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Parlamento Europeu aprova salvaguardas e abre caminho para acordo com Mercosul

Parlamento Europeu aprova salvaguardas e abre caminho para acordo com Mercosul

Proposta votada nesta terça (16/12) estabelece mecanismo de proteção ao agro europeu às importações do bloco sul-americano e é ainda mais restritiva que a originalmente apresentada em outubro.

Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 12:44

Imagem BBC Brasil
Mais restritiva do que a versão apresentada em outubro, proposta estabelece mecanismos de proteção ao agro europeu às importações do bloco sul-americano Crédito: AFP

O Parlamento Europeu aprovou nesta terça-feira (16/12) as salvaguardas que haviam sido propostas pela França para proteger produtos agrícolas europeus às vésperas da data prevista para a assinatura do acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.

A expectativa do governo brasileiro é de que o acordo seja finalmente assinado, após 25 anos de negociações, neste sábado (20/12), durante a Cúpula de chefes-de-Estado do Mercosul, em Foz do Iguaçu.

A aprovação das salvaguardas era aguardada pelo governo brasileiro, que preside temporariamente o Mercosul neste semestre, e é interpretada como um sinal favorável à assinatura do acordo nesta semana.

As salvaguardas eram mecanismos que haviam sido sugeridos pela França como forma de proteger os agricultores do país contra uma possível invasão de produtos agrícolas do Mercosul, em especial de carne.

Apesar de terem sido os autores da proposta — que era vista como uma maneira de viabilizar o acordo —, os franceses voltaram a fazer pressão contra o texto.

Internamente, o governo brasileiro vê as salvaguardas como mecanismo que limita os potenciais ganhos do agronegócio brasileiro.

Isso porque há cláusulas que determinam que os europeus podem abrir uma investigação e suspender as vantagens tarifárias do acordo com o Mercosul caso haja um aumento acima de 5% no volume de compra de determinados produtos agrícolas do bloco sul-americano.

Apesar disso, o governo brasileiro optou por não se opor às salvaguardas, ao menos imediatamente, e priorizar a assinatura do acordo.

A expectativa, agora, se volta para a votação do texto final do acordo, prevista para a quinta-feira (18/12), pelo Conselho Europeu. Se ele for aprovado, a Comissão Europeia, presidida por Ursula Von der Leyen, terá autorização para assinar o acordo. Sua presença é esperada na Cúpula do Mercosul.

Nos últimos dias, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha demonstrando otimismo com a possibilidade de que o acordo fosse assinado ainda neste ano, mas a oposição de países como a França e a Polônia nos últimos dias mudou o humor da diplomacia brasileira que trabalhava com a possibilidade concreta de que o acordo não saísse do papel como o planejado.

No domingo passado (14/12) essa expectativa aumentou depois que a França solicitou à União Europeia que adie as duas votações.

O gabinete do primeiro-ministro, Sebastien Lecornu, disse que "não estão dadas as condições" para uma votação dos Estados.

"A França solicita que sejam adiados os prazos de dezembro para continuar o trabalho e obter as medidas de proteção legítimas para nossa agricultura europeia", informou o gabinete do país europeu.

Oficialmente, a diplomacia brasileira vinha mantendo o discurso de otimismo, embora reconhecesse que um revés era possível.

"O Brasil continua otimista. Dependemos da votação no Conselho (Europeu), mas temos sinalizações de que a ideia é assinar. A França sozinha não tem poder de bloquear. A Polônia também, não (...) pode acontecer alguma coisa? O imponderável é o imponderável, mas a nossa sinalização é de confiança", disse a Secretária de América Latina e Caribe do Ministério da Relações Exteriores (MRE), a embaixadora Gisela Padovan, durante uma entrevista coletiva na segunda-feira (15/12).

Apesar disso, duas fontes do governo brasileiro com conhecimento das negociações disseram à BBC News Brasil que se os europeus não assinarem o acordo agora, isso poderá representar o fim das negociações do tratado que vem sendo discutido há mais de duas décadas.

Na avaliação de uma delas, se isso acontecer, as chances de uma nova negociação entre os dois blocos é quase zero e o Brasil, maior economia do Mercosul, vai intensificar sua busca por parceiros comerciais na Ásia.

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser discutido em 1999 e prevê a criação de uma área de livre-comércio entre os dois blocos. A ideia é que haja reduções recíprocas nas taxas de importação e exportação de produtos entre ambos, aumentando o fluxo comercial das duas regiões.

