Publicado em 11 de outubro de 2025 às 21:32
Para entusiasmo do público presente durante o Campeonato Mundial de Atletismo, realizado em setembro em Tóquio, no Japão, Armand "Mondo" Duplantis saiu correndo pela pista com a vara. Os aplausos eram ensurdecedores. E Duplantis voou.>
O atleta sueco disparou para confirmar seu domínio sobre uma das modalidades mais técnicas do atletismo. Ele atingiu um novo recorde mundial para o salto com vara.>
Sua marca de 6,3 metros trouxe o terceiro título mundial consecutivo de Duplantis e, surpreendentemente, seu 14° recorde mundial.>
É uma amostra do que pode acontecer no esporte. Melhorias da alimentação, da técnica ou de equipamentos podem trazer uma súbita série de recordes mundiais, especialmente em modalidades técnicas, como o salto com vara e o ciclismo.>
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Nelas, pequenos ajustes fazem grandes diferenças. E os avanços das técnicas de corrida também trouxeram novos recordes nos últimos anos.>
Mas o recorde mundial masculino do salto em distância só foi quebrado uma vez desde 1968, quando o norte-americano Mike Powell saltou 8,95 metros durante o Campeonato Mundial de 1991, também realizado em Tóquio.>
É possível que tenhamos atingido o limite do salto em distância, um nível em que melhorar ainda mais é impossível e as diferenças entre o desempenho dos atletas se resumem a fatores relacionados à "sorte", como a direção e a velocidade do vento, a qualidade do sono de cada um na noite anterior e assim por diante.>
Nós designamos este tipo de situação como "estacionária", ou seja, a tendência geral do desempenho médio é inalterada.>
Quando o sistema é estacionário, podemos nos questionar com que frequência devemos esperar a quebra de recordes devido a flutuações aleatórias. E, para conseguirmos um exemplo de sistema estacionário do qual temos medições há muito tempo, podemos observar os dados climáticos da era pré-industrial.>
Imagine que iremos investigar os níveis anuais de chuva em diferentes cidades ao redor do mundo. Neste levantamento, os totais de cada cidade são independentes das demais e não existe uma tendência geral do comportamento climático.>
O total de chuva do primeiro ano em cada cidade, por definição, é um recorde. Se a chuva do segundo ano for independente da primeira, em média, metade das cidades terá chuvas maiores que as do primeiro ano e a outra metade, não.>
Ou seja, após dois anos, o número médio de recordes em todas as cidades é de um mais a metade.>
No terceiro ano, o total deve exceder os dois primeiros anos para estabelecer um novo recorde. Em média, isso acontece em apenas um terço das cidades.>
Por isso, no final do terceiro ano, o número esperado de recordes é de um mais a metade, mais um terço.>
E assim prossegue a série. Após 100 anos, o número esperado de recordes por cidade é de um, mais a metade, mais um terço, mais um quarto... mais um centésimo.>
Este conjunto de frações consecutivas agregadas é conhecido em matemática como série harmônica, devido à sua relação com as harmonias musicais.>
Ela está presente em todo tipo de análise, desde testes de estresse na construção civil até a logística de guerra, do embaralhamento confiável em jogos de cartas até a quantidade de figurinhas que você precisa comprar para completar o álbum.>
As parcelas que estamos adicionando ficam cada vez menores, mas a soma da série harmônica não se resume a um valor fixo. Na verdade, ela continua crescendo.>
Na matemática, afirmamos que esta sequência é divergente. E ela confirma nossa intuição sobre os recordes.>
Mesmo em sistemas estacionários, eventualmente ocorrem novos recordes, se esperarmos tempo suficiente. Mas, à medida que o tempo passa, o aumento da soma da série harmônica se torna muito lento.>
Isso significaria que a frequência da quebra de recordes irá diminuir drasticamente ao longo do tempo.>
Podemos esperar dois recordes nos primeiros quatro anos, depois cerca de sete anos pelo próximo, depois cerca de 20 anos pelo seguinte e mais 52 anos por mais um depois daquele.>
Após um século, esperaríamos cerca de cinco recordes ao todo e, depois de mil anos, apenas sete.>
Mesmo em um sistema estacionário, ainda esperamos a quebra de recordes, mas com frequência cada vez menor. E, invertendo esta noção, podemos usar os dados sobre a velocidade de quebra de recordes para indicar se um sistema é ou não estacionário.>
