Publicado em 16 de junho de 2025 às 05:39
No interior do estádio Hard Rock de Miami, um bilhete está colado na porta do escritório de produção de Shakira.>
"Por favor, volte mais tarde...a menos que você esteja pegando fogo">
O bilhete rosa, escrito à mão, sugere um nível de stress totalmente compreensível para a equipe que organiza a maior turnê em estádios do ano.>
Com 64 shows esgotados nas Américas, Shakira já se apresentou para mais de dois milhões de fãs. >
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"Trabalhei por mais de um ano, refinando cada detalhe do show, então isso é uma recompensa incrível", declara à BBC. >
Não há nervosismo nem gritos nos bastidores antes do show em Miami...e ninguém está pegando fogo.>
O ambiente é tranquilo e profissional. As bailarinas se alongam nos corredores, as costureiras costuram cristais nos macacões e os técnicos de guitarra conferem as afinações. >
Alguns dados sobre a turnê impressionam. >
"Viajamos com duas máquinas de lavar e duas secadoras, que conectamos em cada local", disse a chefe de figurino, Hannah Kinkade, que cuida de quase 300 trajes.>
Cada figurino precisa ser renovado antes de um novo show, explica, porque "Shakira dança com muita intensidade e as bailarinas também".>
"As bailarinas gastam tanto os sapatos que temos que repintá-los toda manhã.">
O diretor de palco, Kevin Rowe, nos mostra os corredores escuros embaixo do palco, onde a equipe guarda estoques secretos de Gatorade e um café gelado para sobreviver ao calor sufocante de Miami. >
"Ou faz muito calor, ou chove muito", diz Rowe sobre trabalhar em um show ao ar livre. "Mas essa é a desvantagem de viver no submundo.">
Por volta das 14h30, a banda começa a passagem de som. Pouco depois das 15h, Shakira chega com seus quadris que não mentem, com escolta policial, e se junta à equipe de palco.>
Usando uma calça jeans prateada boca de sino e uma regata branca, ela não consegue se controlar e dança enquanto avalia o lugar do show daquela noite. >
"Vim aqui para o show de Beyoncé e estava tudo impecável, então é bom que me façam soar tão bem quanto ela", brinca com a equipe. >
Ou será que não está brincando tanto assim?>
Shakira solta a piada com um piscar de olhos, mas há algo que todos reconhecem nos bastidores: a chefe é perfeccionista. >
"Quando ela está ligada, está ligada", aponta a bailarina principal Darina Littleton. >
"Quando ela entra, está pronta, seu personagem está pronto, está entregue ao público.">
"Ela sabe o que quer, e se não consegue, vai conseguir de uma forma ou outra", diz o diretor musical Tim Mitchell, que toca com Shakira desde os anos 90 — inclusive escreveu o riff de flauta em Suerte.>
"É muito meticulosa com cada aspecto do show: o som, o visual, a iluminação, as pulseiras, tudo. É incrível. Não sei como ela faz isso.">
A obsessão dá frutos. >
O show de Shakira consiste em duas horas e meia de drama musical: um desfile ininterrupto de sucessos bilíngues, 13 trocas de figurinos e movimentos constantes.>
Ela faz uma dança do ventre de inspiração libanesa durante Ojos asím, uma rotina tribal com facas para apresentar Whenever, Wherever, toca com força uma guitarra Flying V durante Objection (Tango), e faz o público uivar com uma versão eletrizante de She Wolf.>
A turnê se chamada Las Mujeres Ya No Lloran (em português, As mulheres não choram mais), em homenagem ao seu último álbum, inspirando em alguns de seus desamores e problemas pessoais mais intensos que ela já viveu.>
Seu relacionamento de 11 anos com o jogador de futebol Gerard Piqué acabou, ao mesmo tempo em que seu pai se submetia a uma cirurgia cerebral de emergência, e as autoridades espanholas a acusavam de fraude fiscal por 14,5 milhões de euros (R$ 92,5 milhões na conversão atual), caso que foi resolvido por meio de um acordo extrajudicial. >
"Muitos de vocês sabem que os últimos anos não foram fáceis para mim", ela diz no palco. "Mas, quem não cai de vez em quando, né?">
"O que eu aprendi é que uma queda não é o fim de tudo, mas o começo de um caminho ainda melhor.">
Mais especificamente, essa turbulência a impulsionou a um surto criativo que a colocou de novo no centro do cenário cultural, após sete anos de silêncio musical. >
Em 2023, Bzrp Music Sessions Vol. 53, uma faixa criada com o produtor argentino Bizarrap, estava cheia de indiretas direcionadas a Piqué e sua nova namorada — "que você trocou um Rolex por um Casio" — e ganhou o prêmio de Música do Ano no Grammy Latino. >
