Publicado em 17 de abril de 2024 às 08:32
As festas com temática sexual estão na mira das autoridades na Rússia, desde que o Supremo Tribunal do país decidiu, em novembro, declarar o movimento LGBTQ como uma "ideologia extremista".>
Nos últimos meses, foram registrados pelo menos seis casos de batidas policiais em festas públicas e privadas com este tema em diferentes regiões do país.>
Alguns dos eventos não tinham relação com a comunidade LGBTQ.>
Em fevereiro, a polícia russa invadiu uma boate na cidade de Ecaterimburgo, a 1.500 quilômetros a leste de Moscou, onde estava sendo realizada uma festa com temática sexual chamada "Veludo Azul", na qual os participantes usavam balaclavas para esconder a identidade.>
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Pelo menos 50 policiais participaram da operação — e alguns deles pareciam ser membros da FSB, a agência de segurança russa, conforme informaram os organizadores da festa ao serviço de notícias em russo da BBC.>
A polícia obrigou todos os convidados a retirar as máscaras, e pediu informações pessoais deles, contou Stanislav Slovikovsky, um dos organizadores.>
"Me perguntaram se havia gays e lésbicas na festa ou [se havia alguma] propaganda LGBT. Também perguntaram se as pessoas estavam usando drogas, embora parecessem estar muito menos interessados nisso", acrescentou.>
Durante mais de uma década, as autoridades russas tentaram "proibir a homossexualidade", e privar os membros da comunidade LGBTQ dos seus direitos, com uma série de leis que identificam o movimento LGBTQ como uma ideologia extremista.>
Em 2013, foi aprovado um projeto de lei que proibia a chamada "propaganda LGBT", o que limitava na prática qualquer debate público sobre os direitos desta comunidade e questões relacionadas a ela.>
No ano passado, foi implementada uma legislação anti-LGBTQ ainda mais rigorosa. >
Em julho, o Parlamento proibiu a transição de gênero, que era legalizada desde 1997, e proibiu procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual, terapia hormonal e a mudança de gênero em documentos oficiais.>
Em novembro, o Supremo Tribunal do país declarou o movimento LGBTQ como uma "ideologia extremista".>
Ou seja, acrescentaram o movimento à lista de grupos extremistas, junto ao Estado Islâmico e às Testemunhas de Jeová.>
Apoiar a comunidade LGBTQ é agora um crime na Rússia, punível com até 10 anos de prisão.>
Na festa "Veludo Azul", não foi feito nada que pudesse constituir um crime, disse Stanislav Slovikovsky à BBC.>
Ele afirmou que houve apresentações eróticas na festa, e algumas delas tinham elementos de BDSM (sigla em inglês para submissão, dominação, sadismo e masoquismo), uma variedade de práticas sexuais e dramatizações, das quais os participantes foram convidados a participar.>
Ao mesmo tempo, explicou Slovikovsky, não havia expectativa nem pressão sobre os convidados para fazerem sexo.>
A polícia da cidade de Ecaterimburgo divulgou posteriormente um comunicado afirmando que as forças de segurança estavam realizando uma operação "preventiva" naquela noite.>
"Ninguém pode descartar que a comunidade LGBTQ possa realizar suas reuniões sob a forma de festas BDSM", disse Dmitry Choukreev, membro da Câmara Municipal de Ecaterimburgo.>
Apesar da crescente repressão por parte das autoridades contra a comunidade LGBTQ nos últimos anos, "estas pessoas não desapareceram", ele acrescentou.>
"Eles ainda precisam se divertir e colocar suas ideias em prática. Poderiam realizar esse tipo de evento disfarçado de BDSM, que não é proibido por enquanto.">
Festas com temática sexual têm sido realizadas nas grandes cidades da Rússia durante a última década — grande parte concentrada em ambientes urbanos cosmopolitas.>
Estima-se que uma proporção relativamente pequena da população participe — estes eventos costumam atrair pessoas de classe média que trabalham em indústrias criativas ou de tecnologia.>
As festas se destinavam a simbolizar o liberalismo e a tolerância dentro da sociedade russa, mas com a aprovação de leis cada vez mais conservadoras, estes eventos estão se tornando cada vez mais clandestinos.>
A repressão das autoridades russas às festas com temática sexual aumentou em dezembro, após a festa de aniversário da influenciadora e apresentadora de TV Anastasiya Ivleeva, cujo convite exigia que os convidados fossem vestidos "quase nus".>
A festa foi divulgada nas redes sociais, e entre os convidados, estavam várias celebridades russas, incluindo Kseniya Sobchak, filha de um sócio e mentor de longa data de Vladimir Putin, Anatoly Sobchak, assim como um cantor pop das antigas, Philipp Kirkorov.>
Embora a maioria dos presentes estivesse de camiseta e lingerie, alguns decidiram usar roupas mais reveladoras. O rapper Vacio apareceu apenas com uma meia nos órgãos genitais.>
As fotos do evento provocaram indignação entre muita gente.>
Vacio foi preso por 15 dias sob acusação de vandalismo — e multado em 200 mil rublos (cerca de R$ 11 mil) por sua vestimenta.>
A própria Ivleeva recebeu uma multa de 100 mil rublos (aproximadamente R$ 5,5 mil) por organizar a festa.>
Os problemas começaram para a anfitriã e seus convidados quando Putin viu as fotos.>
Algumas das celebridades que participaram do evento contaram que tiveram aparições na mídia canceladas e foram ameaçadas com processos criminais.>
Putin redobrou a retórica dos "valores tradicionais" após as eleições presidenciais na Rússia, que deram a ele seu quinto mandato.>
As recentes batidas em festas com temática sexual seguiram o mesmo padrão: a polícia apareceu, ordenou que todos se deitassem no chão e começou a coletar os dados dos participantes.>
A maioria das operações foi transmitida por meios de comunicação pró-Kremlin — e alguns canais de televisão chegaram a revelar informações pessoais dos participantes.>
A repressão não se limitou a eventos públicos. Em pelo menos dois casos, a polícia apareceu em uma festa privada.>
Alguns dos convidados do sexo masculino foram ameaçados de serem enviados para lutar na guerra na Ucrânia, afirmou uma pessoa que estava em uma das festas à BBC.>
Diante do aumento das batidas policiais e da vergonha pública, os organizadores das festas estão recuando.>
Em fevereiro, a festa queer de techno Popoff Kitchen, de Moscou, bem conhecida entre a comunidade LGBTQ local, e a Kinky Party, com temática sexual, anunciaram que deixariam de realizar eventos na Rússia.>
"Recebemos um aviso de que eventos relacionados ao tema sexo não serão permitidos a partir de agora", afirmaram os organizadores da Kinky Party em comunicado.>
"É impossível trabalhar sabendo que não se pode garantir a segurança [dos seus convidados]", disse Nikita Egorov-Kirillov, da Popoff Kitchen, à BBC.>
"Todas essas batidas, intimidações, coleta de informações pessoais... Se isso acontecer uma vez, você não vai conseguir voltar a convencer as pessoas de que sua festa é segura", acrescentou.>
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