Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 08:44
Uma década depois de Júlio Verne publicar seu famoso romance A Volta ao Mundo em 80 Dias, um viajante inglês partiu com o objetivo de dar a volta ao mundo.>
Mas, diferentemente do personagem do livro de Verne, que realizou a jornada principalmente de trem, balão e navio, Thomas Stevens decidiu fazê-la de bicicleta.>
Sua viagem começou em 1884 e durou mais de dois anos. Após retornar para casa, ele escreveu o livro Around the World on a Bicycle (A Volta ao Mundo de Bicicleta, em tradução livre).>
Na obra, que despertou grande interesse ao redor do mundo, descreveu em detalhes o que viu ao longo do percurso pelo subcontinente norte-americano, pela Europa e pela Ásia. >
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Nascido na Inglaterra, Stevens se estabeleceu nos Estados Unidos em 1871, aos 17 anos.>
Ele não era atleta, mas tinha um grande interesse pelo ciclismo — que, na época, eras visto mais como um passatempo aristocrático.>
Segundo o escritor e cineasta americano Robert Isenberg, o que tornou Stevens tão popular foi o fato de "ele ser um homem comum que simplesmente continuou em frente e teve motivação suficiente para fazer acontecer".>
Inicialmente, o objetivo de Stevens era atravessar o subcontinente norte-americano, e ele o fez ao pedalar de San Francisco (costa oeste) a Boston (costa leste) em cinco meses.>
Após essa viagem, uma revista popular de ciclismo ofereceu patrocínio a Stevens, que decidiu ampliar a jornada para dar a volta ao mundo.>
Em abril de 1884, ele partiu de navio de Chicago (EUA) rumo à Inglaterra (Reino Unido). Depois de atravessar de bicicleta o continente europeu, percorreu pedalando a Turquia, o Irã, a Índia, a China e o Japão.>
A bicicleta de Stevens era muito diferente das atuais. Tratava-se de um modelo pesado conhecido como penny-farthing — nome inspirado em duas antigas moedas britânicas, o penny, maior, e o farthing, menor, numa analogia às rodas —, com uma roda dianteira muito grande e outra traseira bem menor.>
Segundo relatos, ele carregava apenas um pequeno conjunto de itens, como roupas íntimas, uma arma, um poncho que também servia de barraca e um pneu reserva.>
Stevens chegou a Istambul (na atual Turquia) no verão de 1885, e permaneceu ali durante o mês do Ramadã (mês sagrado do calendário islâmico) em um hotel em Galata, bairro histórico da cidade.>
Ele descreveu Istambul como "uma das cidades mais cosmopolitas" do mundo, destacando a diversidade de seus habitantes, ruas e modos de vestir. Também retratou cenas noturnas vívidas, com ruas laterais iluminadas apenas pelos cafés, enquanto pessoas caminhavam com seus lampiões nas mãos.>
Stevens também escreveu sobre as mulheres que retiravam seus véus e fumavam em compartimentos exclusivos a bordo de trens e balsas. Ele até elaborou um itinerário para visitar a cidade:>
"Um passeio à tarde com um guia por Istambul inclui o Museu de Antiguidades, a mesquita de Santa Sofia, o Museu do Traje, as 1.001 colunas, o túmulo do Sultão Mahmut, o mundialmente famoso Grand Bazaar, a 'Mesquitas dos Pombos', a Torre de Galata e o túmulo do sultão Suleiman 1º.">
Seus escritos também mencionaram rituais de dança giratória Sufi e as residências das famílias abastadas da cidade. O percurso feito durante o Ramadã registra sua admiração pela arquitetura do Império Otomano e pelas luzes festivas penduradas entre os minaretes das mesquitas.>
Durante a viagem, Stevens teve um raro vislumbre do então sultão Abdul Hamid 2º, hoje considerado uma das figuras mais controversas da história turca.>
"Meu objetivo de ver o rosto do sultão foi alcançado; mas foi apenas um vislumbre momentâneo.">
No golfo de Izmit (Turquia), uma das principais regiões industriais do país, ele escreveu que "as vilas pintadas de branco formam um espetáculo encantador ao entardecer".>
Nas estradas da região da Anatólia Central, ele se deparou com um acampamento nômade curdo. A comunidade local o impressionou com sua generosidade.>
