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Aplicativos viram 'novos pais' da nova geração Alpha

Aplicativos viram "novos pais" da nova geração Alpha

Especialistas alertam que a tecnologia, que tanto facilita nossa vida, não deve substituir o olho no olho

Publicado em 11 de outubro de 2019 às 18:29

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Data: 08/10/2019 - ES - Vitória - Daniela Feu gosta de cozinhar com sua filha Alice - Editoria: Revista AG - Foto: Vitor Jubini - GZ. (Vitor Jubini)

Na correria do dia a dia, ela nos salva de muitos perrengues. Facilita um bocado a vida, é verdade. Em poucos segundos, sem sair de casa, a gente paga umas contas, resolve o almoço, trabalha um pouco, recebe as notícias fresquinhas na palma da mão… Para quem tem filhos, as vantagens só se multiplicam.

E aí, fica fácil entreter as crianças. É só colocar um tablet na mão delas. Não precisa nem preparar a refeição. Basta um clique no aplicativo para a comida chegar rapidinho e quentinha. E para quê buscar o menino na escola ou na festa? Novamente um comando pelo celular e um carro com motorista faz o serviço com a maior eficiência.

Ʌ Está tudo muito bom, mas… Será que não estamos deixando que esses dispositivos assumam cada vez mais nosso lugar na relação com nossos filhos? Será que os apps não estão recebendo atribuições especiais demais na educação da prole? Para a psicanalista Bianca Martins, sim. “A tecnologia tem roubado das famílias muitos momentos da vida em conjunto”.

Não se trata aqui, claro, de jogar a culpa de todos os problemas familiares na cyber rotina . “A gente não pode olhar a tecnologia nem como problema, nem como solução. Ela é um instrumento. E como ela vai funcionar depende da gente. As nossas escolhas é que vão definir se ela é um problema nas relações ou não”, observa a psicóloga Fernanda Freitas.

É possível tirar bom proveito desses recursos em conjunto. “Se o filho gosta de uma banda ou do personagem de um filme, por exemplo, os pais podem usar a internet para pesquisar sobre isso junto com ele. Ou se a criança gosta de um esporte em específico, os pais podem pesquisar sobre um campeonato que esteja acontecendo em outro país e que ela não conheceria se não fosse com ajuda da tecnologia. Assim ela vira um instrumento de aproximação”, cita Fernanda.

Olho no olho

O que não dá certo é viver apenas dentro do mundo high-tech. “O que vemos, muitas vezes, é a tecnologia substituindo o acolhimento, o olho no olho, a conversa no dia a dia. Somos seres analógicos vivendo na era digital. E aí, temos pais e filhos dentro da mesma casa, cada um no seu canto com seu celular, na sua rede social. É muito bom receber curtida, like no Instagram, mas nada disso substitui o vínculo afetivo”, diz a psicóloga.

Não é errado, vez ou outra, pedir a janta pelo app. Mas vale refletir se essa comodidade não está virando regra, atrapalhando a realização de experiências únicas com as crianças. Será que elas vão crescer sem aquela doce lembrança da infância, como a do cheiro do bolo saindo do forno?

Um tipo de recordação que a pequena Alice, de 5 anos, certamente terá quando for adulta. Mérito da mãe dela, a ortodontista e professora universitária Daniela Feu, 38 anos. Mesmo com a rotina atarefada para dar conta dos dois empregos, ela faz questão de ir para a cozinha. E sempre leva a filha junto. “Como trabalho muito, sempre que estou em casa, faço tudo com ela. Alice é minha companheirinha!”, conta.

Talvez por isso, a menina encontre tanta diversão entre as panelas. “Com três aninhos, ela já quebrava o ovo direitinho, separava a gema. Hoje, ela ama fazer cupcakes”, diz a orgulhosa mãe.

A nutricionista Roberta Larica diz que a comida tem essa relação mesmo com a memória afetiva. “Eu me lembro tanto da minha avó, das receitas que eu ajudava ela a fazer!”, comenta.

Por isso, ela orienta os pais a deixarem a criança ter esse contato com a cozinha desde cedo. “O ideal é levá-la ao supermercado, à feira, deixar que ela ajude a escolher a fruta, a verdura. Em casa, é importante incluir a criança em alguma etapa do preparo da refeição. Mesmo uma bem pequena pode ajudar a descascar o alho, a misturar os ingredientes. Pode também botar o prato na mesa, arrumar os talheres, o jogo americano...”.

Para Roberta, toda família deveria se esforçar para fazer pelo menos uma das refeições com todos juntos à mesa. E sem celular por perto. “É uma boa oportunidade para conversar sobre como foi o dia de cada um, para contar histórias”.

Na hora de brincar, nada de telas

Data: 08/10/2019 - ES - Vitória - Isadora Padilha tem um filho de 2 anos, o Samuel, que não tem contato com tela nenhuma - Editoria: Revista AG - Foto: Vitor Jubini - GZ. (Vitor Jubini)

Uma criança de 2 anos de idade não é tão fácil de entreter. Demanda cuidados e tem uma energia danada! Por isso, muitos pais sem tempo acabam recorrendo à ajuda tecnológica, e o celular vira uma espécie de babá enquanto a mãe ou o pai se ocupam com outra tarefa.

Samuel não é diferente. Está naquela fase curiosa, exploradora. Mas seus pais estão conseguindo lidar com ele sem apelar para os eletrônicos.

“Ele tem dois anos e três meses de idade e até hoje não vê nada de telas. A gente fez essa escolha. Usamos para trabalhar, claro, ou para tirar fotos. Mas não damos na mão dele porque sabemos que é algo difícil de tirar depois”, afirma a mãe do pequeno, a psicóloga Isadora Lee Padilha, 29 anos.

Isadora entende que se dedicar dessa forma integral não é algo tão simples para todas as famílias. “É um privilégio poder fazer essa escolha, eu sei. O Samuel vai para a escola há um ano. Mas quando ele está em casa eu o coloco junto de mim. A gente brinca juntos. Ele não brinca sozinho. Se vou cozinhar, ele vai junto. Fui desenvolvendo estratégias desde que ele começou a ficar em pé. Vou o incluindo em tudo. E serve como distração”, revela ela, que é casada com o Rodrigo, designer, de 30 anos.

Na hora da brincadeira, o jeito é espalhar tudo pelo chão. “Até a sala é cheia de brinquedos. A casa é dele”.

A psicóloga Bianca Martins destaca que na infância é importante que as crianças tenham acesso limitado às telas ( TV, celulares, tablets). “Antes dos 2 anos nenhuma tela é indicada. Porém, isso é quase impossível hoje em dia! Elas estão aí nas mãos dos pais, que utilizam os dispositivos para se comunicar, tirar fotos...”.

Segundo ela, no Dia das Crianças, vale refletir se o melhor presente é mesmo um tablet ou um celular de última geração. “Muitos pais, afoitos em oferecer objetos para as crianças, esquecem que o melhor legado que podem ofertar é a capacidade de interlocução entre as pessoas. Se há pouca interação, a criança estará empobrecida em seus repertórios de auto-regulação e resolução de conflitos”.

Aspas de citação

Em casa, é importante incluir a criança em alguma etapa do preparo da refeição

Roberta Larica
Nutricionista
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A pedagoga Claudia Prados reforça que brincadeiras em família, dessas de rolar no chão, é que fortalecem o vínculo.

Que Uber que nada!

Data: 08/10/2019 - ES - Vitória - Marcela Duarte, advogada, não manda Uber buscar os filhos, Mateus e Tiago, na escola- Editoria: Revista AG - Foto: Vitor Jubini - GZ. (Vitor Jubini)

Quando os meninos entram no carro, vira a maior festa. É assim todo dia para a advogada Marcela Fernando Duarte Lucas, 41 anos, quando busca os filhos Mateus, 10 anos, e Tiago, 7, no colégio. Assim, a volta para casa ganha trilha sonora própria.

“Geralmente, começamos conversando sobre o dia na escola. E aí, depois, eles pedem para eu colocar uma ‘futparódia’. Já aprendi quase todas! Eles são vidrados em futebol atualmente! Na verdade, é uma grande paixão minha também”, ri Marcela.

Para quem não sabe, ela explica: “As ‘futparódias’ são ‘histórias’ do futebol cantadas em ritmo de funk, de sertanejo. Eles adequam as letras ao som. Até que fica legal! Cada dia é uma nova”.

Um momento de integração e diversão em família do qual Marcela e o marido, o médico André Silva Lucas, 42 anos, não abrem mão, mesmo com todas as facilidades possibilitadas pelos aplicativos de transporte particular.

“Apesar de trabalharmos fora, conseguimos organizar nossos horários de forma que a gente realmente participe da vida dos nossos filhos. Eu e meu marido nos revezamos para levar e buscar os meninos na escola. Geralmente, ele leva e eu busco. Assim como os levo e busco no futebol e na natação. Ou conto com ajuda da minha mãe nisso, às terças e quintas, por exemplo”, conta a advogada.

A tecnologia, aliás, fica bem longe das crianças. “Meus filhos não têm celular, nem tablet. Usam o meu, eventualmente. Tudo controlado, né?”, conta Marcela.

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Veja algumas dicas da pedagoga Claudia Prados para tirar melhor proveito do tempo com os filhos. Sem telas, claro

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  • 01

    Inclua já!

    Envolva a criança nas tarefas domésticas. Use a brincadeira para ensiná-la funções da vida prática. Existem tarefas seguras e divertidas com as quais a criança pode cooperar, fortalecendo vínculos afetivos, incentivando a autonomia e a independência dela

  • 02

    Crie rotinas juntos em família

    Escolha uma refeição do dia para que a família toda se sente à mesa. Nesse momento, dedique sua atenção à criança. Escute-a

  • 03

    Delegue mais

    Se for possível, terceirize alguns afazeres domésticos para que tenha mais tempo livre para você e sua família

  • 04

    Faça bons programas

    Priorize os finais de semana para fazer programas com a criança: uma caminhada pela areia da praia, um passeio de bicicleta, ir ao parque, à fazendinha. Tudo isso pode ser muito divertido!

  • 05

    Limite as telas

    Estabeleça limite de tempo dedicado a celulares, redes sociais e tv enquanto estiver em casa. Facilmente nos distraímos com as telas e, quando nos damos conta, já é hora de dormir e pouca atenção demos à criança

  • 06

    Curta cada momento

    Crie momentos especiais com seu filho. Levá-lo a pé para a escola pode ser uma boa oportunidade de ficar mais tempo com ele. Se for de carro, aproveite para bater papo, rir

  • 07

    Acolha

    Fique perto da sua criança para fazê-la dormir – combine cada dia uma conta uma história para outra, cante uma música calma, reduza a luz do quarto, faça um carinho. A criança irá se acalmar, se sentirá acolhida e segura para dormir

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