Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 06:44
Diretor do filme sobre Jair Bolsonaro idealizado por apoiadores e acompanhado por familiares do ex-presidente, o cineasta Cyrus Nowrasteh diz que o longa, com previsão de lançamento em 2026, ano de nova eleição à Presidência, vai fazer um "retrato complexo e honesto" do político brasileiro.>
Em entrevista por email à BBC News Brasil, a primeira vez em que fala à imprensa sobre o filme, Nowrasteh conta que sabia que Bolsonaro era uma "figura controversa e polarizadora" no Brasil, mas que por isso mesmo valeria a pena ser retratada.>
"Uma figura polarizadora não é um tema fértil para um filme? Artistas não deveriam ser agentes de ruptura? Não deveríamos questionar a autoridade? Não deveríamos questionar as visões e narrativas predominantes?", diz Nowrasteh.>
Nowrasteh, um diretor americano de ascendência iraniana e que tem no currículo filmes com forte apelo cristão e político, também é responsável pela edição de Dark Horse (algo como "Azarão", em tradução livre). >
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As gravações foram encerradas em dezembro, em São Paulo, e as primeiras imagens foram divulgadas nas redes sociais nas últimas semanas por políticos e militantes bolsonaristas.>
A ideia e o argumento do filme são do deputado federal Mário Frias (PL-SP), ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro e um dos apoiadores mais vocais do ex-presidente no Congresso.>
Frias tem compartilhado imagens dos bastidores do filme nas redes social. >
"@jairbolsonaro, tudo por sua vitória!", escreveu o deputado ao mostrar uma cena em que ele e Carlos Bolsonaro ouvem uma oração de Jim Caviezel, ator que interpreta o ex-presidente, no set de filmagem.>
O diretor Cyrus Nowrasteh conta que estava desenvolvendo outro projeto para ser feito no Brasil quando um produtor americano o colocou em contato com a produtora GoUp Entertainment, de Karina Ferreira da Gama, e com Mário Frias. >
"Eles queriam fazer algo sobre Bolsonaro. Fiquei impressionado com o Mário e com a paixão dele pelo projeto. Eu sabia que Bolsonaro era uma figura controversa e polarizadora — mas também muito querida", diz o diretor.>
Nowrasteh já tinha uma relação com o Brasil porque, em 1995, foi coautor do roteiro do filme brasileiro-americano Jenipapo, dirigido por Monique Gardenberg, mesma diretora de Ó Paí, Ó (2007), a quem chama de uma "cineasta extraordinária". Na história, um jornalista americano tenta entrevistar um padre apoiador da reforma agrária no Nordeste.>
O filme mais reconhecido de Nowrasteh é O Apedrejamento de Soraya M (2008), que trata da história de uma mulher muçulmana condenada à morte em praça pública no Irã devido a uma acusação falsa de adultério.>
O filme teve certo reconhecimento: ficou em terceiro lugar no prêmio do público no Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá. >
Nowrasteh também dirigiu O Jovem Messias (2016), sobre um jovem Jesus, e Sequestro Internacional (2019), sobre um jornalista-blogueiro cristão que vira prisioneiro do Irã após falar de Jesus. >
Seu último filme, Sarah's Oil (2025), é sobre uma menina negra que tem a fé de que a terra que herdou é rica em petróleo. Uma crítica do New York Times diz que o longa traz uma "veneração incidental aos combustíveis fósseis".>
Em artigo no canal Fox News de 2016, Nowrasteh explica que não cresceu cristão de forma tradicional, já que sua família é muçulmana. Sua aproximação com o cristianismo ocorreu após se casar com sua esposa, Betsy.>
"É minha esperança que aqueles que já veneram Jesus de Nazaré passem a amá-lo ainda mais", disse sobre o filme O Jovem Messias.>
Ainda não está claro se haverá algum tom religioso ao retratar Bolsonaro em Dark Horse. O ex-presidente é católico, mas se aproximou dos influentes setores evangélicos na política brasileira, principalmente por meio de sua esposa, Michelle.>
O idealizador do filme, Mario Frias, é cristão e, na sua concepção, religião deve se envolver na política. Em um culto numa igreja de Campinas em 2022, ele disse: "Nós cristãos estamos falando de política hoje, para não sermos proibidos de falar de Jesus amanhã".>
Junto a Frias, o diretor escolheu focar a história de Dark Horse na tentativa de assassinato em 2018, quando Bolsonaro levou uma facada em Juiz de Fora (MG), durante um ato da campanha eleitoral à Presidência.>
"Senti que havia muitas perguntas sem resposta em torno desse evento e que valia a pena explorá-las em um filme", afirma Nowrasteh.>
"Vejo a obra como um thriller político contemporâneo, que ajudará a iluminar muito do que está acontecendo no Brasil hoje — e no mundo.">
No filme, o ex-presidente lembra da sua vida em flashbacks enquanto passa por cirurgias. O longa termina com a eleição de Bolsonaro naquele ano, segundo Frias.>
Todo falado em inglês, o longa terá uma versão dublada para o Brasil. "Buscamos um público internacional", explica Nowrasteh.>
O diretor compara o que faz no filme a cineastas como o greco-francês Costa-Gavras, que se notabilizou por fazer filmes de denúncia política, como Z, Estado de Sítio e Desaparecido - Um Grande Mistério. >