Ela continuou com a temática em uma série de singles de sucesso como no sarcástico Te felicito e TQG, um dueto com a também colombiana Karol G, que já acumulou 1,3 bilhão de reproduções no Spotify. >
"Ela é uma grande inspiração para as mulheres", disse uma fã, que usava orelhas peludas de loba pouco antes do show. "Ela já fez de tudo. Ela é poder.">
O compromisso de Shakira com o show é tanto que ela quis que nossa entrevista fosse feita depois que ela descesse do palco. Então, pouco depois da meia-noite, ela sai do camarim parecendo mais fresca que um campo de margaridas. >
"Já aviso que pode ser que eu fale algumas coisas que não fazem sentido", disse rindo. "Ainda estou me recuperando.">
"Hoje fez muito calor e umidade. Quando está assim, ou quando tem altitude, é um grande desafio, mas vale totalmente a pena.">
O que acontece quando ela está cansada ou doente?>
"Para montar um show desse tamanho e que aconteça todas as noites, não importa se você está triste, se teve um dia ruim, se está doente ou com tosse, você simplesmente tem que dar o melhor de si e, milagrosamente, fazer acontecer.">
"E a adrenalina, na verdade, não me deixa sentir o cansaço nem o quanto exigente isso pode ser. Ela ajuda a superar tudo.">
Se apresentar em Miami foi particularmente significativo, conta, porque é a cidade para qual se mudou quando jovem, com a esperança de conquistar o mercado pop ocidental. >
Naquela época, ela já era uma estrela na Colômbia, mas sabia que o sucesso internacional significava cantar em inglês. O único problema era que ela não tinha aprendido o idioma. >
"Tinha 19 anos quando me mudei para os Estados Unidos, como muitos imigrantes colombianos que chegam neste país em busca de um futuro melhor", afirma. >
"E me lembro de estar rodeada de dicionários de espanhol-inglês e dicionários de sinônimos, porque naquela época ainda não existia Google nem ChatGPT para ajudar. Então tudo era muito precário", comenta. >
"Logo mergulhei na poesia e comecei a ler um pouco de Leonard Cohen, Walt Whitman e Bob Dylan, tentando entender como o inglês funciona na composição de músicas. Acredito que foi assim que me tornei boa nisso.">
Ultimamente, ela tem refletido muito sobre essas experiências, sua aceitação nos Estados Unidos e como isso contrasta com a postura do governo de Donald Trump em relação aos imigrantes. >
Ao receber o Grammy de melhor álbum pop latino, no início deste ano, ela abordou a situação diretamente. >
"Quero dedicar esse prêmio a todos meus irmãos e minhas irmãs imigrantes neste país. Vocês são amados, têm valor, e eu sempre lutarei com vocês", declarou.>
Pergunto como é ser imigrante nos Estados Unidos hoje em dia.>
"Significa viver com medo constante. E é doloroso ver isso", responde.>
"Agora, mais do que nunca, temos que permanecer unidos. Agora, mais do que nunca, precisamos levantar a voz e deixar muito claro que um país pode mudar suas políticas migratórias, mas o tratamento a todas as pessoas sempre deve ser humano.">
É uma declaração contundente, dita em inglês e em espanhol, enquanto Shakira se dirige diretamente aos seus fãs latinos. >
Essa conexão é a base do sucesso de sua turnê: seus fãs cresceram com Shakira e se veem refletidos nela. >
Em Miami, o público abrange várias gerações: mães e filhas cantam em uníssono os sucesso dos anos 90 como Pies descalzos, sueños blancos, e dançam ao ritmo de Waka Waka (This Time for Africa). >
Por isso, o ápice do show chega durante Acróstico, que Shakira escreveu para seus filhos, na qual promete a eles que permanecerá forte após a separação de Piqué. >
Enquanto canta, Sasha, de 12 anos, e Milan, de 10, aparecem nos telões, cantando com a mãe. >
"Meu coração derrete toda vez que os vejo naquela tela e escuto aquelas vozinhas", reconhece Shakira. "Eles são tudo para mim. São meu motor e a razão pela qual estou viva. Então, tê-los comigo no palco todas as noites é um momento precioso.">
Esta é a primeira vez que os filhos têm idade suficiente para ver a mãe se apresentar em um show, e ela confessa que eles têm sentimentos mistos sobre isso.>
"Quando tenho um show, eles se estressam um pouco porque querem que tudo saia perfeito para mim", conta. >
"Sempre estão preocupados, perguntando: 'Mamãe, como foi? Você caiu? Está bem?'. E eu tento mostrar a eles que não existe um show perfeito. Está tudo bem cometer um erro.">
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