendizagem. Considere que só amando, primeiro a nós mesmos, encontramos nossa verdadeira natureza.>
E é assim que deve ser.>
Enquanto isso, meu amor vai ficar guardado em mim. Até que nasça uma flor, outro pé de você.'>
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