Décadas de dados climáticos, por exemplo, mostram que os recordes de temperatura estão sendo quebrados em velocidade alarmante. Isso indica que o clima da Terra não é mais estacionário e está se aquecendo rapidamente, devido aos efeitos da atividade humana sobre o planeta e à emissão de gases do efeito estufa na atmosfera.>
A velocidade em que os recordes de calor são quebrados está caindo mais lentamente do que o esperado e chegou a aumentar nos últimos 15 anos. Já os recordes de frio caíram com muito mais rapidez do que em um clima estacionário.>
Estas duas tendências indicam enfaticamente o aquecimento global.>
Os cientistas usam a razão entre a frequência real dos recordes e a frequência esperada para caracterizar a extensão das mudanças climáticas. Ela é chamada de razão de recordes.>
Nos últimos 15 anos, a razão de recordes para eventos de frio caiu para menos de 0,5, o que indica que os recordes de frio estão sendo quebrados com a metade da frequência esperada.>
Por outro lado, em 2020, a razão de recordes de calor aumentou para mais de quatro. Isso sugere que os recordes estão sendo quebrados com quatro vezes mais frequência do que esperaríamos em um clima estacionário.>
A razão de recordes de calor atingiu 6,2 em 2024, que foi o ano mais quente já registrado, segundo a Organização Meteorológica Mundial.>
No atletismo, não costumamos ter dados suficientes para saber se os esportes individuais atingiram o estado estacionário.>
Estudos defendem que os dados sobre o desempenho nos esportes de elite, em uma série de eventos de campo e de pista, indicam que já atingimos ou nos aproximamos do pico do desempenho físico e que devermos esperar, a partir de agora, a quebra de recordes com menos frequência.>
Outros defendem que o desempenho humano ainda não atingiu seu pico e continuará a melhorar no futuro.>
A quantidade de recordes quebrados por Duplantis nos últimos anos indica que o salto com vara provavelmente ainda não atingiu o estado estacionário. Já os recordes que duram anos sem serem quebrados sugerem que o salto à distância pode já ser estacionário ou até estar regredindo.>
O recorde mundial do salto em distância feminino é ainda mais antigo que o dos homens. A atleta soviética Galina Chistyakova saltou 7,52 metros em 1988 e as tentativas recentes de bater este recorde não chegaram nem perto desta marca.>
Mas é preciso tomar cuidado para não traçar conclusões fortes demais sobre a falta de recordes em uma modalidade específica.>
A natação também presenciou uma queda significativa da frequência de quebra dos recordes, depois da proibição dos trajes de poliuretano de alta tecnologia, em 2010.>
Os chamados "supertrajes" reduziam a resistência e aumentavam a flutuação. Eles permitiram a quebra de um grande número de recordes em 2008 e 2009, quando foram permitidos. Alguns desses recordes permanecem até os dias de hoje.>
Mas a velocidade de quebra de recordes começou a aumentar novamente, o que indica que o progresso das técnicas e do ambiente das piscinas pode permitir que os nadadores continuem a melhorar seus resultados ainda por algum tempo no futuro.>
Mas, às vezes, os novos recordes podem se dever a indivíduos extraordinários, que ultrapassam os limites do esporte.>
A nadadora americana Katie Ledecky, por exemplo, quebrou 16 recordes mundiais ao longo da carreira. No primeiro semestre do ano, ela estabeleceu uma nova marca para os 800 metros, nado livre.>
E, com 14 recordes mundiais em seu nome, é justo dizer que Duplantis é outro atleta que vem definindo novos padrões sobre o que o ser humano é capaz de realizar.>
Mas, depois do escaldante e úmido Campeonato Mundial de Tóquio em 2025, o presidente da World Athletics (antiga Associação Internacional de Federações de Atletismo), Sebastian Coe, reconheceu que as mudanças climáticas podem forçar o esporte a reconsiderar sua tradição de realizar eventos no verão.>
Curiosamente, Duplantis foi o único a estabelecer um novo recorde mundial em Tóquio.>
Com 75% dos atletas relatando que o calor e as mudanças climáticas estão prejudicando sua saúde e seu desempenho nas competições, poderemos concluir que as próprias mudanças climáticas irão alterar a frequência de quebra dos recordes esportivos.>
Paralelamente, precisamos comemorar os novos recordes mundiais que surgirem. Afinal, os atletas que conseguirem esta façanha terão superado todas as dificuldades para atingir algo realmente especial.>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.>
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