Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 08:44
"Correr a maratona de Kish foi meu ato pessoal de desafio. Cruzar aquela linha de chegada foi como uma vitória sobre anos de limitações", disse Sara (nome fictício) à BBC Global Women. >
Ela estava entre as 2 mil mulheres, muitas delas sem usar o hijab obrigatório, que participaram da maratona na ilha de Kish, no Irã, no início deste mês. >
Vídeos e fotos da corrida viralizaram nas redes sociais, mostrando mulheres usando camisetas e calças legging com os cabelos presos em rabos de cavalo ou com faixas na cabeça, correndo ao som de música e observadas por uma multidão. >
Anos atrás, seria inimaginável para essas mulheres participar de uma maratona sem o hijab. O Estado impõe o uso do véu em público desde 1979, principalmente por meio da força e, às vezes, com o uso de violência. >
>
Muitas mulheres protestam contra essa lei há mais de 40 anos, mas o movimento ganhou força em setembro de 2022, quando Jina Mahsa Amini foi presa em Teerã pela chamada polícia da moralidade por supostamente não estar usando o hijab de forma apropriada. >
A jovem, de 22 anos, morreu dias depois sob custódia da polícia. Protestos se espalharam por todo o país, com as mulheres na linha de frente, queimando seus lenços e gritando: "Mulher, Vida, Liberdade".>
Os protestos foram reprimidos com violência e prisões em massa, mas, desde então, algumas mulheres iranianas continuam a desafiar as regras.>
Artemis (nome fictício) diz testemunhar mulheres desafiando o uso obrigatório do hijab desde que era criança, mas acredita que 2022 foi um ponto de virada na resistência feminina. >
"Nós fomos de abandonar os véus naquele verão como um ato de protesto para usar tops curtos e leggings nas ruas no ano seguinte", afirma.>
Vídeos são regularmente compartilhados nas redes sociais mostrando mulheres correndo nos parques, dando estrelas nas calçadas — enquanto são aplaudidas por quem passa — ou fazendo danças coreografadas em shoppings. >
O grande volume dessas publicações dificulta a resposta das autoridades. >
Prisões são feitas com frequência, mulheres são multadas e contas nas redes sociais são suspensas pelas autoridades, mas o jogo de gato e rato continua. >
O problema do hijab permanece no centro do debate sobre para onde o Irã está indo. >
A ação do governo contra mulheres que aparecem em público sem o hijab tem variado — às vezes permitindo um afrouxamento das regras, às vezes intensificando a repressão contra qualquer transgressão.>
O governo também tem utilizado tecnologia de reconhecimento facial e enviado mensagens de texto de advertência às mulheres. Elas também relatam que as placas de seus carros foram identificadas por câmeras e que as autoridades ameaçaram confiscar seus veículos.>
Apenas dois dias antes da maratona em Kish, no sul da costa do Irã, o líder supremo do país, Ali Khamenei, advertiu a mídia nacional para "não promover valores ocidentais em relação às mulheres e ao hijab". >
O chefe do Judiciário do país, Gholam-Hossein Mohseni-Ejeie, acrescentou que "o problema do hijab é responsabilidade de todos e mais precisa ser feito em relação ao hijab e à decência pública". >
Outras autoridades e parlamentares iranianos expressaram descontentamento com a contínua desobediência entre mulheres e afirmaram ser preciso uma abordagem mais firme em relação ao assunto. >
Pouco antes da maratona, foi realizada, em Teerã, uma marcha patrocinada pelo Estado em apoio ao uso obrigatório do hijab. >
Mulheres totalmente cobertas, usando um longo véu preto, a forma mais conservadora de hijab no Irã, conhecida como chador, também participaram, segurando cartazes que pediam mais rigor em respostas a mulheres que se recusavam a usá-lo.>
Mas apesar dessa oposição, as mulheres que participaram da corrida permaneceram determinadas. Para muitas delas, a maratona era mais do que uma competição de corrida. >
"Foi como um sonho sendo realizado. Eu não conseguia pensar em participar de uma corrida como essa", disse Sara. >
Na verdade, ela se emociona ao se lembrar daquele dia. >
"Tenho vontade de chorar só de pensar nisso. Estar ao lado de todas aquelas mulheres, nós nos sentimos tão livres", diz ela.>
Artemis afirma que o sentimento que teve em relação a toda a experiência foi de orgulho e alegria.>
"Em alguns momentos durante a corrida, eu queria parar e chorar, porque tudo era como um sonho... As pessoas estavam torcendo por nós, havia música. Eu consigo imaginar o quão bonito nosso Irã pode ser", afirma. >
Muitas mulheres nos disseram que o evento foi emocionante, explicando que o sentimento era de vitória, uma conquista contra todas as probabilidades. >
Foi um sinal para as autoridades iranianas de que o assunto continuará gerando divisões.>
Essa reportagem é parte da Global Women, do Serviço Mundial da BBC, que compartilha histórias importantes e inéditas ao redor do mundo.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta