Publicado em 23 de junho de 2025 às 04:39
Uma pesquisa realizada no Brasil indica que a suplementação de vitamina D pode, no futuro, reforçar o tratamento contra o câncer de mama.>
Ao avaliar um grupo de voluntárias diagnosticadas com a doença, os cientistas descobriram que tomar esse hormônio esteve relacionado a uma maior taxa de desaparecimento do tumor (entenda os detalhes ao longo da reportagem).>
Além de atuar na manutenção da saúde dos ossos e do sistema imunológico, a vitamina D teria o potencial de se ligar diretamente a receptores de células cancerosas e pode impedir a disseminação delas, apontam os especialistas.>
Os autores do trabalho se mostraram animados com os resultados e entendem que eles podem modificar a forma como essa enfermidade será tratada no futuro.>
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Mas eles mesmos ponderam que são necessários novos estudos, com um número maior de pacientes, para confirmar esses achados iniciais.>
A investigação foi conduzida na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no interior de São Paulo.>
Foram recrutadas 80 mulheres com mais de 45 anos diagnosticadas com câncer de mama.>
Todas elas fariam o chamado tratamento neoadjuvante, que consiste em passar por sessões de quimioterapia durante seis meses antes de fazer uma cirurgia para a retirada do tumor.>
"Há um grupo de pacientes que apresenta um câncer de mama grande ou agressivo. Então, antes de remover o tumor com a cirurgia, precisamos começar com algum tipo de medicamento, como a quimioterapia na veia, para diminuir o tamanho dele e posteriormente fazer a operação em condições melhores", contextualiza o cirurgião oncológico Renato Cagnacci Neto, do Centro de Referência de Tumores da Mama do A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista.>
O especialista, que não esteve envolvido com o estudo da Unesp, calcula que a taxa de mulheres com câncer de mama que necessita do tratamento neoadjuvante (químio antes da cirurgia) varia de 20% a 40%, a depender da realidade de cada país.>
No início do experimento, as voluntárias foram submetidas a exames de sangue para medir o nível de vitamina D que tinham. >
Na sequência, as pacientes foram divididas em dois grupos. >
O primeiro passaria a receber, durante o semestre de químio, uma suplementação de vitamina D numa dosagem de 2 mil unidades internacionais (UI).>
Já segunda turma tomou placebo, uma substância sem nenhum efeito terapêutico.>
Passados os seis meses, todas fizeram um novo exame de sangue, para ver como os níveis de vitamina D tinham se alterado no período. >
Os laudos mostraram que o primeiro grupo, que fez a suplementação, estava com uma quantidade maior desse hormônio no organismo.>
Mas o resultado mais importante veio na sequência: 43% das pacientes que suplementaram a vitamina D apresentaram uma resposta patológica completa (quando avaliações em laboratório dos tecidos removidos durante a cirurgia não encontram mais células tumorais). >
Já entre aquelas que tomaram apenas placebo, essa taxa ficou em 24%, quase vinte pontos percentuais abaixo. >
A mastologista Michelle Omodei, uma das autoras da pesquisa da Unesp, destaca "o excelente benefício que os resultados podem trazer no tratamento das mulheres com câncer de mama". >
"O resultado é maravilhoso e surpreendente", diz a especialista, que acaba de concluir um doutorado na universidade. >
Mas como a vitamina D pode atuar contra as células cancerosas?>
"Esse hormônio parece ter uma ação no microambiente tumoral. As células malignas têm um receptor específico onde a vitamina D se encaixa e pode regular a transcrição de genes específicos", responde Omodei.>
"É possível que ela diminua, nesse ambiente tumoral, a inflamação, a invasão e a proliferação das células cancerosas", especula a médica. >
A pesquisa brasileira é uma das primeiras a avaliar o papel da vitamina D como uma possível terapia contra os tumores mamários. >
Investigações anteriores, como um estudo feito na Turquia, até avaliavam essa possibilidade, mas apostavam em doses altíssimas da suplementação desse hormônio, que chegavam até a 50 mil UI por dia. >
Ao prescrever apenas 2 mil UI diários, o trabalho brasileiro buscou um balanço entre um efeito terapêutico sem aumento no risco de toxicidade, defendem os autores.>
"E ficamos muito esperançosos, porque a vitamina D é uma medicação de baixo custo, o que pode facilitar o acesso", avalia Omodei.>
Embora os resultados tenham sido comemorados e bem recebidos, isso não significa que a vitamina D já entre automaticamente no rol de opções terapêuticas contra o câncer de mama. >
Ela também não substitui outras terapias já consagradas, como a quimioterapia ou a cirurgia.>
E é importante que pacientes diagnosticadas com esse tumor sigam as recomendações médicas e sempre conversem com o profissional de saúde antes de incluir ou retirar qualquer suplemento ou remédio da rotina.>
"Até porque a vitamina D pode ser potencialmente tóxica se tomada em grandes quantidades", alerta Cagnacci Neto.>
"Essa suplementação não é algo para a paciente fazer sozinha, sem nenhum acompanhamento", sugere ele. >
O cirurgião oncológico reforça que "o uso da vitamina D no tratamento do câncer ainda é um tema bem controverso".>
"Em linhas gerais, os resultados que temos são confusos. Há estudos que encontraram um papel positivo da suplementação, e outros que observaram o oposto", complementa médico. >
Ele também lembra que a ciência é o campo das verdades transitórias. >
"Os dados que temos até hoje não são tão legais assim. Mas, às vezes, surgem evidências que apontam no caminho contrário. É o caso dessa pesquisa da Unesp, que foi muito bem feita", elogia ele.>
Os responsáveis pelo estudo também entendem que o número de voluntárias precisa ser ampliado em futuros testes, para que os resultados sejam mais sólidos. >
Eles, inclusive, já planejam os próximos passos da pesquisa, que envolvem justamente ampliar o número de participantes e de centros de pesquisa numa rodada de testes clínicos mais robustos.>
"Os resultados são muito promissores, mas ainda precisamos de mais estudos", admite Omodei.>
O câncer de mama é o segundo tipo de tumor mais frequente no Brasil, atrás apenas do câncer de pele não melanoma.>
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que a doença afete 73,6 mil mulheres e cause 18,3 mil mortes todos os anos no país.>
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