Se concluído e entrar em vigor, o acordo criará uma das maiores áreas de livre-comércio do mundo, com uma população estimada em 718 milhões de pessoas e um produto interno bruto de 22 trilhões de dólares.

Em 2024, a fase negocial do acordo foi finalizada, mas para começar a funcionar, o acordo ainda precisa passar por diversas fases, entre elas a assinatura, que é a que está prevista para a próxima semana.

Votações e testes

As salvaguardas aprovadas pelo Parlamento Europeu nesta terça-feira definiam em quais circunstâncias a União Europeia poderia suspender temporariamente as vantagens tarifárias concedidas ao Mercosul.

A principal cláusula delas é a que prevê que se as importações de um determinado produto agrícola tido como sensível pelos europeus crescer a partir de 5% em relação à média dos 3 anos anteriores, a União Europeia poderia abrir uma investigação para avaliar a possível suspensão dos benefícios tarifários.

A proposta votada nesta terça-feira era ainda mais restritiva que a originalmente apresentada em outubro, que impunha um limite de aumento de vendas de 10%.

O bloco também reduziu o tempo de duração das investigações comerciais sobre o assunto de 6 para 3 meses, em geral, e de 4 para 2 meses, para os chamados produtos sensíveis.

Esta votação era considerada como um "termômetro" para a de quinta-feira no Conselho Europeu. A expectativa, aliás, é que esta votação, caso de fato aconteça, seja ainda mais acirrada.

Para que o acordo seja aprovado lá, é preciso maioria qualificada, o que significa que a proposta precisa ter o aval de pelo menos 15 dos 27 Estados-membros e que eles representem 65% da população do bloco. Atualmente, a população do bloco europeu está estimada em 451 milhões de habitantes.

Dentro do Mercosul, bloco formado por Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia, há consenso para que o acordo seja assinado. Na Europa, porém, ainda há resistências para que ele seja concluído.

No bloco, o acordo é fortemente apoiado por países como Alemanha, Espanha, Portugal e República Tcheca.

Os principais países se opondo ao acordo atualmente são a França e Polônia, mas também há sinais de contrariedade entre países como a Bélgica e Áustria.

Os franceses afirmam temer os impactos que o acordo poderia ter para os agricultores do país uma vez que eles sofreriam a concorrência dos produtos agropecuários do bloco sul-americano.

O "fiel" da balança, avaliam diplomatas europeus ouvidos pela BBC News Brasil, deverá ser a Itália. O país tem aproximadamente 59 milhões de habitantes e é a terceira maior população do bloco europeu. Os cálculos da diplomacia brasileira e europeia apontam que uma negativa da Itália, somada à rejeição esperada de França e Polônia, poderia enterrar as chances de aprovação do acordo.

Caso os italianos se juntem à oposição da França e da Polônia, os três países juntos equivalem a aproximadamente 36% da população do bloco, inviabilizando a aprovação do acordo.

Na segunda-feira (8/12), no entanto, um diplomata italiano disse, durante uma reunião com colegas do bloco em Brasília, que o país iria apoiar a aprovação do acordo, mas o clima entre os demais era de cautela.

Dois pesos e duas medidas

Na avaliação de um auxiliar da Presidência da República ouvido em caráter reservado pela BBC News Brasil, um recuo europeu em relação ao acordo refletiria o que ele classificou como "fragilidade" das lideranças do bloco.

Ele destacou que o acordo poderia fortalecer comercialmente os dois blocos, especialmente em um ambiente em que o multilateralismo estaria sofrendo ataques de líderes como o norte-americano Donald Trump.

Ainda de acordo com esta fonte, uma rejeição do acordo pelos europeus também mostraria que eles prefeririam aceitar um acordo considerado por ele como "assimétrico" com os norte-americanos a firmar um tratado de livre-comércio mais favorável a eles com o Mercosul.

Em agosto, após a imposição de tarifas pelos norte-americanos a produtos europeus, os EUA e a UE firmaram um acordo em que o bloco comercial se comprometeu a reduzir taxas para produtos oriundos dos Estados Unidos e ainda se comprometeu a adquirir petróleo, gás natural e produtos de defesa do país governado por Donald Trump.

Para este membro do governo brasileiro, a saída para o Brasil e para o Mercosul diante do fracasso do acordo com os europeus seria a busca de novas parcerias em regiões como a Ásia.

De acordo com dados do governo brasileiro, em 2025, a China já comprou US$ 94 bilhões em produtos brasileiros. Esse valor é mais que o dobro dos US$ 45 bilhões comprados pelos países da União Europeia.

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