Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 12:44
O Parlamento Europeu aprovou nesta terça-feira (16/12) as salvaguardas que haviam sido propostas pela França para proteger produtos agrícolas europeus às vésperas da data prevista para a assinatura do acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. >
A expectativa do governo brasileiro é de que o acordo seja finalmente assinado, após 25 anos de negociações, neste sábado (20/12), durante a Cúpula de chefes-de-Estado do Mercosul, em Foz do Iguaçu. >
A aprovação das salvaguardas era aguardada pelo governo brasileiro, que preside temporariamente o Mercosul neste semestre, e é interpretada como um sinal favorável à assinatura do acordo nesta semana. >
As salvaguardas eram mecanismos que haviam sido sugeridos pela França como forma de proteger os agricultores do país contra uma possível invasão de produtos agrícolas do Mercosul, em especial de carne. >
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Apesar de terem sido os autores da proposta — que era vista como uma maneira de viabilizar o acordo —, os franceses voltaram a fazer pressão contra o texto. >
Internamente, o governo brasileiro vê as salvaguardas como mecanismo que limita os potenciais ganhos do agronegócio brasileiro. >
Isso porque há cláusulas que determinam que os europeus podem abrir uma investigação e suspender as vantagens tarifárias do acordo com o Mercosul caso haja um aumento acima de 5% no volume de compra de determinados produtos agrícolas do bloco sul-americano.>
Apesar disso, o governo brasileiro optou por não se opor às salvaguardas, ao menos imediatamente, e priorizar a assinatura do acordo. >
A expectativa, agora, se volta para a votação do texto final do acordo, prevista para a quinta-feira (18/12), pelo Conselho Europeu. Se ele for aprovado, a Comissão Europeia, presidida por Ursula Von der Leyen, terá autorização para assinar o acordo. Sua presença é esperada na Cúpula do Mercosul. >
Nos últimos dias, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha demonstrando otimismo com a possibilidade de que o acordo fosse assinado ainda neste ano, mas a oposição de países como a França e a Polônia nos últimos dias mudou o humor da diplomacia brasileira que trabalhava com a possibilidade concreta de que o acordo não saísse do papel como o planejado. >
No domingo passado (14/12) essa expectativa aumentou depois que a França solicitou à União Europeia que adie as duas votações.>
O gabinete do primeiro-ministro, Sebastien Lecornu, disse que "não estão dadas as condições" para uma votação dos Estados.>
"A França solicita que sejam adiados os prazos de dezembro para continuar o trabalho e obter as medidas de proteção legítimas para nossa agricultura europeia", informou o gabinete do país europeu. >
Oficialmente, a diplomacia brasileira vinha mantendo o discurso de otimismo, embora reconhecesse que um revés era possível. >
"O Brasil continua otimista. Dependemos da votação no Conselho (Europeu), mas temos sinalizações de que a ideia é assinar. A França sozinha não tem poder de bloquear. A Polônia também, não (...) pode acontecer alguma coisa? O imponderável é o imponderável, mas a nossa sinalização é de confiança", disse a Secretária de América Latina e Caribe do Ministério da Relações Exteriores (MRE), a embaixadora Gisela Padovan, durante uma entrevista coletiva na segunda-feira (15/12).>
Apesar disso, duas fontes do governo brasileiro com conhecimento das negociações disseram à BBC News Brasil que se os europeus não assinarem o acordo agora, isso poderá representar o fim das negociações do tratado que vem sendo discutido há mais de duas décadas. >
Na avaliação de uma delas, se isso acontecer, as chances de uma nova negociação entre os dois blocos é quase zero e o Brasil, maior economia do Mercosul, vai intensificar sua busca por parceiros comerciais na Ásia.>
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser discutido em 1999 e prevê a criação de uma área de livre-comércio entre os dois blocos. A ideia é que haja reduções recíprocas nas taxas de importação e exportação de produtos entre ambos, aumentando o fluxo comercial das duas regiões.>
Se concluído e entrar em vigor, o acordo criará uma das maiores áreas de livre-comércio do mundo, com uma população estimada em 718 milhões de pessoas e um produto interno bruto de 22 trilhões de dólares.>
