Publicado em 29 de outubro de 2025 às 06:33
A terça-feira (28/10) foi marcada pela operação policial mais letal desde 1990 na região metropolitana do Rio, de acordo com levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF). Ao menos 64 pessoas morreram.>
Mas para o jornalista Rafael Soares, repórter especial do jornal O Globo que cobre há mais de uma década segurança pública e direitos humanos no Rio, muitas das peças que ajudam a explicar o contexto desta terça-feira traumática para a população não são novas nem surpreendentes. >
Em entrevista à BBC News Brasil, Soares apontou algumas dessas peças.>
Por exemplo, as mudanças envolvendo o Comando Vermelho, facção alvo da operação nos complexos do Alemão e da Penha, na capital fluminense.>
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De acordo com o jornalista, nos últimos anos o Comando Vermelho firmou alianças em outros Estados, "fagocitando" facções locais. Além disso, está tentando entrar no mercado internacional de drogas, até então monopolizado por outra organização criminosa, o Primeiro Comando da Capital (PCC), baseado em São Paulo.>
"Esse é um processo que vem desde 2021, 2022 — com uma maior quantidade de parceiros comerciais e de rotas de tráfico de armas e de drogas", aponta Soares, autor do livro Milicianos (Objetiva, 2023).>
Assim, na análise do jornalista, a entrada de mais dinheiro, seja nacional ou internacional, está promovendo a expansão do Comando Vermelho — ao que as forças policiais do Rio têm respondido com a chamada Operação Contenção, da qual a ação de terça-feira fez parte.>
Outra peça já conhecida desse contexto é escalada da letalidade das operações policiais promovidas pelo governo estadual de Cláudio Castro (PL), segundo aponta Soares.>
"Desde 2020, o Rio tem colecionado operações com um índice de letalidade surreal de alto. É muito raro, [quando] você pega a crônica policial brasileira, operações policiais com mais de 20 mortos. É uma coisa esdrúxula, que só existe no Rio de Janeiro", diz o jornalista.>
Castro, então vice-governador, assumiu interinamente o governo estadual em 2020, após o afastamento de Wilson Witzel. Em 2021, assumiu o cargo definitivamente.>
Para o jornalista, outro fator que ajuda a explicar a operação de terça seria parte de um suposto esforço do governo Castro em encontrar alguma "marca" para seu governo, que terminará no ano que vem. >
Em suas redes sociais, o governador chamou essa terça-feira de "dia histórico" e disse que, em reação à operação, "criminosos" tentaram colocar a cidade e o Estado do Rio de Janeiro de joelhos".>
"Mas as nossas polícias estão nas ruas garantindo a volta para casa, garantindo a volta da normalidade da vida", assegurou Castro.>
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o jornalista Rafael Soares.>
BBC News Brasil – As facções estão incorporando o uso de drones. Segundo autoridades do Rio, criminosos usaram drones para lançar bombas e atacar policiais durante a operação desta terça. Esses equipamentos já são utilizados como armas de guerra na Ucrânia e em outros lugares do mundo. A polícia brasileira está preparada para isso?>
Rafael Soares - Essa não é a primeira vez que a gente tem registro de uso de drone assim. >
Se não me engano, no ano passado, a gente já teve o uso de drone em guerra de facção, do TCP [Terceiro Comando Puro] contra o Comando Vermelho.>
E a gente também teve uma investigação da Polícia Federal que interceptou mensagens de um cara responsável por importar drones para o Terceiro Comando. >
Esse uso tem como objetivo sempre o lançamento de granada em territórios inimigos.>
Quando isso começou a acontecer, era um desafio para as forças de segurança. >
Lembro que na primeira ação desse tipo, nesse ataque do TCP, era o pessoal do Complexo de Israel do TCP no território do Comando Vermelho.>
Isso foi recebido com muita apreensão pelo pessoal da polícia, das forças de segurança, mas isso já faz mais de um ano. >
Com esse tempo, acho que a polícia já conseguiu, de certa maneira, fazer frente a isso também, com o uso de tecnologia de drones de helicóptero.>
O que é mais interessante também é que, além de ter seus próprios drones, o tráfico também tem adicionado ao arsenal deles aparatos para derrubar drones de adversários.>
Tem vários outros problemas que se adicionam a esse. A questão é de domínio territorial. A questão urbanística do Rio é mais um empecilho que as forças de segurança têm.>
BBC News Brasil - No mês passado, houve uma operação grande em São Paulo de investigação dos braços financeiros do PCC [Primeiro Comando da Capital]. E, agora, essa megaoperação contra o Comando Vermelho. Por que agora?>
Rafael Soares - Essa operação faz parte da Operação Contenção. >
Toda operação que tem como objetivo frear o avanço territorial do Comando Vermelho tem entrado dentro desse contexto da Operação Contenção.>
Aqui no Rio, o Comando Vermelho, ao longo dos últimos cinco anos principalmente, vem, no âmbito nacional, tentando recuperar o espaço que perdeu para o PCC.>
Ao longo dos últimos dez anos, o PCC cresceu nacionalmente. >
O Comando Vermelho contra-atacou isso fazendo parcerias com facções dos Estados — basicamente fagocitando facções locais como no Amazonas, Rio Grande do Norte, Bahia...>
Esse ambiente que o Comando Vermelho criou fora do Rio tem criado impactos aqui dentro do Rio também.>
Esse é um processo que vem desde 2021, 2022 — com uma maior quantidade de parceiros comerciais e de rotas de tráfico de armas e de drogas.>
Depois que o CV perdeu a fronteira do Paraguai, ele se reinventou para trabalhar a Rota do Solimões, a rota do Norte do Brasil [para exportar drogas].>
Então, agora, o Comando tem mais parceiros, tem mais droga, tem mais rotas e tem também entrado em um novo mercado: o de tráfico internacional, que era monopolizado pelo PCC.>
O Comando ainda não tem uma atuação expressiva nesse mercado, mas a gente já sabe, já tem investigações da Polícia Federal mostrando que o Comando Vermelho tem entrado no no no tráfico internacional.>
Isso domesticamente, aqui no Rio, tem suas consequências. O Comando Vermelho tem movimentado mais dinheiro, que levou ao movimento expansionista do comando.>
Ao longo dos últimos 20 anos, em 15, o Comando perdeu muitos territórios, principalmente para a milícia. >
Agora, nesse novo momento, o Comando tem contra-atacado e se expandido ao longo dos últimos cinco anos.>
O Comando Vermelho basicamente vem lambendo não só o que tinha perdido para a milícia nos últimos anos, mas também áreas que nunca tinha tido.>
Gardênia Azul é uma favela tradicional da milícia aqui do Rio, que era da milícia há 20 anos e hoje é reduto do Comando Vermelho. Essa operação de hoje, inclusive, tem relação com a Gardênia. >
O Doca, chefe do Complexo da Penha, hoje também chefia o tráfico na Gardênia Azul, que ele invadiu e agora controla o tráfico.>
Então, o momento do Comando Vermelho aqui é um momento de expansão e de guerra territorial. >
E, principalmente do ano passado para cá, o governo do Rio vem tentando essa estratégia política de concentrar as ações policiais no Comando e batizou isso de Operação Contenção.>
A operação de hoje, especificamente, é uma operação que tem uma investigação por trás, uma denúncia do Gaeco [Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público do Rio] aqui do Rio, contra 67 traficantes. >
São 67 mandados de prisão que foram decretados pela Justiça do Rio hoje (terça) de manhã.>
Essa operação, ao mesmo tempo que faz parte da Operação Contenção, foi uma operação conjunta de todas as forças de segurança do Rio, com a PM e a Polícia Civil participando. >
É uma operação que tem alvos que tiveram a prisão decretada por conta de uma investigação.>
Geralmente, eu critico muito operações desse tipo.>
BBC News Brasil - Por quê?>
Rafael Soares - Por causa do alto nível de risco para moradores, da letalidade. Hoje a gente já tem mais de 20 mortes [na contagem atual, são ao menos 64]. >
Já é a terceira ou a quarta mais letal da história do Estado. Todas as outras foram também neste governo [após a entrevista, o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) divulgou um levantamento mostrando que a operação de terça foi a mais letal já registrada desde 1990 na região metropolitana do Rio, seguida por outras duas durante o governo de Cláudio Castro, em 2021 e 2022]. >
