O poeta Fabrício Carpinejar com o pai, o escritor Carlos Nejar: família é tema de livro
O poeta Fabrício Carpinejar com o pai, o escritor Carlos Nejar: família é tema de livro
Carpinejar

"A gente aprende a ser mãe e pai antes de aprender a ser filho"

Poeta, jornalista, autor de mais de 40 livros, lança um olhar sensível sobre a velhice dos pais e fala sobre a importância de nos valorizarmos a família

O poeta Fabrício Carpinejar com o pai, o escritor Carlos Nejar: família é tema de livro
Publicado em 23/10/2019 às 13h00
Atualizado em 23/10/2019 às 13h00

Poeta, cronista, jornalista… Uma metralhadora de palavras. As mais belas. Fabrício Carpinejar, ou só Carpinejar, fala para todas as pessoas, em todos os lugares. Seus versos em guardanapos digitais são famosos! Ele está em todas as plataformas: no Youtube, no Facebook, no Instagram, na TV… E nas livrarias, claro. São 44 obras publicadas.

Nos últimos tempos, um assunto tem inquietado mais o escritor gaúcho de 44 anos: a velhice dos pais. Em suas páginas, ele traz um olhar sensível sobre isso, como quando diz que precisamos “decifrar gentilezas e declarações de amor dos nossos pais em trivialidades”.

Neste bate-papo com a Revista AG, Carpinejar traz uma reflexão para todos nós, filhos e filhas.

Você lançou recentemente “Cuide dos seus pais antes que seja tarde” e agora está lançando “Família é tudo”. É uma continuação?

Sim, é uma continuação! Falo sobre aceitação, perdão, gratidão. A gente delega muito as dores de nossa vida na carga dos pais. Tudo que acontece de bom é nossa responsabilidade. E tudo que acontece de ruim, é culpa deles! Acho que é um livro que vem no momento certo.

Você fala que precisamos valorizar mais o essencial. Qual o principal recado aí?

Trato desse resgate da família, da simplicidade. Temos que ter cuidado para não se extravasar o contato por causa das relações virtuais.

Você acha que as pessoas estão convivendo pouco?

Acho! As pessoas estão deixando de ter uma memória afetiva. Se você vai caminhando com o celular na mão, não sabe direito o caminho que está tomando! Elas fazem as tarefas com o celular. Acabam não gravando seus momentos, perdem objetos… E vão perdendo o contato visual, o abraço, isso de estar junto. Ocorre em todas as relações. Mas principalmente em família.

A gente erra com nossos pais?

É preciso que haja um respeito geracional para entender o que os pais são antes de julgá-los, viver o que eles viveram, entender que são o máximo que podem, que não são legais de propósito, e sim porque não sabem fazer diferente. Temos o preconceito de entender todo conselho como sendo uma censura, uma reprimenda. Como pais são disciplinadores de nossas tarefas, a gente fica com aquela coisa, né… Acaba armando uma fobia de escutar os verdadeiros apelos. Mas eles viveram mais do que nós! Só que todo mundo se sente um Google, tem uma arrogância fake.

Quando você se deu conta disso?

Pois é! Me dei conta de que não conhecia meus pais, de que eles eram estranhos íntimos. Uma vez fui preencher o prontuário médico do meu pai e não sabia qual o tipo sanguíneo dele, se ele tinha feito alguma cirurgia antes… Vi que não tinha me esforçado como filho como me esforço numa amizade. Você recebe os pais numa encomenda pronta e não faz perguntas. Não se esforça, não existe a contrapartida igual numa amizade!

E aí veio a preocupação com o fato de eles não serem eternos...

Sim.. Por isso quis falar do impacto da longevidade nos laços de família. Antes os pais morriam aos 60 anos. Hoje, vivem até 80, 90 anos de idade. Todo mundo terá que ser pai de seu pai, mãe de sua mãe um dia. Temos que planejar a velhice dos nossos pais como uma segunda gestação. Quer dizer: se você vai comprar um apartamento, tem que deixar separado o quartinho dos pais!

Tem gente que deixa os pais no asilo...

Mas até para o asilo você vai ter que se planejar! De qualquer forma, teremos que nos planejar para diminuir o ritmo de trabalho para acolher o pai e a mãe.

Carpinejar

Escritor

"Todo mundo terá que ser pai de seu pai, mãe de sua mãe um dia. Temos que planejar a velhice dos nossos pais como uma segunda gestação. Quer dizer: se você vai comprar um apartamento, tem que deixar separado o quartinho dos pais! "

No seu livro, você relembra a infância com seus pais

Trago à tona uma narrativa biográfica destinada a fazer refletir sobre o que estamos fazendo em família. Trago cenas da minha infância. Por exemplo: um dos fatos mais comoventes da minha infância era quando faltava luz em casa. Todo mundo tentava se aproximar pela voz, e a família ficava reunida contando história. O apagão servia para estreitar o convívio. Não tinha outra coisa para fazer! Não tinha celular! Vejo que a gente precisa desses apagões na nossa vida para buscar a eletricidade do afeto! Fazer de conta que não está funcionando a eletricidade, que não dá para carregar o celular. Vocês vão ter que conversar!

