Publicado em 7 de maio de 2025 às 07:39
Cardeais de todo o mundo se reúnem a partir desta quarta-feira (7 de maio) para eleger o próximo líder dos cerca de 1,4 bilhão de católicos do mundo.>
Tecnicamente, qualquer cristão batizado do sexo masculino pode ser considerado para o cargo, mas todos os papas desde 1378 vieram das fileiras dos cardeais que elegem o pontífice.>
Embora seja difícil prever quem será escolhido como o próximo papa, podemos ter quase certeza de que não será um homem casado. >
A exigência de que o clero permaneça celibatário tem provocado debates acalorados na Igreja há séculos, e há pedidos frequentes para que homens — e mulheres — casados sejam aceitos no sacerdócio.>
>
No entanto, essa insistência no celibato nem sempre foi o caso: no início da Igreja Cristã, muitos padres — e mais de um papa — tiveram uma esposa.>
O Vaticano lista uma cadeia ininterrupta de 266 pontífices, que começa com São Pedro, que era um homem casado (os evangelhos mencionam que Jesus curou sua sogra).>
Um artigo publicado no site do Vaticano aceita que, nos primeiros anos, "os bispos, presbíteros e diáconos da Igreja Primitiva eram frequentemente homens de família".>
"Também está claro (...) que nos séculos seguintes, um clero casado, em maior ou menor número, era uma característica normal da vida da Igreja", diz o documento.>
O artigo acrescenta que papas casados são conhecidos por nós, "por exemplo, o papa Hormisdas (514-23), pai do papa Silverius, seu sucessor".>
Mas há muitos historiadores do cristianismo primitivo que acreditam que Pedro e Hormisdas não estavam sozinhos.>
"Os primeiros 39 papas eram homens casados", diz Linda Pinto, copresidente de um grupo de pressão com sede nos EUA, o Catholic for Choice, que faz campanha por um sacerdócio inclusivo.>
A ex-freira — que deixou a Igreja para se casar com um ex-padre — argumenta que não há exigência explícita de celibato nos ensinamentos de Jesus.>
Outros especialistas com quem a BBC conversou concordaram que muitos líderes da igreja primitiva provavelmente tinham esposas.>
O professor Kim Haines-Eitzen, da Universidade Cornell, nos EUA, especialista em cristianismo primitivo, disse à BBC que "no estágio mais antigo, temos claramente evidências de que o clero era casado".>
Ela argumenta que o cristianismo mudou depois que se espalhou de suas raízes judaicas para o mundo greco-romano e adquiriu ideias sobre práticas ascéticas como autocontrole, solidão e celibato.>
Em seguida, o imperador Constantino proclamou o cristianismo como a religião do Estado, o que deu aos papas um papel político ativo.>
"Os papas eram, em geral, membros de famílias aristocráticas romanas ou amigos dos imperadores alemães no poder", diz Niamh Middleton, ex-professora de teologia e filosofia da Universidade da Cidade de Dublin.>
Após a queda do Império Romano no século 5, um pequeno reino ao redor de Roma tornou-se os Estados Papais (756 -1870) com o papa como governante. A Igreja acumulou riqueza e poder, e teve início uma era de intrigas políticas.>
"Era comum que papas, bispos e padres se casassem e tivessem concubinas. Tudo isso, juntamente com a imoralidade sexual durante a 'idade das trevas' do papado, bem como o problema da simonia — a venda de cargos e funções da Igreja para ganhar dinheiro — levou Gregório a iniciar grandes reformas na Igreja", disse Middleton à BBC.>
Diarmaid MacCulloch, professor emérito de História da Igreja na Universidade de Oxford, concorda que "a maioria dos clérigos da Igreja Oriental e Ocidental até o século 12 era casada e, sem dúvida, tinha filhos", referindo-se aos dois centros de poder da Igreja primitiva em Roma e Constantinopla.>
As visões católicas romanas atuais sobre o celibato foram amplamente moldadas por uma "coleção de ideias teológicas formadas nos séculos 11 e 12", acredita o autor do livro Lower than the Angels: A History of Sex and Christianity, (Inferior aos Anjos: Uma História de Sexo e Cristianismo em tradução literal).>
Aqueles que apoiam a ideia de que os sacerdotes permaneçam celibatários citam o exemplo do próprio Jesus: os quatro evangelhos do Novo Testamento não contêm nenhuma menção a uma esposa.>
No evangelho de Mateus, capítulo 19, Jesus também recomenda o celibato para aqueles que são capazes "por causa do reino dos céus".>