Desde 2020, o Rio tem colecionado operações com um índice de letalidade surreal de alto.>
É muito raro, [quando] você pega a crônica policial brasileira, operações policiais com mais de 20 mortos. É uma coisa esdrúxula, que só existe no Rio de Janeiro.>
BBC News Brasil – Essa fagocitação que você disse, do Comando Vermelho com outras facções do Norte e Nordeste, é uma das explicações para o alto número de mandados de prisão hoje contra pessoas de outros Estados?>
Rafael Soares - Esse é um ponto interessante e fundamental para entender o atual momento Comando Vermelho.>
Esse processo de crescimento nacional é completamente diferente do PCC, que tem uma estrutura piramidal empresarial.>
O crescimento do PCC ocorreu dentro da própria estrutura empresarial do PCC, em que outras sintonias [liderança, no jargão do PCC] foram entrando embaixo daquele sistema que existia.>
O Comando Vermelho funciona de uma maneira diferente, é como se fossem franquias. O Comando Vermelho é uma sociedade entre donos de morro. >
São vários donos de morro, que são sócios e todos eles estão no mesmo degrau. Nenhum manda mais nem menos, é uma sociedade.>
Foi isso que permitiu que o Comando Vermelho crescesse nacionalmente. Essa ideologia de facção que permitiu que outros chefes de outros Estados inicialmente virassem parceiros comerciais em suas facções. >
Por exemplo, a Família do Norte, inicialmente no Amazonas, ainda era Família do Norte e se diziam aliado do Comando Vermelho.>
Hoje, já é o Comando Vermelho. >
Essa situação aconteceu no país inteiro: num período de tempo muito curto, em cinco ou seis anos, o Comando Vermelho passou de dez Estados da Federação para 25 Estados. Por isso que eu chamo de fagocitação.>
Inicialmente eram parceiros, eram os grupos que tinham seus próprios nomes, suas próprias ideologias.>
Tem essa questão também de rotas, de armas, de drogas. E aí entra outro ponto que é fundamental, de como essa arquitetura do Rio de Janeiro, como o urbanismo do Rio de Janeiro facilita que chefe do tráfico se esconda da polícia.>
O Rio virou um abrigo para chefe do tráfico do Brasil inteiro. Tem chefes do tráfico do Pará que são donos de favelas aqui.>
Por exemplo, em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, quem manda lá é um chefe do tráfico do Pará.>
A gente conseguiu fazer um levantamento de chefes do tráfico aqui no Rio, se não me engano, que são de 15 Estados. >
Isso é um desafio também para as forças de segurança daqui, porque você tem esses chefes do tráfico de outros Estados que também movimentam armas e drogas aqui, não só lá. Importa um pouco da criminalidade local para cá.>
BBC News Brasil – O secretário de Segurança Pública do Rio fez questão de dizer que não contou com a ajuda do governo federal para essa operação. Ao mesmo tempo, disse que que não há como o Estado enfrentar o crime organizado sozinho. O que isso significa nessa tentativa de combate? Existe uma disputa de narrativa?>
Rafael Soares - A gente tem uma situação complicada aqui na segurança pública que é um governo que até agora não deixou marca nenhuma. >
Eu não estou nem falando na segurança, apenas. E fora as grandes operações com muitas mortes.>
O governo já está acabando. Já vão seis anos de governo Castro, e eu não consigo dizer qual é o norte. O que o governo quer, afinal? O governo vai entregar o quê? O que foi planejado?>
Por exemplo, no governo Cabral, que terminou com o governador preso, a gente tinha uma política de segurança que, bem ou mal, tinha uma política de segurança até definida, que era recuperação de território, as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora]...>
A política de segurança do Cláudio Castro, é muito difusa. Não dá para entender o que o Estado quer. Já foram criados programas — acho que no início, o governo criou um programa chamado Cidade Integrada, que era uma nova UPP 2.0. Ninguém sabe o que aconteceu com ele. >
Depois, se falou em recuperação de território, que não virou um programa de fato.>
Fora que é um governo que tenta fazer oposição ao governo federal. E hoje é impossível você investigar o crime organizado aqui no Rio sem apoio do governo federal.>
Ao longo dos últimos anos, isso vem melhorando. Por exemplo, a Polícia Federal tem mais protagonismo nas investigações contra tráfico no Rio. A reboque do caso Marielle, a Polícia Federal vem tendo protagonismo nas ações.>
Mas essa integração entre forças federais e estaduais, isso é um problema. Isso deveria ser um objetivo, inclusive do próprio governo do Estado, porque estamos falando de uma facção nacional. A gente está falando de vários criminosos que atuam em seus Estados. O problema é nacional, e a solução também tem que ser.>
BBC News Brasil - Desavenças ideológicas podem emperrar essa integração? Na semana passada, o presidente Lula disse que traficante era vítima de usuário, mas depois se retratou, enquanto lideranças da direita defendem a pena de morte para faccionados.>
Rafael Soares - Até tem uma questão ideológica, mas eu acho que, dentro do que deveria ser a rotina policial de investigação, tem técnicos trabalhando no Ministério da Justiça, na Polícia Federal, nas polícias do Estado, setores de inteligência que deveriam trabalhar em conjunto e vários entes de diferentes níveis, a Polícia Rodoviária, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Abin, as polícias daqui do Rio e o setor penitenciário, tanto federal quanto estadual.>
Para se compreender o problema da segurança pública do Rio, é preciso que todo mundo sente na mesa, porque se faltar alguém, vai faltar alguma peça no quebra-cabeça.>
Eu até acho que essas divergências existem, mas não existem só no Rio de Janeiro, existem em São Paulo também — inclusive com um governador que é mais vocal do que o Claudio Castro.>
Claudio Castro não é um cara que tem um governo ideológico, principalmente vocal, como por exemplo, o Tarcísio [de Freitas, Republicanos]. >
Mas certamente é um governo de oposição ao governo federal e que, na hora da crise, acaba jogando o problema no colo do outro.>
Isso não é algo atual [no Rio]. Mesmo quando a gente tinha os governos alinhados [estaduais e federais], a gente não conseguiu ter um avanço real nessa questão de integração das forças policiais.>
Então, é um problema no Rio, um problema histórico, mas um problema que precisa ser resolvido com maturidade e técnica.>
Hoje, o secretário de Segurança do Rio tem um arranjo institucional meio maluco, porque o Rio de Janeiro tem um secretário de Polícia Militar, um secretário de Polícia Civil e o secretário de Segurança — que não tem nem o secretário de Polícia Militar e nem o Secretário de Polícia Civil abaixo dele. Os dois estão do lado dele. >
É um secretário de Segurança que não tem tropa.>
BBC News Brasil – O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, enviou ao Congresso a PEC da Segurança Pública, para tentar, dentre outros pontos, dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança. Mas a proposta ainda não foi aprovada. Acha que esse é um dos caminhos possíveis?>
Rafael Soares – Aqui no Rio, a única medida tomada nos últimos anos para se governar esse campo da segurança pública foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal, com a ADPF 635, a "ADPF das favelas" [que criou regras para dar mais transparência às operações e conter a letalidade policial]. Foi a única.>
Foi o Judiciário que obrigou o governo a ter uma política de segurança que fosse focada na população, com metas, como fazer e o que fazer. >
Isso para mim já mostra o tamanho do problema.>
Se a medida de mais força de segurança pública foi tomada pelo Judiciário, que obrigou o Executivo a fazer, a gente já vê o tamanho do problema.>
Isso é algo que está acima das polícias. A gente tem duas questões que caminham juntas, a da disputa territorial e a da criminalidade urbana, dos crimes de ruas. >
São fenômenos que andam separados, porque não é a mesma população vítima dos dois, mas um influencia o outro. E você pode escolher combater mais um ou outro.>
No ano passado, a gente teve um aumento exponencial em crimes contra o patrimônio no Rio. Ao mesmo tempo, as disputas territoriais não têm arrefecido. >
A gente não tem de fato um norte nessa forma de lidar com esse problema.>
