Marina Dayrell
Marina Dayrell
Marina Dayrell

"Não dá para tratar redes sociais e jornalismo de formas separadas"

Jornalista foi uma das convidadas na aula inaugural da Residência e trouxe luz também para assuntos de Diversidade & Inclusão

Tempo de leitura: 2min
Marina Dayrell
Vitória / Rede Gazeta
Publicado em 06/09/2022 às 18h10

Se por um lado as redes sociais contribuem para a facilidade com que boatos, ou outras formas de desinformação, podem ser compartilhados, já passou da hora de tratar as plataformas como canais instrínsecos ao jornalismo. Esse é um dos pontos levantados pela jornalista Marina Dayrell, ex-residente da Rede Gazeta, com passagem pelo Estadão - especializada em Diversidade e Inclusão - e atualmente curadora de conteúdo do Twitter.

Uma das convidadas da aula inaugural do 25º Curso de Residência da Rede Gazeta, no último dia 30, Marina trouxe para o debate como o posicionamento dos veículos nas redes sociais já é parte essencial da rotina, não só da equipe de distribuição, mas também dos próprios usuários, que já incorporaram o consumo de notícias nas plataformas.

Em conversa com A Gazeta, ela aponta que a valorização deste conteúdo também passa pelo reconhecimento do profissional de jornalismo que atua focado nestes canais. "Existem algumas crenças de que lidar com redes sociais, fazer um jornalismo pensado nas redes sociais, é algo menor, menos jornalístico, mas isso não é verdade", pontua. Confira mais detalhes sobre esse e outros assuntos sobre jornalismo, redes sociais, diversidade e inclusão na entrevista abaixo.

O que é, para você, o maior gargalo para a pauta de Diversidade e Inclusão nas empresas hoje?

Na minha opinião, a maior dificuldade hoje é que as empresas consigam encarar inclusão e diversidade como uma questão estratégica e que seja parte da cultura delas. Na prática, isso significa ir além do marketing, ir além de só querer mostrar para a sociedade que elas são inclusivas e que prezam pela diversidade. Em muitos casos, ao olhar para o ambiente interno, isso não se reflete - seja na inexistência de pessoas que são parte de grupos minorizados (como mulheres, pessoas negras e indígenas, LGBTI+, pessoas com deficiência, pessoas acima dos 50 anos, entre outros) ou na falta de suporte quando existe alguma representação dessas pessoas. Algumas empresas não conseguem garantir segurança psicológica dentro da empresa ou não têm mecanismos que ajudem no desenvolvimento e crescimento profissional para alcançar postos mais altos na hierarquia.

Ainda assim, o tema tem crescido nos últimos anos. Do que você acompanhou, quais as principais diferenças que você destaca quando falamos de D&I atualmente com cinco anos atrás?

O tema cresceu, sim, nos últimos anos, impulsionado por alguns acontecimentos como o fortalecimento do movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter) após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, em 2020. A amplificação desse movimento para além dos EUA ajudou a estimular algumas empresas aqui no Brasil em direção à programas de inclusão e diversidade. Se a gente olha para cinco anos atrás, uma das principais diferenças é que hoje existe uma preocupação maior das empresas em relação à presença e efetividade de programas de inclusão e diversidade e, consequentemente, em relação à percepção que os profissionais do mercado têm da marca. Isso passou a refletir nas bolsas de valores, por exemplo. Em 2021, a Nasdaq já tinha estabelecido critérios de diversidade para as empresas listadas na bolsa, e agora a B3 está com audiência pública aberta para estabelecer novas regras de inclusão para as empresas brasileiras listadas.

Nesses últimos anos as empresas também passaram a ter programas de recrutamento exclusivos para pessoas de grupos minorizados, ainda que em números muito menores do que acredito serem os ideais. É muito importante lembrar que isso tudo acontece em empresas que estão em estágios mais maduros de inclusão e diversidade. Na minha visão, essa não é uma realidade geral das empresas no Brasil e ainda há um caminho muito longo pela frente, principalmente em relação à inclusão de pessoas não-brancas.

Você foi reconhecida como uma LinkedIn Creator. Como esse título em uma rede social influenciou na sua carreira?

Produzir conteúdo nas redes sociais é essencial para muitas profissões, e para a minha com certeza. Mas é algo que dá muito trabalho porque você já tem o seu trabalho habitual e isso é um extra, é algo que você faz depois que o seu expediente formal termina. Então, ter um reconhecimento assim é legal porque, primeiro, te incentiva a produzir mais, a continuar com o trabalho. Também é importante para amplificar o conteúdo que eu produzo. É como se fosse um selo que faz com que mais pessoas tenham acesso ao meu trabalho e se interessem pelo que eu faço, e isso ajuda a amplificar o meu nome (e consequentemente a minha carreira). As pessoas passarem a conhecer mais o seu nome, o seu trabalho, quem é você, é essencial para toda carreira, porque ter uma rede de contatos (o famoso networking) é uma das peças que, realmente, mais movem o mercado de trabalho. É alguém que te conheceu e que vai te indicar para uma vaga de trabalho futuramente, é alguém que leu algo que você escreveu e vai compartilhar e isso vai fazer com que outras pessoas te conheçam, é alguém que viu um vídeo que você gravou e vai te convidar para fazer uma palestra na empresa em que ela trabalha e por aí vai.

Ainda sobre redes sociais, como funciona para você a separação de vida virtual x vida real (se é que tem)? Tanto profissional quanto pessoalmente.

Eu acho que essa separação é muito complicada de acontecer na prática, já que é difícil manter essas duas coisas separadas. A gente entra um pouco também na questão de vida pessoal X vida profissional e nós já sabemos, por muitos motivos, que essa linha que separa uma coisa da outra não existe. Outro ponto importante é que eu não sou uma pessoa X na minha vida pessoal, uma pessoa Y na minha profissional e uma pessoa Z nas redes sociais. Todas essas esferas conversam e convergem para que eu seja quem eu sou. Então, por exemplo, eu sou especialista em diversidade e inclusão, então eu falo sobre isso nas minhas redes porque eu tenho capacitação e formação para isso. Mas, ao mesmo tempo, eu sou uma mulher bissexual e isso intefere diretamente na forma como eu penso diversidade e inclusão. Não tem como separar uma coisa da outra. Então tudo isso influencia no conteúdo que eu produzo nas redes sociais.

Hoje no Twitter, quais aspectos do Jornalismo você aponta como mais cruciais para o trabalho de curadoria de conteúdo?

Eu acho que os valores do jornalismo não mudam de acordo com o setor em que você atua, então são os mesmos princípios que valem para toda a atividade jornalística. A começar pelo reconhecimento dos nossos vieses inconscientes. No jornalismo, a gente aprende desde a faculdade a falar bastante sobre imparcialidade, e reconhecer os seus vieses está relacionado com isso, mas vai além. Os vieses inconscientes são aqueles pensamentos e concepções que a gente tem que induzem as nossas decisões e se a gente não está atento a eles, não percebe. Isso é prejudicial em toda a vida, principalmente para garantir diversidade e inclusão, e também para o jornalismo que a gente pratica.

Esse ponto está ligado diretamente na garantia de pluralidade e inclusão dentro do jornalismo. Um ponto que guia o meu trabalho, em qualquer lugar ou posição que eu esteja, é pensar, diariamente, nas vozes que eu estou amplificando, nas histórias que eu estou ouvindo, para que direção eu estou olhando, porque, ao fazer essas escolhas, eu estou deixando outras direções, histórias e vozes para trás.

Outro aspecto muito importante é entender a nossa responsabilidade, como jornalistas, de dar destaque para as informações, de ajudar a combater a desinformação e explicar, da melhor forma que a gente conseguir, os assuntos do mundo para a sociedade. E isso exige uma auto reflexão e pesquisas diárias para você conseguir sair da sua bolha e entender que, na maioria das vezes, uma coisa que parece muito óbvia ali para você ou para as pessoas do seu convívio, não é óbvia para muita gente, então você vai precisar explicar melhor, usar outros recursos e etc.

Pensando nas novas gerações de jornalistas, que lição você acredita ser possível tirar da convivência entre redes sociais e veículos tradicionais?

Não é novidade dizer que veículos tradicionais e redes sociais não são coisas separadas. Existem algumas crenças também de que lidar com redes sociais, fazer um jornalismo pensado nas redes sociais e amplificar o seu trabalho ali é algo menor, menos jornalístico, mas isso não é verdade. Afinal, 81% da população brasileira acessou a internet em 2021 (segundo a TIC Domicílios), então não dá para gente ignorar esse fato. Quando você está no ônibus indo trabalhar, na sala de espera de um médico ou na fila do banco, se você olhar para o lado, você vai ver pessoas mexendo no celular e elas, provavelmente, estarão passando tempo ali nas redes sociais. Nelas surgem muitas pautas, tendências e movimentos, e não dá para ignorar isso. Muita gente vai se informar por elas. Muita gente vai se informar só por aquelas poucas frases e fotos que estão nas redes sociais. Elas também levam uma quantidade enorme de pessoas para os sites dos veículos tradicionais. Então, ao meu ver, não dá para tratar redes sociais e jornalismo de formas separadas. É preciso, cada vez mais, pensar não só em usar as redes sociais dentro do jornalismo tradicional, mas também pensar em conteúdos, formatos e formas de fazer jornalismo especificamente para cada rede.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.