Em cartas atribuídas a Paulo, o apóstolo diz que seria melhor se todos fossem solteiros e celibatários como ele, embora em sua primeira carta a Timóteo, ele diga que os bispos deveriam se casar apenas uma vez.>
De fato, a abstinência de relações sexuais é frequentemente elogiada pelos primeiros cristãos.>
Dois dos teólogos mais importantes da Igreja, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, promoveram o celibato clerical como um meio de se dedicar melhor às buscas espirituais.>
Mas o caminho para que o celibato se tornasse uma regra uniforme e aplicada na Igreja foi longo e contestado.>
Em 325 d.C., o Concílio de Nicéia, convocado pelo imperador romano Constantino, discutiu a prática do celibato sacerdotal e, em 692 d.C., o Concílio de Trullo tornou o celibato um requisito obrigatório para os bispos, mas a prática ainda não era seguida de maneira uniforme.>
O celibato clerical foi um fator que contribuiu para o "Grande Cisma" entre as igrejas católica e ortodoxa no século 11 (assim como seria na Reforma Protestante mais de 400 anos depois).>
As reformas gregorianas do século 11 e os dois concílios de Latrão de 1123 e 1139 impuseram a continência (abstinência de relações sexuais) com mais rigor, e o celibato finalmente se tornou uma característica definidora do sacerdócio católico de rito ocidental após a era da reforma do século 16 e o Concílio de Trento (1545 a 1563).>
A visão católica do sacerdócio "não permitia que o padre fosse como os outros homens e tivesse uma esposa porque ele representava Cristo na missa, que era solteiro", explicou à BBC James Kelly, da Universidade de Durham.>
"A família do padre agora se tornava seu rebanho. Portanto, a expectativa tanto da Igreja quanto dos leigos era que o padre fosse celibatário", acrescentou.>
Apesar desses acontecimentos, alguns papas eram legalmente casados antes de receberem as Ordens Sagradas. Acredita-se que o já mencionado Santo Hormisdas (514-523) era viúvo na época de sua eleição e, depois que Adriano 2º (867-872) foi nomeado papa aos 75 anos de idade, sua esposa e filha moraram com ele no Palácio de Latrão (até serem sequestradas e assassinadas, de acordo com os anais de São Bertin do século 9).>
Acredita-se que João 17 (1003) e Clemente 4º (1265-68) também tenham se casado antes de se tornarem papas, e outros tiveram casos ilícitos e tiveram filhos depois disso.>
Duas mulheres italianas influentes são comumente identificadas como filhas ilegítimas de cardeais que se tornariam papas: o pai da nobre Lucrécia Bórgia era Alexandre 6º (1492 a 1503) — talvez o papa mais criticado pela promiscuidade — e Felice della Rovere, uma das mulheres mais poderosas e bem-sucedidas da Renascença italiana, era filha do papa Júlio 2º (1503 a 1513).>
Borgia e della Rovere eram peões rivais da política dinástica da época, quando poderosas famílias italianas disputavam a influência e o papado (Lucrécia foi particularmente vilipendiada como conspiradora, adúltera e envenenadora).>
"O início da vida do reformador do século 16, Lutero, se desenrolou durante a era papal escandalosamente corrupta dos Bórgias. O segundo papa Borgia, Alexandre 6º, teve vários filhos ilegítimos", observa Middleton.>
"Ele (Martinho Lutero) também acreditava que o celibato forçado poderia levar à imoralidade sexual.">
Além disso, acredita-se que vários papas dos séculos 15 e 16 tenham sido pais de filhos ilegítimos. A BBC entrou em contato com o Vaticano e várias outras instituições católicas para comentar sobre a história dos papas e do celibato, mas não obteve resposta.>
Embora a Igreja tenha demonstrado certo grau de flexibilidade (as regras foram flexibilizadas para acomodar padres casados da Igreja Anglicana e de outras igrejas cristãs, e homens casados há muito tempo são ordenados como padres no rito oriental), tanto o papa Francisco quanto seu antecessor, o papa Bento 16, defenderam o celibato sacerdotal.>
O professor Haines-Eitzen espera que a igreja acabe aceitando padres casados em áreas rurais — e ordenando mulheres — mas acredita que "é improvável que vejamos um papa casado no século 21".>
Linda Pinto, ex-freira franciscana, agora é mãe e avó e recentemente comemorou seu 50º aniversário de casamento. Ela não tem esperança de mudanças no celibato.>
"Eles não o estenderão a pessoas que nasceram, foram batizadas e criadas na Igreja Católica", conclui.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta