Publicado em 27 de julho de 2025 às 11:25
Raquel Celina Rodríguez caminha com cuidado ao atravessar a Vega de Tilopozo, no salar de Atacama, no norte do Chile.>
Aquela é uma terra úmida, conhecida pelas suas fontes de água subterrânea. Mas a planície, agora, está seca, marcada por buracos onde antes havia lagoas, segundo ela.>
"Antes, a Vega era toda verde", conta Rodríguez. "Você não conseguia ver os animais através da grama. Agora, tudo está seco.">
Ela aponta para algumas lhamas pastando. Aqui, sua família criou ovelhas por gerações. Mas, com as mudanças climáticas, as chuvas deixaram de cair e a redução da grama dificultou muito a criação de animais.>
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Mas tudo piorou quando "eles" começaram a retirar água, segundo ela.>
"Eles" são as empresas de extração de lítio.>
Embaixo das planícies salgadas do deserto do Atacama, ficam as maiores reservas de lítio do mundo. Este metal branco prateado e macio é um componente essencial das baterias que alimentam os carros elétricos, celulares e laptops, além de armazenarem energia solar.>
Com o mundo adotando cada vez mais fontes de energia renováveis, a procura pelo metal disparou.>
Em 2021, foram consumidas 95 mil toneladas de lítio em todo o mundo. E, em 2024, o consumo mais que dobrou, para 205 mil toneladas, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).>
As previsões indicam que, até 2040, o consumo global de lítio deve aumentar para mais de 900 mil toneladas. A maior parte desse crescimento virá da demanda de baterias para carros elétricos, segundo a AIE.>
Os moradores locais afirmam que os custos ambientais também aumentaram.>
Esta demanda cada vez maior levanta uma questão importante: a corrida para descarbonizar o mundo pode estar inadvertidamente alimentando outro problema ambiental?>
O Chile é o segundo maior produtor mundial de lítio, atrás apenas da Austrália.>
Em 2023, o governo chileno lançou uma Estratégia Nacional do Lítio para elevar a produção, nacionalizando parcialmente o setor e incentivando os investimentos privados.>
O ministro da Fazenda do país declarou que poderia haver um aumento da extração de até 70% até 2030, mas o Ministério da Mineração afirma que não foi definido nenhum objetivo.>
Mas, este ano, deve ser atingida uma marca importante.>
Uma iniciativa conjunta planejada entre a empresa chilena SQM e a companhia estatal de mineração do país Codelco acaba de conseguir a aprovação regulatória para uma quota de extração de pelo menos 2,5 milhões de toneladas de lítio metálico por ano, ampliando a produção até 2060.>
O governo do Chile definiu os planos como parte da luta global contra as mudanças climáticas e uma fonte de renda para o Estado.>
As companhias de mineração extraem o lítio principalmente bombeando salmoura de baixo dos salares chilenos, até piscinas de evaporação na superfície.>
Este processo extrai imensas quantidades de água, nesta região naturalmente sujeita a secas.>
Faviola González é bióloga da comunidade indígena local. Ela trabalha na Reserva Nacional Los Flamencos, em meio ao deserto do Atacama, no norte do Chile.>
A reserva abriga vastos salares, pântanos e lagoas, além de cerca de 185 espécies de aves. González acompanha as mudanças do ambiente local.>
"As lagoas, agora, são menores por aqui", ela conta. "Observamos redução da reprodução dos flamingos.">
González afirma que a mineração de lítio prejudica os micro-organismos que servem de alimento para as aves nestas águas. Por isso, toda a cadeia alimentar é afetada.>
Ela aponta para um local onde, pela primeira vez em 14 anos, nasceram filhotes de flamingo este ano. González atribui o "pequeno sucesso reprodutivo" a uma leve redução da extração de água em 2021, mas afirma que "é pequeno".>
"Antes, havia muitos. Agora, apenas alguns.">
A água subterrânea dos Andes, rica em minerais, é "muito antiga" e o reabastecimento é lento.>
"Se extrairmos muita água e a entrada for pouca, a restauração do salar de Atacama é pequena", explica ela.>
Também foram encontrados danos à flora em algumas áreas.>
Nas propriedades exploradas pela empresa chilena SQM nos salares, quase um terço das árvores nativas de alfarroba começaram a morrer já em 2013, devido aos impactos da mineração, segundo um relatório publicado em 2022 pelo Conselho Nacional de Defesa de Recursos, com sede nos Estados Unidos.>
Mas esta questão também se estende para além do Chile.>
Em um relatório do mesmo Conselho em 2022, o professor James J. A. Blair, da Universidade Politécnica Estadual da Califórnia, nos Estados Unidos, escreveu que a mineração de lítio "contribui para condições de exaustão ecológica" e "pode reduzir a água doce disponível para a flora e a fauna, além dos seres humanos".>
Mas ele ressaltou que é difícil encontrar evidências "definitivas" sobre este tema.>
Quando o assunto é mineração, é claro que os danos ambientais são inevitáveis.>
"É difícil imaginar qualquer tipo de mineração que não traga impactos negativos", afirma a professora de Ciências Políticas Karen Smith Stegen. Ela estuda na Alemanha os impactos da mineração de lítio em todo o mundo.>
A questão é que as companhias de mineração podem tomar medidas para reduzir os danos.>
"O que [as companhias de mineração] deveriam ter feito desde o começo era envolver aquelas comunidades", explica ela.>
Antes de bombear o lítio do subsolo, por exemplo, as empresas poderiam realizar "avaliações de impacto social" — análises que levem em conta o amplo impacto do seu trabalho sobre a água, a vida selvagem e as comunidades.>
As companhias de mineração, agora, dizem que estão ouvindo a população local. Uma das principais delas é a empresa chilena SQM.>
Em uma das suas instalações em Antofagasta, no Chile, o vice-gerente de sustentabilidade da SQM Lítio, Valentín Barrera, afirma que a empresa trabalha em conjunto com as comunidades para "compreender as preocupações" e realizar análises de impacto ambiental.>
Ele acredita profundamente que, no Chile e no resto do mundo, "precisamos de mais lítio para a transição energética".>
Barrera também destaca que a empresa está testando novas tecnologias. E, se elas forem bem sucedidas, a ideia é desenvolvê-las no salar de Atacama.>
Elas incluem a extração de lítio diretamente da salmoura, sem piscinas de evaporação, e tecnologias para capturar a água evaporada e injetá-la novamente na terra.>
"Estamos fazendo diversos pilotos para compreender qual funciona melhor, para aumentar a produção, reduzindo a extração de salmoura em pelo menos 50% dos níveis atuais", explica ele.>
Barrera afirma que o projeto piloto em Antofagasta recuperou "mais de um milhão de metros cúbicos" de água. "E, a partir de 2031, iremos começar esta transição.">
Mas os moradores locais com quem conversei são céticos.>
"Acreditamos que o salar de Atacama seja uma espécie de experimento", segundo Faviola González.>
Ela explica que não se sabe como os salares poderão "resistir" a esta nova tecnologia e à reinjeção de água. E receia que eles estejam sendo usados como "laboratório natural".>
A família de Sara Plaza criava animais na mesma comunidade de Raquel Celina Rodríguez. Ela também ficou ansiosa com as mudanças que presenciou ao longo da vida.>
Plaza relembra que os níveis de água começaram a cair em 2005, mas destaca que "as companhias de mineração nunca pararam de extrair".>
Plaza chega às lágrimas quando fala sobre o futuro.>
"Os salares produzem lítio, mas, um dia, ele irá terminar. A mineração vai acabar", explica ela.>
"E o que as pessoas daqui irão fazer? Sem água, sem agricultura. Elas vão viver de quê?">
"Talvez eu não veja devido à minha idade, mas os nossos filhos, nossos netos verão", lamenta Plaza.>
Ela acredita que as companhias de mineração extraíram água demais de um ecossistema que já enfrenta dificuldades com as mudanças climáticas. "É muito doloroso", destaca ela.>
"As empresas dão um pouco de dinheiro para a comunidade, mas eu preferiria não receber dinheiro. Prefiro viver da natureza e ter água para viver.">
Sergio Cubillos é o chefe da associação comunitária de Peine, no norte do Chile, onde moram Sara Plaza e Raquel Celina Rodríguez.>
Ele afirma que sua cidade foi forçada a mudar "todo o sistema de água potável, o sistema elétrico e o sistema de tratamento de água" devido à escassez.>