O início desse problema está no governo. Se o governo estivesse controlando crime de rua, colocando mais polícia no asfalto, eu estaria aqui falando: "Olha, aqui o governo escolheu uma batalha".>
Mas nem isso.>
Em 2024, houve um aumento surreal de quase 200% de roubo de rua, roubo a pedestre, em Laranjeiras, que é o bairro da sede do governo.>
É um governo que de fato não deixa marca na segurança pública. >
BBC News Brasil - Algumas lideranças da direita estão usando o termo "narcoterrorista", até como uma pressão para Donald Trump decretar o PCC como uma organização terrorista. Mudar para a categoria de terrorista faz alguma diferença?>
Rafael Soares - Há algum tempo, as polícias do Rio perceberam já que entraram nessa guerra comunicacional que a gente vive. >
Aqui no Rio isso não é bem novidade. As polícias do Rio sabem trabalhar bem esses termos, como "narcocultura".>
Se você chamar de "traficante", parece que é menos do que "narcotraficante". >
Há dez anos, começaram a chamar a "milícia" de "narcomilícia", que é uma coisa que nunca ficou provada. >
Meu trabalho é muito sobre milícias, eu trabalho muito mais investigando as forças de segurança. E até hoje eu tenho dificuldade, eu não consegui identificar ainda uma milícia que tenha entrado no negócio de varejo de droga.>
Essa artimanha tem sido usada já há alguns anos pelas polícias do Rio. >
Isso não começou de cima para baixo, começou de baixo pra cima — com os próprios policiais, os próprios delegados...>
Eu comecei a ver muito isso em relatório policial, em sentença. Juiz dando sentença usando "narcoterroristas". >
Eu acho que você colocar nomes, isso não muda a realidade. A verdade é que a realidade não mudou.>
O problema que a gente tem hoje no Rio de Janeiro é sim um problema amplificado nos últimos anos. O problema mudou de ordem: a gente tinha um problema há 20 anos e hoje ele se multiplicou. Mas ele só se multiplicou por conta da falência do Estado.>
Essa tentativa de governantes e policiais de encontrar termos, ela é muito pra jogar a culpa do crime no crime. Quando pra mim, é justamente o contrário.>
A gente fala muito de crime organizado e tal. O Comando Vermelho surge dentro de um presídio controlado pelo Estado, na Ilha Grande.>
O PCC virou o PCC nos presídios federais. Foram decisões executivas de governos que acabaram transformando a situação no que a gente tem hoje.>
A origem do crime está em decisões do Estado, em problemas do Estado.>
O fato de existirem favelas e de o Complexo do Alemão ser hoje um bunker do Comando Vermelho só aconteceu por causa de décadas e décadas que aquele lugar foi ignorado pelo Estado. Não só pelas forças policiais, mas por tudo.>
Um lugar que pra você levar água, gás, energia... O Estado nunca chegou lá. Nunca se preocupou em levar cidadania pras pessoas de lá.>
E agora a gente fala que o problema são eles, os "narcoterroristas". Eu acho que isso é só uma maneira de tentar jogar a culpa pros outros.>
A gente vai começar a mudar um pouco e avançar nessa questão de combate ao crime organizado — uma maneira que eles adoram falar, "o combate ao crime organizado" — quando o Estado começar a entender a responsabilidade dele mesmo nesse processo, a partir do momento que você entender que as decisões que são tomadas pelo próprio Estado têm consequências que podem ser favoráveis ao crime.>
A gente teve agora um governo que liberou fuzil pra civil [um decreto durante a presidência de Jair Bolsonaro, de 2019, inicialmente previu que civis pudessem adquirir o fuzil T4, calibre 556, de fabricação nacional, mas depois o governo recuou, embora outros tipos de armas tenham tido o acesso ampliado para a população]. >
E a gente tá agora dizendo: "Nossa, agora tem muito fuzil no mercado... Que coisa, barateou.">
Tem muita peça de fuzil no mercado ilegal. Nossa, que surpresa, né?>
Tem muita munição no mercado ilegal.>
Isso como se fossem os narcoterroristas que compraram, né?>
Mas quem deixou? É muito complicado.>
Enquanto a segurança pública for tratada como uma guerra dos bonzinhos contra os os mauzinhos, acabou. A gente não vai conseguir resolver o problema. O problema é muito mais complexo que isso.>
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