Como lidar com nossos pais sem que haja esse choque de gerações?

Precisamos aprender a decifrar gentilezas e declarações de amor dos pais em trivialidades. Quando vou visitar minha mãe, ela se posta na janela às 15h30. Posso falar que vou avisar a hora que vou chegar, que vou mandar mensagem. Mas ela quer me ver dobrando a esquina. Eu digo: ‘Mãe, faz outras coisas, não perde tempo...’. Sabe o que ela diz? ‘Quero te ver duas vezes’. São declarações de amor assim que às vezes a gente não percebe. Talvez a gente tenha uma grande dificuldade contemporânea de receber amor. A gente é capaz de perdoar com mais facilidade um desafeto do que quem nos faz o bem, porque temos dentro de nós a dificuldade com a dívida da gratidão. A gente não sabe como agradecer quem nos faz o bem.

Carpinejar

Escritor

"Vejo que a gente precisa desses apagões na nossa vida para buscar a eletricidade do afeto! Fazer de conta que não está funcionando a eletricidade, que não dá para carregar o celular. Vocês vão ter que conversar!"

Você tem dois filhos jovens. Como trata disso com eles?

Tenho a Mariana, de 25 anos, que está fazendo Letras, e o Vicente, de 17 anos, que está no último ano do Ensino Médio. Não tenho como exigir nada deles! É um processo natural. Digo sempre: ‘Suportem essa fase! Vai passar! A gente vai se estranhar. Não vai falar tanto ‘eu te amo’.. E digo que eu espero eles do outro lado do balcão quando tiverem a minha idade! Eu diria que a gente só aprende a ser filho na maturidade. A verdade é que a gente aprende a ser pai e mãe antes de aprender a ser filho e filha. Repare quantos manuais existem para ensinar a ser um bom pai e ser boa mãe! Não tem nenhum manual que ensine a ser um bom filho! É isso que faço..

Não parece fácil mesmo!

É uma empreitada! Vai conversar com meus irmãos! Somos em quatro! Parece que somos filhos de pais diferentes! Cada um tem sua versão do nosso pai e da nossa mãe.

Em uma de suas crônicas, você contou que era tímido quando criança. Como foi se tornar poeta, jornalista, professor...?

Fui uma criança com muita solidão. Assim, pude reparar na dor do outro, aprender a ter empatia, ser capaz de exercer a empatia. Quem fica sozinho observa mais, sai mais do seu mundo. Sente tudo mais à flor da pele.

Você conseguiu tirar vantagem dessa característica…

Mas sofri muito bullying. Quem nunca sofreu bullying não vai sofrer empatia por quem sofreu, vai pensar que é natural.

Lidar com bullying hoje em dia é mais difícil do que no passado?

Muito mais! Hoje é pancadaria digital! Não é brincadeira! Falo que é caso de saúde pública, não de educação. Porque a pessoa não está apenas maltratada no ambiente escolar. Agora é também no Facebook, no Instagram, WhatsApp. Não tem para onde correr!

Como ensinar os filhos a se defender disso?

Não se colocando como herói. Deixando que eles possam resolver. Não resolver por eles. Ou você estará tirando os anticorpos dos filhos. Eles nunca poderão se defender! E tem a questão do humor. É legal ensinar o filho a não se idealizar, ter autocrítica. Os pais devem falar dos vexames e fiascos que já enfrentaram na vida. Democratizar o riso.

Como seria isso?

Não sofrer por antecipação, não esperar o pior. Quando algo de ruim acontece, entender que isso é normal. A gente quando guarda uma dor, ela aumenta, quando a gente conta, ela diminui. Então, é importante inspirar a confissão em família. Os pais têm que contar suas façanhas tristes, desajeitadas, atrapalhadas! Quem nunca caiu na frente de todo mundo? Quem nunca pegou recuperação? Tem que contar os altos e baixos. A minha mãe tinha um costume maravilhoso: sempre que acontecia algo ruim, como uma batida de carro, por exemplo, a gente saía para brindar. A gente não brindava só as coisas boas. Brindava as ruins também como forma de esperança.

Carpinejar

Escritor

"O bullying hoje é pancadaria digital! Não é brincadeira! A pessoa não está apenas maltratada no ambiente escolar. Agora é também no Facebook, no Instagram, WhatsApp. Não tem para onde correr"

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