"Existe a questão das mudanças climáticas, porque não chove mais, mas o principal impacto foi causado pela extração de minério", explica Cubillos.>
Ele afirma que, desde que começou a mineração nos anos 1980, as empresas extraíram milhões de metros cúbicos de água e salmoura. Foram centenas de litros por segundo.>
"As decisões são tomadas em Santiago, na capital, muito longe daqui", lamenta ele.>
Cubillos acredita que, se o presidente chileno, Gabriel Boric, quiser combater as mudanças climáticas, como declarou na campanha eleitoral, ele precisa envolver "o povo indígena, que vive há milênios nestas terras".>
Cubillos entende que o lítio é muito importante na transição para as energias renováveis. Mas ele defende que sua comunidade não deveria ser a "moeda de troca" deste desenvolvimento.>
Sua comunidade conseguiu algum benefício econômico e a supervisão das empresas, mas se preocupa com os planos de aumento da produção.>
Ele destaca que é ótimo buscar tecnologias para reduzir o impacto sobre a água, mas isso "não pode ser feito sentado em uma mesa em Santiago, mas sim aqui, no território".>
O governo chileno destaca que tem havido "diálogos contínuos com as comunidades indígenas", que foram consultadas sobre os novos contratos da joint venture entre a Codelco e a SQM, para tratar das preocupações em relação à água, às novas tecnologias e dos pagamentos às comunidades.>
O governo afirma que a capacidade de produção será baseada na incorporação de novas tecnologias para minimizar os impactos sociais e ambientais. E que o alto "valor" do lítio, devido à sua importância na transição energética global, poderá fornecer "oportunidades" para o desenvolvimento econômico do país.>
Mas Cubillos receia que a sua região seja um "projeto piloto". Ele alerta que, se o impacto da nova tecnologia for negativo, "dedicaremos todas as nossas forças para suspender as atividades que poderão fazer com que Peine caia no esquecimento".>
O salar de Atacama é um estudo de caso de um dilema global.>
As mudanças climáticas estão causando secas e alterações dos padrões do clima. Mas uma das soluções atuais para o mundo, segundo os moradores locais, está exacerbando esta situação.>
Existe um argumento comum entre as pessoas que apoiam a mineração de lítio, de que, mesmo se ela prejudicar o meio ambiente, também trará enormes benefícios com empregos e dinheiro.>
Daniel Jiménez, da consultoria de lítio iLiMarkets, em Santiago, leva este argumento adiante. Ele defende que as comunidades exageraram os danos ambientais porque querem ser compensadas por isso.>
Para ele, "é questão de dinheiro".>
"As empresas gastaram muito melhorando estradas e escolas, mas as reivindicações das comunidades realmente são baseadas no fato de que elas querem dinheiro.">
Mas Stegen não está tão certa disso.>
"As companhias de mineração sempre gostam de dizer que 'existem mais empregos, vocês irão ganhar mais dinheiro'", ressalta a professora.>
"Bem, não é especificamente o que muitas comunidades indígenas desejam. Na verdade, [o dinheiro] pode ser prejudicial se alterar a estrutura da sua economia tradicional e afetar seus custos de moradia.">
"Os empregos não são o único benefício desejado por estas comunidades", defende Stegen.>
As pessoas com quem conversei no Chile não falaram em pedir mais dinheiro. Nem se opõem a medidas para combater as mudanças climáticas.>
Sua principal questão é por que elas estão pagando o preço.>
"Acho que, para as cidades, talvez o lítio seja bom", afirma Raquel Celina Rodríguez. "Mas ele também nos prejudica. Não vivemos mais a vida que costumávamos viver aqui.">
Faviola González não acha que a eletrificação, por si só, seja a solução para as mudanças climáticas.>
"Todos nós precisamos reduzir nossas emissões", explica ela.>
"Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e a Europa, o gasto das pessoas com energia é muito maior do que aqui, na América do Sul, entre nós, povos indígenas.">
"Para quem irão os carros elétricos?", prossegue ela. "Europeus e americanos, não para nós. Nossa pegada de carbono é muito menor.">
"Mas é a nossa água que é retirada. São as nossas aves sagradas que estão desaparecendo.">
* Com colaboração de George Wright.>
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