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. Crédito: Pixabay

Cinemateca Brasileira é guardiã da memória do país

Foram muitíssimos os percalços da instituição, que somente em 2008 teve o impulsionamento necessário para desenvolver suas atividades

Publicado em 30/05/2020 às 11h00
Atualizado em 30/05/2020 às 11h00
  • Lucia Caus

    É diretora do Festival de Cinema de Vitória

A memória é um assunto recorrente em obras de grandes filósofos, escritores, psicólogos, enfim, de grandes pensadores desde os tempos de Platão. Não é à toa a fixação da humanidade com a memória, é através dela que podemos investigar a nossa própria história. Só nos foi possível conhecer grandes civilizações extintas porque elas demarcaram sua memória através de escritos, pinturas, arquitetura e outras artes.

Desde que os irmãos Lumière gravaram suas primeiras imagens, o cinema tem sido uma importante ferramenta de conservação da memória humana.

Mas quem conserva a memória do cinema?

No nosso país, a instituição responsável pela manutenção e conservação da memória do audiovisual é a Cinemateca Brasileira, que tem o maior acervo da América do Sul, com itens como filmes em película, filmes digitais, documentos e livros sobre o cinema.

A origem da Cinemateca se deu em 1940, com a fundação do Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, que tinha a proposta de estudar o cinema como arte independente por meio de projeções, conferências, debates e publicações. Infelizmente, o projeto foi fechado em 1941 por órgãos de repressão da ditadura do Estado Novo, e somente cinco anos depois a criação do Segundo Clube de Cinema de São Paulo permitiu que os estudos sobre a arte cinematográfica prosseguissem. Em 1956, o clube se torna uma sociedade civil sem fins lucrativos e ganha o nome de Cinemateca Brasileira.

A Cinemateca passou por três incêndios, perdeu-se muito de acervo da nossa história, e da história do cinema. Foram muitíssimos os percalços da instituição, que somente em 2008 teve o impulsionamento necessário para desenvolver suas atividades. Entre os anos de 2008 e 2013, foram milhares de obras restauradas em película, duplicadas e copiadas, mais milhares de filmes catalogados, e a Cinemateca passou a produzir um relatório anual de todas as suas atividades.

Na madrugada do dia 03 de fevereiro de 2016, mais um incêndio atingiu a Cinemateca, uma das câmaras que continha filmes foi incendiada pela autocombustão do nitrato de celulose (elemento presente das películas) e foram perdidos 1003 rolos. Há relatos de que o descaso com a instituição desde o final de 2013, e a dificuldade de manter técnicos e estrutura necessárias para a conservação das obras, foi um dos fatores que levaram ao incêndio e à perda definitiva dessas obras.

ACERVO E PRESERVAÇÃO

Essa contextualização histórica da Cinemateca é importante para compreendermos a importância da manutenção da instituição, os problemas enfrentados para a preservação da memória do audiovisual e, ainda, o quanto a história da Cinemateca foi atravessada pela história do país.

Mesmo com recursos escassos, a Cinemateca foi capaz de manter acervos filmográficos, fotográficos, documentais e preservou uma grande quantidade de obras. Hoje, no site oficial da Cinemateca, é possível ter acesso aos relatórios até o ano de 2017, através dos quais é possível saber quais filmes importantes foram inteiramente restaurados, como por exemplo, o clássico “Macunaíma”, baseado na obra de Mário de Andrade.

Cena de
Cena de "Macunaíma", com Grande Otelo. Crédito: Arquivo

O acervo possui filmes em curtas, médias, longas-metragens, cinejornais, obras de ficção e documentários. Mais de 250 rolos de película que foram digitalizados. Também passaram pelo processo de digitalização telenovelas antigas, filmes e reportagens de produções brasileiras e internacionais. A Cinemateca também guarda importantes marcos para a tv e o cinema do Brasil, conservando reportagens da TV Tupi, produções dos estúdios Vera Cruz e Atlântida, além de entrevistas com importantes nomes da nossa indústria da comunicação, filmes mudos e fotografias de vários artistas nacionais e internacionais.

Neste momento em que a mídia volta seus olhares para a Cinemateca, é imprescindível destacarmos que a atual falta de repasse dos recursos ameaça a existência da instituição, o que representaria uma perda irreparável para a cultura e para a memória do Brasil. A Cinemateca precisa de atenção especial, e de uma gestão que compreenda a necessidade da conservação da memória do cinema brasileiro, para que as gerações futuras tenham a possibilidade de conhecer a trajetória do nosso audiovisual.

O escritor italiano Carlo Dossi, que viveu entre 1849 e 1910, escreveu: “A inteligência é feita por um terço de instinto - um terço de memória - e o último terço de vontade”.

É urgente que coloquemos nosso instinto de preservação em prol da Cinemateca Brasileira, e que haja boa vontade por parte do poder público em manter viva a nossa memória, ou perderemos grande parte da nossa inteligência.

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