Publicado em 10 de julho de 2025 às 05:39
Neste momento, parece indiscutível que a corrupção é um dos piores danos que podem ser causados às sociedades democráticas. O uso indevido da autoridade, dos direitos e das oportunidades concedidas pelo exercício do poder é contra a lei e os princípios morais. Mas a realidade é que isso acontece repetidamente.>
Quando (e como) esse impulso amoral nasce no cérebro? Será que somos seres com uma tendência inata à corrupção?>
Vamos antecipar a resposta evitando o fatalismo: a corrupção não é uma doença e, certamente, não é inevitável.>
A neurociência começou a explorar como o poder político e o contexto institucional influenciam a atividade cerebral associada a decisões corruptas ou imorais.>
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Em um cérebro saudável, a tentação de adotar um comportamento corrupto deveria criar um conflito entre o dever e a ação. Assim, os estímulos que incentivam comportamentos corruptos — como obter benefícios pessoais abusando de uma situação vantajosa — seriam combatidos por fatores dissuasores, como o medo de uma possível punição.>
Diante deste dilema, será que podemos prever o que faz a balança pender para um lado ou para o outro para cada indivíduo?>
Há dados que indicam que "cair em tentação" ou sucumbir à corrupção requer a intervenção de vários sistemas cerebrais. Os circuitos que regulam a recompensa, o autocontrole e a avaliação moral do comportamento pessoal são os mais afetados.>
Entre eles, destacam-se os circuitos que recompensam um determinado comportamento, e nos motivam a repeti-lo. Essas são áreas que liberam neurotransmissores no cérebro em resposta à obtenção de dinheiro ou status.>
Como resultado, cada vez que uma ação corrupta (por exemplo, um suborno) é bem-sucedida, a conexão entre os neurônios que incentivam a repetição do comportamento é fortalecida. E isso rompe o equilíbrio entre impulso e controle no cérebro que sucumbe à corrupção.>
De certa forma, a satisfação com o sucesso obtido vai bloquear os mecanismos de avaliação da ética das ações.>
Especificamente, há estruturas responsáveis pelo planejamento de longo prazo e pela inibição de impulsos, cujo funcionamento adequado deve nos ajudar a resistir à recompensa tentadora e apostar em outros benefícios futuros, como construir uma boa reputação ou garantir uma longa carreira política. Mas a ativação dos circuitos de recompensa imediata bloqueia essas vias.>
Além disso, o cérebro é adepto do ditado "quando em Roma, faça como os romanos", o que pode ser devastador na luta contra a corrupção. A razão é que nosso comportamento social foi selecionado, ao longo de milhões de anos de evolução, para nos encaixarmos em um grupo, adotar suas normas e, assim, obter sua aprovação.>
Sair disso exige muita força emocional, criatividade e, muitas vezes, pagar o preço da solidão.>
Portanto, se condutas "duvidosas" são adotadas em nosso entorno, existe o perigo de que o cérebro as adote como suas. Como o experimento de Solomon Asch mostrou anos atrás, a pressão social influencia o julgamento individual, mesmo quando a resposta correta é óbvia.>
Então, em ambientes que normalizam a corrupção, a pressão do meio ativa as áreas do cérebro social, aumentando a motivação para emular o comportamento do grupo, mesmo que contradiga os princípios éticos individuais.>
Se a exposição a práticas corruptas for perpetuada ao longo do tempo, sofremos dessensibilização: a repetição atenua a resposta das áreas nervosas responsáveis pela identificação do perigo e silencia o sinal de "alerta moral" no nosso cérebro.>
A melhor maneira de prevenir a corrupção é mudar o contexto social em que o cérebro humano opera.>
Somos seres sociais, que precisam da aprovação do nosso grupo de referência. Se não exigirmos prestação de contas ou vivermos em contextos institucionais permissivos, estaremos normalizando o comportamento corrupto e atenuando os mecanismos internos de idoneidade.>
Isso dá origem a um fenômeno de "racionalização" que permite que uma conduta inadequada seja reinterpretada até o ponto em que começa a ser percebida como 'necessária' ou, pelo menos, "menos grave", normalizando o comportamento viciado.>
Uma série de evidências mostram esse "ajuste mental" em relação à corrupção. Entre elas, pesquisas baseadas em técnicas de neuroimagem mostram que os detentores de poder modulam sua avaliação de ganhos pessoais "para cima".>
A neurociência também mostrou que, quando as decisões são tomadas em posições de poder, os cérebros processam os custos éticos associados a um ato corrupto de forma mais benevolente.>
A falta de empatia é outro problema, já que esta é uma habilidade que contribui para a consciência social e reduz a propensão a trapacear. A corrupção distorce as prioridades da comunidade, exacerbando a desigualdade. E o cérebro se inclina para qualquer coisa que suponha um benefício pessoal, tornando-se mais "egoísta".>
Em resumo, o poder prolongado tende a reforçar a atenção em objetivos próprios e a enfraquecer as redes neurais de autocontrole. Isso configura um cérebro menos sensível, no qual todos os sinais que permitem a reciprocidade entre as pessoas são desativados.>
Sem dúvida, todas essas evidências podem fornecer novas ferramentas para prevenir a corrupção. O fortalecimento das normas éticas e das redes de controle pode ajudar a "resistir à tentação", restaurando os mecanismos que são inibidos no cérebro corrupto.>
Para o bem comum, é vital implementar as formas mais eficazes de reprovação social.>
*Susana P. Gaytan é professora de fisiologia na Universidade de Sevilha, na Espanha.>
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).>
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