Publicado em 7 de outubro de 2019 às 09:23
Apesar do BDSM ser um acordo entre as partes, a posição de submissão, na maioria das vezes, ainda é assumida e encenada pelas mulheres, refletindo em mais uma área a sociedade machista e patriarcal em que vivemos. Porém, e felizmente, as dominatrix - ou apenas Dommes - chegaram para mudar esse jogo, e através das cenas BDSM empoderar e mudar a visão das mulheres sobre o seu papel social, sobre elas mesmas, e seus locais de ocupação.
Se o BDSM só é possível quando uma das pessoas tem autoridade sobre a outra, a Domme é a dona do submisso nessa relação consensual. E a cena possui uma série de obstáculos, provas, e avanços para alcançar um objetivo definido pela Dominadora e cumprir essas ordens dá prazer tanto ao ela quanto ao submisso.
A psicóloga Claudia Murta é dominatrix desde 2018, quando fez um curso online. Como anunciei em redes sociais, sinto que foi a melhor aula que frequentei nos últimos tempos. Vejo que ser Domme é uma forma de resistir a uma dialética de que a mulher sempre deve ser a submissa, fazendo um jogo com a mesma, retirando-a da vida comum e revertendo a ordem social. É claro que se trata de um jogo teatral, mas de tanto encenar, pode-se aprender outros fazeres, afirma.
Psicanalista, ativista no combate à violência contra a Mulher e também professora de filosofia da UFES, Claudia desenvolve um projeto que analisa o BDSM e o conceito de dominatrix como fator empoderador da mulher na sociedade. Segundo ela, ser Dominadora traz uma possibilidade para que a mulher se reeduque e busque um outro lugar diferente daquele de submissão, o que foi socialmente delegado à ela. O BDSM encena a fantasia que traduz o desejo inconsciente de cada um. Isso é muito interessante para a mulher que é levada a assumir um lugar de submissão social e, nesse jogo, nessa encenação, pode ocupar o lugar dominante e, assim sendo, pode realizar a fantasia de dominação.
Ser Dominatrix mudou a postura de vida de Claudia. Mesmo tendo lutado toda a minha vida pela causa da mulher, o papel de Domme me fez pensar que eu sempre busquei realizar os desejos dos outros, mas nunca deixei ninguém tentar realizar os meus. Agora imagina: eu, que sou uma ativista pela causa feminina, tinha internalizado que na minha casa quem serve sou eu, e que o contrário seria inaceitável. Pois bem, a posição da Domme me fez aceitar ser servida e repensar a posição patriarcal internalizada em mim. A mulher não é apenas uma mãe cuidadora. Ela tem desejos próprios que devem ser atendidos, pois de outro modo ela é apenas uma servidora, analisa a psicóloga.
A universitária Nina é dominatrix desde 2015 e, para ela, esse papel vai além de um fetiche, a garante como dona de si mesma. Ser Dominadora é ser uma mulher forte, empoderada e certa do que quer. É ser subversiva e não se deixar dominar pelo aparelho machista da sociedade, conta.
Sobre as aulas de dominatrix, a universitária explica que antes de serem ensinadas as práticas, o foco é fazer florescer o poder que já existe em cada mulher. Com a pressão da sociedade, a mulher pode acabar reprimindo esse poder. O principal é empoderá-la, fazê-la descobrir-se com autonomia e ensinar que, com isso, ela pode ganhar o mundo, salienta Nina, que acrescenta: Fora o contrato consensual, extremamente importante, quem faz as regras é a própria dominadora, e a graça é que ela pode fazer o que quiser, como por exemplo pedir ao submisso para limpar seus sapatos, servir de apoio aos seus pés, lavar louça e realizar serviços sexuais, caso seja de sua vontade, diz.
Segundo ela, depois de virar dominadora, passou a enxergar nitidamente as opressões sociais sofridas pela mulher, que muitas vezes, não percebem o papel degradante em que se encontram. Mesmo que seja só no fetiche, nós nos empoderamos de maneira geral, levando isso para as situações cotidianas. Eu passei a depender menos dos outros e a valorizar mais as minhas próprias opiniões e a buscar o meu desejo, a me entender como uma mulher de verdade, pontuou.
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