Publicado em 14 de dezembro de 2025 às 20:44
O candidato direitista José Antonio Kast foi eleito presidente do Chile, após uma vitória expressiva sobre a candidata comunista Jeannette Jara.>
Jara reconheceu a derrota.>
"A democracia falou alto e claro. Acabei de falar com o presidente eleito José Antonio Kast para desejar-lhe sucesso para o bem do Chile", escreveu ela em sua conta no Twitter.>
No entanto, que José Antonio Kast aspirasse à presidência do Chile era algo impensável até mesmo para seus amigos mais próximos, alguns anos atrás.>
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"Não era fácil imaginar que ele seria candidato", disse Rodrigo Pérez Stiepovic à BBC Mundo (serviço da BBC em espanhol), relembrando quando ele e Kast começaram a estudar Direito juntos, em 1984, e se tornaram amigos íntimos até hoje.>
O próprio Kast contou que, na primeira vez em que considerou se candidatar à presidência, perguntou a um amigo se conseguiria e recebeu uma resposta desencorajadora: "Não, você enlouqueceu".>
Ele teve êxito apenas na terceira tentativa, ao enfrentar no segundo turno das eleições presidenciais a candidata apoiada pelo governo, a comunista Jeannette Jara.>
Embora Jara tenha recebido mais votos que Kast no primeiro turno, em novembro, o candidato da oposição alcançou a maioria com o apoio de dois candidatos derrotados naquele turno: o libertário Johannes Kaiser e a conservadora Evelyn Matthei.>
De fato, Kast tinha uma vantagem confortável sobre Jara nas pesquisas para o segundo turno e parecia mais perto do que nunca de vencer a presidência.>
Nas eleições de 2021, Kast venceu o primeiro turno, mas perdeu o segundo com 44% dos votos para o atual presidente de esquerda, Gabriel Boric, que obteve 56%.>
Na primeira vez em que concorreu à presidência, em 2017, ficou em quarto lugar com 8% dos votos.>
Mas uma coisa parece certa: este advogado católico e conservador já contribuiu para transformar a direita tradicional chilena, com uma plataforma que evoca comparações com líderes de outros países, como Donald Trump, Javier Milei e Nayib Bukele.>
Nascido há 59 anos em Paine, na região metropolitana de Santiago, Kast é o caçula de dez filhos de um casal alemão que emigrou para o Chile após a Segunda Guerra Mundial.>
O passado de seu pai, Michael Kast, durante aquela guerra tem sido motivo de controvérsia.>
Kast afirmou que seu pai foi forçado a se alistar no exército alemão para evitar um possível julgamento militar e execução.>
"Nossa história familiar está tão distante do nazismo quanto qualquer um possa imaginar", declarou ele durante a campanha de 2021. >
No entanto, investigações jornalísticas posteriores indicaram que Michael Kast foi membro do partido nazista de Adolf Hitler aos 18 anos, de acordo com um documento de 1942 dos Arquivos Federais da Alemanha.>
Embora haja dúvidas se é a mesma pessoa, o local e a data de nascimento coincidem com os do pai do candidato chileno. >
Casado com a advogada María Pía Adriasola, com quem tem nove filhos, e próximo ao movimento católico conservador de Schoenstatt, Kast também rejeita o rótulo de "extrema-direita" que frequentemente lhe é atribuído.>
Ainda assim, ele defendeu o regime militar de Augusto Pinochet (1973-1990) e chegou a dizer que, se Pinochet estivesse vivo, teria votado nele.>
Seu irmão mais velho, Miguel Kast, foi ministro e presidente do Banco Central durante o governo militar, um regime que cometeu graves violações de direitos humanos, incluindo tortura, assassinato e o desaparecimento de milhares de pessoas.>
Kast negou ter aceitado os abusos, embora também tenha gerado controvérsia desde sua primeira candidatura à presidência ao afirmar, por exemplo, que "muitas coisas foram feitas pelos direitos humanos de outros durante o governo militar".>
Ele também sustentou que, diferentemente do que aconteceu em Cuba, Venezuela e Nicarágua, o Chile vivenciou uma "transição para a democracia" sob Pinochet.>
"O que [Kast] valoriza são certos avanços e desenvolvimentos que ocorreram durante o governo Pinochet", explica Pérez. "Não há extremismo algum: não há fascismo nem é antidemocrático, na minha opinião.">
Mas, especialmente para as vítimas do regime de Pinochet, a ascensão política de Kast reavivou fantasmas do passado que pareciam ter desaparecido.>
A carreira política de Kast começou enquanto ele era estudante na Universidade Católica, onde participou do Movimento Guild, fundado por Jaime Guzmán, colaborador de Pinochet e redator da Constituição em vigor desde 1980.>
Mais tarde, ele atuou como vereador e deputado pelo partido de direita União Democrática Independente (UDI), também fundado por Guzmán, que foi assassinado enquanto exercia o cargo de senador em 1991.>
Kast se distanciou da UDI, argumentando que precisava abandonar o "politicamente correto", e fundou o Partido Republicano do Chile, pelo qual foi candidato nas duas últimas eleições.>