Ele também usa como exemplo o diretor americano Oliver Stone, vencedor de três Oscars e autor de filmes polêmicos que desafiam versões oficiais de fatos históricos. >
A comparação com Stone é ainda mais significativa porque o diretor é nome por trás do documentário Lula, exibido em 2024 no Festival Cannes, na França, sobre trajetória do presidente brasileiro nos anos que antecederam sua vitória nas eleições de 2022. >
Stone chegou a dizer em entrevistas que "Lula foi preso por uma armação. Ele provou isso no filme", indicando o tom da produção a respeito da prisão do petista na Lava Jato em 2018. O documentário, ainda não foi lançado oficialmente.>
"Todos se concentram em temas polarizadores e questionam vigorosamente as 'visões aceitas'. Essa é uma tradição longa e nobre. Estou apenas fazendo o mesmo", comparou Nowrasteh.>
O intérprete de Bolsonaro em Dark Horse é um velho conhecido de Nowrasteh em seus filmes e, segundo Frias, a única escolha possível para o papel.>
O americano Jim Caviezel ganhou fama internacional ao interpretar Jesus no filme A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson, marcado por polêmica nos Estados Unidos por sua violência e pela acusação de supostamente promover antissemitismo ao focar nos judeus como culpados pela morte do messias.>
Após essa produção, Caviezel focou em sua carreira em filmes com temas religiosos ou com argumentos caros à direita. >
Sua produção de maior destaque nos últimos anos foi O Som da Liberdade, que teve mobilização de evangélicos e bolsonaristas para ser líder de bilheteria no Brasil e no mundo em 2023.>
Gravado em 2018 e financiado por investidores independentes, o filme narra a história de um agente do governo americano que desmantela uma rede de abuso sexual infantil que operava na Colômbia.>
O filme também foi associado por críticos ao movimento americano QAnon — que propaga a tese de que políticos como o presidente americano, Donald Trump, estariam travando uma guerra secreta contra pedófilos traficantes de crianças e adoradores de Satanás que supostamente ocupariam cargos no alto escalão do governo dos Estados Unidos, do mundo empresarial e da imprensa no país.>
Apoiador fiel de Trump e católico praticante, Caviezel topou interpretar Bolsonaro sem negociar valores, segundo Mario Frias. Ele aparece em fotos ao lado de Carlos Bolsonaro, Mario Frias e outros apoiadores do ex-presidente no set de filmagem.>
Apesar de uma linha ideológica clara daqueles que participam da produção, Nowrasteh defende que irá apresentar Bolsonaro "sem verniz, como ele é".>
A BBC News Brasil perguntou ao diretor se o filme vai retratar Bolsonaro como uma "figura heroica".>
"Heróis estão nos olhos de quem vê, não estão? Todo mundo parece ter uma opinião sobre o tema e sobre o homem. Não tenho certeza de quantas pessoas mudarão de ideia", responde.>
"Não fugimos das controvérsias em torno de sua campanha de 2018. Trata-se de um retrato complexo e honesto. Olhe para os filmes que fiz antes deste — esse é o melhor indício de como este será.">
A produção do filme Dark Horse está a cargo da empresa Go Up Entertainment, de Karina Ferreira da Gama.>
A produtora aparece em documentos públicos como responsável por alugar o Memorial da América Latina, espaço cultural em São Paulo, para as gravações. O valor foi R$ 126 mil.>
Gama também é presidente da Academia Nacional de Cultura (ANC), empresa que já recebeu, via emendas parlamentares de deputados do PL, partido de Bolsonaro, R$ 2,6 milhão para produção de uma série sobre "heróis nacionais".>
A empresária é ainda sócia do Instituto Conhecer Brasil, que recebeu entre 2024 e 2025 mais de R$ 100 milhões da Prefeitura de São Paulo, comandada por Ricardo Nunes (MDB), aliado de Bolsonaro, para fornecer internet wi-fi em comunidades de baixa renda da cidade no último ano, segundo reportagem do Intercept Brasil.>
Esse instituto também recebeu em 2025 duas emendas de R$ 1 milhão cada do deputado Mário Frias, idealizador do filme sobre Bolsonaro. Os projetos financiados por Frias eram de incentivo ao esporte e de letramento digital. >
Frias não tem revelado a origem dos recursos para a produção de Dark Horse e tem dito que jamais o faria com "verba pública" ou apoio de leis como a Rouanet. >
Em entrevistas, ele cita que teve muito apoio da SPCine, agência da Prefeitura de São Paulo, e do governo paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos).>
O diretor Cyrus Nowrasteh diz não ter como falar de orçamento do filme, por não ser o produtor. Mário Frias, em entrevistas a canais de direita, disse que o longa é de "baixíssimo orçamento" para padrões da indústria americana, mas não revelou seus financiadores.>
O governo de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo disseram à BBC News Brasil que não deram nenhum apoio à produção.>
"A SPCine autorizou as gravações do filme mencionado após análise técnica, seguindo exatamente o mesmo trâmite usado em todas as solicitações recebidas pelo Município", disse a Prefeitura.>
Mario Frias e Karina da Gama não se pronunciaram nas reportagens a respeito da transferência de emendas e de recursos da prefeitura. A BBC News Brasil tentou contato com os dois, mas não houve resposta.>
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