O compositor alemão Richard Wagner em Paris, em 1861
O compositor alemão Richard Wagner em Paris, em 1861. Crédito: Arquivo

Wagner e o nazismo: do antissemitismo à admiração de Hitler

Após ter sido uma das referências ao Terceiro Reich no vídeo do ex-secretário de Cultura de Bolsonaro, o compositor alemão volta a ser debatido pela influência no regime

Publicado em 25/01/2020 às 09h01
Atualizado em 27/01/2020 às 08h49
  • Erico de Almeida Mangaravite

    É delegado de polícia e crítico musical

Vez por outra ressurge uma antiga discussão: qual a relação entre o compositor alemão Richard Wagner (1813-1883) e o nazismo? Wagner publicou em 1850 um ensaio intitulado “O Judaísmo na Música”, no qual afirmou que os judeus, com suas crenças, costumes e idioma próprios, não se integravam ao “volk”, ao conjunto de pessoas unidas por uma vontade comum e coletiva – conceito ligado diretamente aos movimentos nacionalistas do século XIX. Devido à ausência de integração, seriam incapazes de produzir a verdadeira arte.

No texto, Wagner criticou duramente dois compositores judeus, que para ele produziam música de segunda categoria: Meyerbeer e Mendelssohn. Meyerbeer triunfara em 1847 com uma “grand ópera” (gênero musical bombástico, com grandes elencos, efeitos especiais, cenários grandiosos) chamada “O Profeta”, ao passo que “Rienzi”, obra do mesmo gênero composta por Wagner, fracassou justamente em Berlim, cidade de Meyerbeer (ainda que tenha feito sucesso em outros lugares).

Nas suas três óperas seguintes- “O Navio Fantasma”, “Tannhäuser” e “Lohengrin”-, Wagner passou a trabalhar com mais refinamento a orquestração e os temas musicais, além das emoções evocadas pelos textos e expressadas em cena pelos personagens, repudiando “Rienzi” e aquilo que ela representava. Meyerbeer passa então a ser considerado por Wagner um compositor de música vulgar e estridente, e Mendelssohn, falecido em 1847, é criticado por ser irritantemente conservador.

Wagner se considerava um defensor do nacionalismo germânico e uma espécie de arauto da verdadeira arte alemã, que caminhava em direção ao futuro. A imensa popularidade do vetusto Mendelssohn seria um obstáculo para esta caminhada. Tais ideias, defendidas e desenvolvidas por Wagner até o final da vida, não eram incomuns naquela época. Com efeito: o antissemitismo estava alastrado pela Alemanha do século XIX.

NACIONALISMO

Os movimentos nacionalistas se apropriavam de conceitos do antissemitismo para justificar a presença de crises políticas e econômicas, culpando os judeus por diversos males. No século seguinte, ocorre a ascensão do nazismo, com todas as suas nefastas consequências. E aqui se coloca a seguinte questão: por que a música de Wagner está, em certa medida, associada ao nazismo?

Tal ideologia, cujas origens remontam à década de 1920 (ou seja, bem depois da morte de Wagner), uniu os aspectos mais radicais do antissemitismo, do anticomunismo, do racismo biológico, da eugenia, do desprezo às instituições democráticas, dentre outras práticas, para justificar um nacionalismo germânico extremista que cultuava a violência, prevendo inclusive o extermínio de certos grupos, dentre os quais os judeus.

OUTROS COMPOSITORES

Hitler era um grande admirador da música de Wagner e se apropriou de alguns de seus aspectos para a glorificação dos ideais do nazismo, de modo que em diversos eventos do Partido Nazista as composições desse eram executadas. Contudo, há que se destacar que obras de compositores como Beethoven, Bach, Bruckner e Mozart também eram admiradas pelos nazistas.

Ademais, artistas como os regentes Herbert Von Karajan e Wilhelm Furtwängler e os compositores Richard Strauss e Carl Orff permaneceram trabalhando na Alemanha durante a 2ª Guerra, gerando certa polêmica após o fim do conflito (houve quem emigrasse por não concordar com o regime nazista).

Erico de Almeida Mangaravite

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"Todavia, por mais que o antissemitismo de Wagner seja algo absolutamente reprovável, está bem distante do projeto de extermínio defendido pelos nazistas"

Sabe-se também que outros artistas repudiavam os judeus: Chopin fazia, vez por outra, comentários antissemitas em cartas e em conversações com amigos, como faziam muitos de seus compatriotas poloneses do século XIX. Contudo, décadas após o fim do conflito, parece que apenas o nome de Wagner permanece associado aos nazistas – a ponto de a execução de suas obras ser um tabu em Israel até os dias de hoje.

Inegavelmente, os ensaios e artigos publicados por Wagner macularam a sua imagem de forma considerável. Todavia, por mais que o antissemitismo de Wagner seja algo absolutamente reprovável, está bem distante do projeto de extermínio defendido pelos nazistas.

AMIGOS JUDEUS

Cabe também dizer que Wagner tinha em seu círculo de relações diversos amigos judeus como o regente Hermann Levi e os pianistas Carl Tausig e Joseph Rubinstein. E mais: não há elementos explícitos de antissemitismo em suas composições musicais (uso o termo “explícitos” porque há alguns musicólogos que vislumbram a existência de elementos implícitos em certos personagens, pensamento que está longe de ser majoritário).

Fica a reflexão apresentada pelo escritor Adrian Mourby em um artigo publicado em 2000 no jornal inglês “The Guardian”: um compositor do século XIX pode ser perdoado por um ato de genocídio do século XX?

A resposta não é tão fácil, pois aqueles que aceitam Wagner com seus defeitos não podem simplesmente ignorar a legitimidade dos sentimentos daqueles que o veem como uma figura associada ao ódio (muitos dos quais perderem pessoas queridas no Holocausto). Talvez só o tempo apague essa mágoa.

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