Em 2024, a fase negocial do acordo foi finalizada, mas para começar a funcionar, o acordo ainda precisa passar por diversas fases, entre elas a assinatura, que é a que está prevista para a próxima semana.>
As salvaguardas aprovadas pelo Parlamento Europeu nesta terça-feira definiam em quais circunstâncias a União Europeia poderia suspender temporariamente as vantagens tarifárias concedidas ao Mercosul. >
A principal cláusula delas é a que prevê que se as importações de um determinado produto agrícola tido como sensível pelos europeus crescer a partir de 5% em relação à média dos 3 anos anteriores, a União Europeia poderia abrir uma investigação para avaliar a possível suspensão dos benefícios tarifários. >
A proposta votada nesta terça-feira era ainda mais restritiva que a originalmente apresentada em outubro, que impunha um limite de aumento de vendas de 10%. >
O bloco também reduziu o tempo de duração das investigações comerciais sobre o assunto de 6 para 3 meses, em geral, e de 4 para 2 meses, para os chamados produtos sensíveis.>
Esta votação era considerada como um "termômetro" para a de quinta-feira no Conselho Europeu. A expectativa, aliás, é que esta votação, caso de fato aconteça, seja ainda mais acirrada. >
Para que o acordo seja aprovado lá, é preciso maioria qualificada, o que significa que a proposta precisa ter o aval de pelo menos 15 dos 27 Estados-membros e que eles representem 65% da população do bloco. Atualmente, a população do bloco europeu está estimada em 451 milhões de habitantes.>
Dentro do Mercosul, bloco formado por Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia, há consenso para que o acordo seja assinado. Na Europa, porém, ainda há resistências para que ele seja concluído.>
No bloco, o acordo é fortemente apoiado por países como Alemanha, Espanha, Portugal e República Tcheca.>
Os principais países se opondo ao acordo atualmente são a França e Polônia, mas também há sinais de contrariedade entre países como a Bélgica e Áustria.>
Os franceses afirmam temer os impactos que o acordo poderia ter para os agricultores do país uma vez que eles sofreriam a concorrência dos produtos agropecuários do bloco sul-americano.>
O "fiel" da balança, avaliam diplomatas europeus ouvidos pela BBC News Brasil, deverá ser a Itália. O país tem aproximadamente 59 milhões de habitantes e é a terceira maior população do bloco europeu. Os cálculos da diplomacia brasileira e europeia apontam que uma negativa da Itália, somada à rejeição esperada de França e Polônia, poderia enterrar as chances de aprovação do acordo.>
Caso os italianos se juntem à oposição da França e da Polônia, os três países juntos equivalem a aproximadamente 36% da população do bloco, inviabilizando a aprovação do acordo.>
Na segunda-feira (8/12), no entanto, um diplomata italiano disse, durante uma reunião com colegas do bloco em Brasília, que o país iria apoiar a aprovação do acordo, mas o clima entre os demais era de cautela.>
Na avaliação de um auxiliar da Presidência da República ouvido em caráter reservado pela BBC News Brasil, um recuo europeu em relação ao acordo refletiria o que ele classificou como "fragilidade" das lideranças do bloco.>
Ele destacou que o acordo poderia fortalecer comercialmente os dois blocos, especialmente em um ambiente em que o multilateralismo estaria sofrendo ataques de líderes como o norte-americano Donald Trump.>
Ainda de acordo com esta fonte, uma rejeição do acordo pelos europeus também mostraria que eles prefeririam aceitar um acordo considerado por ele como "assimétrico" com os norte-americanos a firmar um tratado de livre-comércio mais favorável a eles com o Mercosul.>
Em agosto, após a imposição de tarifas pelos norte-americanos a produtos europeus, os EUA e a UE firmaram um acordo em que o bloco comercial se comprometeu a reduzir taxas para produtos oriundos dos Estados Unidos e ainda se comprometeu a adquirir petróleo, gás natural e produtos de defesa do país governado por Donald Trump.>
Para este membro do governo brasileiro, a saída para o Brasil e para o Mercosul diante do fracasso do acordo com os europeus seria a busca de novas parcerias em regiões como a Ásia.>
De acordo com dados do governo brasileiro, em 2025, a China já comprou US$ 94 bilhões em produtos brasileiros. Esse valor é mais que o dobro dos US$ 45 bilhões comprados pelos países da União Europeia.>
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