Stevens descreveu o líder do grupo que o recebeu como "um xeique digno que fuma narguilé". Também relatou a comida que lhe foi oferecida e a cama preparada sem que ele tivesse pedido.>
Fiel às reflexões de Stevens sobre a diversidade da Turquia, seu relato inclui ainda um padre armênio que lhe presenteou com uma Bíblia para suas viagens.>
No Irã, Stevens passou um período em Teerã (atual capital iraniana) como hóspede do xá Naser al-Din.>
Nos arredores do Teerã, ele parou para admirar as Torres do Silêncio zoroastrianas — um antigo local onde os mortos eram deixados para serem devorados por abutres, já que se acreditava que o sepultamento contaminava o solo.>
Ele observou que as fogueiras de Zoroastro já haviam se extinguido havia muito tempo, e que as torres permaneciam como um remanescente de uma antiga religião, já que as chamas permanentemente acesas eram "alimentadas com combustível dia e noite".>
Depois do Irã, Stevens partiu em direção ao Afeganistão. No entanto, não conseguiu entrar no país e, por isso, atravessou o mar Cáspio de navio até Baku — atual capital do Azerbaijão — e de lá seguiu de trem para Batumi, na atual Geórgia.>
Em seguida, ele chegou de navio à cidade indiana de Calcutá.>
Na Índia, seus escritos elogiaram muito o monumento Taj Mahal. E embora tenha reclamado do calor, observou que as paisagens e as cores eram as suas favoritas de toda a viagem até então.>
De lá, seguiu para Hong Kong, então colônia britânica, e depois para a China.>
O destino final de sua viagem foi Yokohama, no Japão. Ali, Stevens encontrou moradores que descreveu como "de maneiras refinadas" e "alegres". Ele escreveu: "Eles estão mais perto de resolver o problema de viver feliz do que qualquer outra nação". Ele também se maravilhou com o amor das crianças pelo aprendizado.>
Foi aqui que ele concluiu sua jornada em 1886, que durou dois anos e oito meses no total.>
Segundo seus próprios cálculos, Stevens percorreu 22.000 km de bicicleta, se tornando o que se acredita ser a primeira pessoa a dar a volta ao mundo de bicicleta. Ele publicou suas notas de viagem em formato de série em uma revista e, posteriormente, em um livro em 1887.>
Embora Stevens descrevesse com admiração as comunidades que encontrava, ele também recorria a muitos clichês da época. Com frequência, classificava as pessoas que conhecia como "semicivilizadas", "sujas" e "ignorantes".>
Na verdade, enquanto visitava Sivas, na Turquia, ele escreveu: "A condição característica da mente do aldeão armênio médio é de ignorância profunda e densa, além de uma melancolia moral".>
Segundo o escritor turco Aydan Çelik, que estuda as viagens de Stevens à Turquia, ele — assim como muitos viajantes de sua época — era um "orientalista", isto é, alguém que via as culturas e os povos do Oriente por meio de uma lente estereotipada.>
Já o escritor americano Robert Isenberg avalia que a visão de Stevens começou a mudar ao longo da viagem. "Ele fala, claro, a partir de uma perspectiva cultural rígida. Usa essa régua típica da era vitoriana", disse Isenberg. "Mas, quando chega ao Taj Mahal e o admira de verdade, fica tão impressionado com a arquitetura e a arte que, pela primeira vez, não o compara a nada. Ele simplesmente fica hipnotizado.">
Como a primeira pessoa a dar a volta ao mundo de bicicleta, as histórias de Stevens eram muito procuradas na Inglaterra e nos Estados Unidos. Segundo estudiosos, seus relatos moldaram a maneira como muitos americanos viam o resto do mundo na época.>
A vida de Stevens se tornou uma inspiração para os jovens aventureiros americanos como William Sachtleben e Thomas Allen, que também viajaram para Istambul de bicicleta.>
Além disso, Çelik avalia que o legado mais importante de Stevens foi sua contribuição decisiva para a popularização das viagens sobre duas rodas, que ele descreveu como uma espécie de "revolução da bicicleta".>
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