Embora tenha perdido para Boric em 2021, em decorrência da agitação social no país, e sofrido outra derrota eleitoral com a rejeição da proposta de reforma constitucional que defendia em 2023, sua vitória neste domingo mostra que seu movimento político ganhou tração.>
"Kast tentou representar uma 'nova' direita, o que eu chamo de direita nacionalista populista", afirma Robert Funk, cientista político da Universidade do Chile, em entrevista à BBC Mundo.>
Ele acrescenta que o candidato "tentou, ao longo dos anos, se alinhar a outros modelos que vimos em diferentes partes do mundo", como o presidente dos EUA, Donald Trump, Milei, da Argentina, Bukele, de El Salvador, e o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán.>
Kast parabenizou Trump pelas redes sociais por sua eleição em 2024, que descreveu como "um novo triunfo para a liberdade e o bom senso".>
Antes do primeiro turno, ele afirmou que, se o presidente dos EUA sugerisse invadir a Venezuela, sua resposta seria: "Vá em frente".>
Kast propõe liderar um "governo de emergência", com medidas focadas em migração e segurança pública, um tema que, segundo pesquisas, encabeça a lista de preocupações dos chilenos, apesar dos menores índices de violência do país em comparação com outros da região.>
Uma de suas promessas é instalar cercas ou valas ao longo das fronteiras do Chile com a Bolívia e o Peru para impedir a entrada de imigrantes, assim como o presidente dos EUA fez na fronteira com o México.>
Ele também afirmou que deseja gerar mais autodeportações de imigrantes ilegais do que Trump. >
Kast também apoia a abordagem de "mão de ferro" de Bukele, cuja megaprisão em El Salvador ele visitou no ano passado para observar seu funcionamento, apesar das denúncias de violações de direitos humanos no local.>
"Precisamos de mais Bukele e menos Boric", argumentou ele durante esta campanha.>
Na frente econômica, as propostas de Kast apresentam semelhanças com as de Milei: ele propõe um drástico ajuste fiscal de US$ 6 bilhões em 18 meses sob o lema de "cortar gastos políticos", apesar das dúvidas sobre sua viabilidade.>
Um de seus principais assessores publicou um artigo usando expressões típicas do presidente argentino, como "casta política" e "parasitas do Estado", o que gerou desconforto até mesmo dentro do centro-direita que governou o Chile no passado.>
Mas Kast apoiou o assessor e disse que, se ele (Kast) tivesse escrito aquela coluna, "poderia ter sido mais duro".>
Kast também já manteve contato e trocou afagos com o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.>
E em setembro, quando Bolsonaro foi condenado por golpe de Estado, Kast afirmou que existem juízes no Brasil que agem com base em ideologia política.>
Funk evita questionar o compromisso de Kast com a democracia, "mas principalmente porque ele percebe que não há água nessa piscina".>
"Ele continua defendendo a ditadura e tudo mais, mas acho que ele entende que hoje em dia, no Chile, sugerir de alguma forma que estaria disposto a fazer concessões nesse sentido seria o fim da sua campanha", destaca o cientista político.>
Kast também não semeou dúvidas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral do país, como fizeram Trump e Bolsonaro, e, após ser derrotado no segundo turno das eleições de 2021, ligou para Boric para parabenizá-lo "pela sua grande vitória".>
Pérez, seu amigo de longa data, afirma que Kast "é mais racional e moderado na forma como se expressa contra seus adversários" do que Trump ou Milei.>
Ao contrário deles, que chegaram ao poder como outsiders, Kast está na política há décadas.>
Nesta campanha, ele tentou minimizar ideias da agenda cultural que defendeu na última eleição, como sua oposição ao aborto e a criação de um Ministério da Mulher.>
Analistas acreditam que o candidato está, assim, tentando atrair o voto feminino, que lhe escapou no último segundo turno e em sua proposta fracassada de reforma constitucional.>
No entanto, isso gerou críticas dos conservadores: antes de apoiá-lo, Kaiser questionou seu comprometimento com a "agenda de valores" da direita.>
Quando um jornalista lhe perguntou, durante o primeiro turno do debate, se ele ainda mantinha sua firme oposição à venda sem receita da pílula do dia seguinte em farmácias, Kast respondeu indiretamente.>
"Tenho as mesmas convicções em defesa da vida desde a concepção até a morte natural", disse ele duas vezes.>
Sua esposa relatou em 2017 que, após o nascimento do segundo filho, procurou um método contraceptivo e um médico lhe receitou pílulas anticoncepcionais. Mas o marido se opôs ao saber disso: "Você está louca? Não pode", disse Kast, porque o ato seria contrário aos valores da Igreja Católica.>
"Como assim, não pode? Todas as minhas amigas fazem isso", contou Adriasola, relatando a resposta da esposa ao marido. Eles então foram consultar um padre, que os encaminhou a outro médico que falou sobre o "método natural", referindo-se à abstinência sexual durante o período fértil.>
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