Publicado em 25 de junho de 2018 às 13:31
Martoussia, a celebridade do momento neste remoto vilarejo de pescadores, tem a respiração pesada sob o toldo onde ele está acorrentado. Ainda assim, ele permanece calmo enquanto a multidão se aproxima.>
Crianças têm o olhar fixo, enquanto voluntários com luvas brancas retiram um verme-da-guiné de 32 centímetros da perna do cachorro e cientistas americanos questionam seu dono, um pescador, a respeito de quantos vermes Martoussia já teve.>
O chefe do vilarejo, Moussa Kaye, de 87 anos, é indagado a respeito da última vez que um aldeão teve um verme. Foi há mais de 40 anos, diz ele.>
Neste árido país centro-africano, a luta global para eliminar um terrível parasita que infesta humanos se deparou com um sério entrave: os cães. Eles começaram a ser infectados pelos verme-da-guiné, e ninguém sabe como.>
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Se a resposta não for encontrada logo ou se os vermes começarem a se espalhar para outras espécies - alguns já foram encontrados em gatos e babuínos -, um trabalho de 32 anos para acabar com esse flagelo pode desmoronar, afirmou Mark L. Eberhard, parasitologista dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.>
Quando um patógeno foge do controle em uma população animal, a chance de que ela seja exterminado se torna muito pequena. Uma reserva animal é o beijo da morte para os esforços de erradicação, afirmou Eberhard.>
Nos anos 30, a campanha para erradicar a febre amarela se encerrou quando os cientistas se deram conta de que macacos carregavam o vírus.>
Em 1986, quando o Centro Carter, a entidade filantrópica global de saúde fundada pelo ex-presidente Jimmy Carter, lançou a campanha de erradicação dos vermes, estimava-se que 3,5 milhões de pessoas em 21 países eram afetadas. No ano passado, somente 30 ocorrências em humanos foram registradas: metade no Chade e metade na Etiópia.>
No ano passado, porém, mais de 800 cães no Chade foram infectados pelos vermes.>
Os cachorros não são capazes de infectar as pessoas, mas eles podem levar os vermes aos reservatórios de água usados pela população para beber, e esta é a maneira pela qual humanos normalmente são infectados.>
Por sorte, os cães não causaram um grande surto entre humanos ainda, mas este é meu pesadelo, afirmou Ernesto Ruiz-Tiben, que chefia a campanha do Centro Carter.>
Para evitar isso, o Chade está pagando aldeões para deixar os cães amarrados até que os vermes aflorem em sua pele e possam ser retirados. A recompensa é de US$ 20 em dinheiro.>
Os humanos com vermes são recompensados com US$ 100. Para gerar publicidade, o dinheiro é entregue em cerimônias organizadas nos mercados semanais à beira de estradas. Trabalhando um ano, as pessoas daqui não conseguiriam tais quantias.>
Os vermes são sinônimos de dores agudas. O nome formal da doença é dracunculiasis: aflição causada por pequenos dragões. Alguns estudiosos pensam que os vermes-da-guiné eram as furiosas serpentes que, na Bíblia, atacaram os israelitas no deserto.>
Depois de serem ingeridas, as larvas se alojam em regiões que vão do intestino até logo abaixo da pele, onde se acasalam e crescem. Finalmente, a fêmea expele ácido por sua cabeça, criando uma dolorosa bolha, normalmente na perna ou no pé, mas às vezes também nos olhos ou nos genitais. Quando a bolha explode, a fêmea emerge: como um útero de 90 centímetros.>
Em razão de o verme ter de ser retirado com a ajuda de uma vareta, a uma taxa de 2,5 centímetros por dia, alguns dizem que ele inspirou o Bastão de Esculápio, o símbolo da medicina: uma cobra que envolve um bastão.>
A agonia leva a vítima inevitavelmente a aliviar-se com água fria, onde a fêmea solta suas larvas microscópicas. Para dar continuidade ao ciclo de vida, elas têm de ser ingeridas por minúsculas criaturas aquáticas chamadas copépodes.>
Os cientistas supuseram inicialmente que os cães eram infectados ao beber água contaminada. Mas os casos em humanos e cachorros quase nunca ocorriam nos mesmos vilarejos.>
Especialistas suspeitaram, então, que os culpados eram os peixes que comem os copépodes. Os aldeões que limpavam os peixes davam as entranhas aos seus cachorros. O governo pediu aos aldeões que parassem com essa prática, mas as infecções continuaram.>
Agora, um novo suspeito apareceu: o sapo. Os girinos comem os copépodes que podem sobreviver em sua carne enquanto eles crescem. Os vermes tendem a ocorrer em grupos que comem sapos, como as crianças que os caçam com estilingues e os cães que acompanham essas crianças.>
Especialistas do Centro Carter mandaram larvas encontradas em cães para testes nos Estados Unidos.>
O centro considera que 60 mil cães em 1,8 mil vilarejos estejam suscetíveis à infecção. A ideia de matar os cães foi rejeitada. As pessoas precisam de seus cachorros para caçar, proteger suas cabanas de ladrões, livrar suas plantações de babuínos e afastar as hienas do gado.>
Ao mesmo tempo, o centro tem se frustrado com a demora na erradicação definitiva. E passou a usar a vergonha como tática. As novidades na campanha incluem desenhos animados de uma competição internacional de corrida. Em último, corredores representando o Sudão do Sul e o Mali chegam na frente, enquanto Etiópia e Chade ficam para trás.>
Ruiz-Tiben qualificou o presidente do Chade, Idriss Déby, como passivo em relação ao esforço.>
Mas Philipe Tchindebet Ouakou, coordenador nacional para erradicação do verme-da-guiné no Chade, afirmou que o presidente Déby quer acabar com a praga, mas admitiu que não foi estipulado um prazo para isso.>
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