Publicado em 20 de fevereiro de 2025 às 12:44
"Por favor, nos ajudem", diz a mensagem escrita em um pedaço de papel mostrado por duas meninas através da janela de um dos apartamentos do luxuoso hotel Decápolis, na Cidade do Panamá.>
O hotel oferece aos seus hóspedes apartamentos com vista para o mar, dois restaurantes exclusivos, piscina, spa e transporte particular. Mas ele passou a ser um centro de "custódia temporária", que abriga 299 migrantes de diferentes nacionalidades que foram deportados pelos Estados Unidos, segundo informado na última terça-feira (18/2) pelo governo panamenho.>
Alguns dos imigrantes erguem os braços e os cruzam na altura dos pulsos, como que tentando dizer que estão privados da liberdade. Outros penduram pequenos cartazes com mensagens como "não estamos seguros no nosso país".>
Em dias normais, os turistas podem entrar e sair do hotel, sem nenhum inconveniente. Mas, nas circunstâncias atuais, com membros fortemente armados do Serviço Nacional Aeronaval do Panamá fazendo a proteção do lado externo e rigorosas medidas de segurança no seu interior, o edifício parece mais um bunker improvisado do que um hotel de luxo.>
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Da rua, podem ser vistos cabides com roupa lavada pendurados nas janelas. Uma das peças é uma camiseta amarela de basquete do time do Los Angeles Lakers, com o número 24 — a mesma que vestia o lendário jogador Kobe Bryant (1978-2020).>
Em outra janela, um grupo de adultos e três crianças levantam um dos braços com o dedo polegar fixado na palma, fazendo o gesto de auxílio internacional empregado por pessoas que se sentem ameaçadas. No vidro, está escrita a frase em inglês help us ("nos ajude"), com letras vermelhas.>
Em uma janela mais para o outro lado, dois menores de idade com o rosto coberto sustentam contra o vidro folhas de papéis com a mensagem "por favor, salvem as meninas afegãs".>
Estes migrantes foram despachados pelo governo de Donald Trump, como parte da sua política de deportação de pessoas sem documentos. Eles chegaram em três voos na semana passada, depois que o governo do presidente panamenho José Raúl Mulino aceitou transformar o país em uma "ponte" para os deportados em trânsito para outras nações.>
Entre os 299 migrantes, há cidadãos provenientes da Índia, China, Uzbequistão, Irã, Vietnã, Turquia, Nepal, Paquistão, Afeganistão e Sri Lanka, que viajaram no primeiro dos três voos.>
Destes, apenas 171 aceitaram retornar aos seus países de origem. Os outros 128 migrantes que não desejam ser enviados de volta enfrentam, pelo menos até agora, um destino incerto.>
Segundo as autoridades panamenhas, este grupo será trasladado para um acampamento na província de Darién, que serviu, até o momento, para receber temporariamente os migrantes irregulares que cruzavam a floresta com destino aos Estados Unidos.>
Uma mulher iraniana que mora há anos no Panamá declarou à BBC News Mundo — o serviço em espanhol da BBC — que manteve contato com um dos migrantes dentro do hotel Decápolis. Ela descreveu que eles estão "aterrorizados" com a possibilidade de serem levados para o Irã.>
O migrante contou em um celular escondido — já que eles não têm permissão para manter nenhum contato com o exterior do hotel — que existem "vários menores retidos" ali. Eles tiveram negada a presença de um advogado e não têm permissão para sair do quarto, nem mesmo para comer.>
A mulher foi até o hotel e ofereceu sua ajuda como tradutora do idioma farsi, falado no Irã, para o espanhol. Mas foi informada que já havia um tradutor — o que, segundo sua conversa com o migrante dentro do hotel, não era verdade.>
A BBC fez contato com o hotel Decápolis para perguntar sobre as condições em que se encontram os migrantes, mas não houve resposta aos nossos questionamentos.>
Depois que a história dos deportados foi levada a público na terça-feira pela imprensa, foram reforçadas as medidas de segurança para a permanência dos migrantes e seu acesso à internet foi cortado, segundo a mulher iraniana.>
Circula nas redes sociais desde o fim de semana um vídeo que mostra uma das migrantes contando, em farsi, que eles foram detidos depois de cruzar a fronteira para os Estados Unidos. Eles teriam sido informados que seriam trasladados para o Estado americano do Texas, mas acabaram no Panamá.>
No vídeo, a mulher insistiu que suas vidas correm perigo caso regressem ao Irã, devido às possíveis represálias que eles poderiam sofrer do governo daquele país. Ela afirma que sua intenção é pedir asilo político.>
É difícil obter asilo político sem ter acesso a um advogado. E, nesta situação, é ainda mais difícil, pois o governo panamenho anunciou que não ofereceu, nem irá oferecer esta proteção aos cidadãos deportados.>
O ministro da Segurança Pública do Panamá, Frank Ábrego, informou na terça-feira (18/2) que os migrantes estão no país de forma transitória. Ele negou que os estrangeiros estejam em condições de detenção, destacando que eles se encontram sob a proteção das autoridades panamenhas.>
"Nosso acordo com o governo dos Estados Unidos é que eles fiquem sob nossa custódia temporária para sua proteção", declarou Ábrego.>
Questionado sobre a impossibilidade de sair do hotel, Ábrego respondeu que esta é uma medida preventiva e destacou que seu governo deve garantir a segurança e a paz dos panamenhos.>
O ministro alertou que os migrantes que não desejarem regressar aos seus países de origem deverão escolher um terceiro país. Neste caso, a Organização Internacional de Migrações (OIM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) serão os organismos responsáveis pela sua repatriação.>
O Panamá, segundo Ábrego, "recebeu estes senhores migrantes, demos acolhida em um hotel da localidade, no hotel Decápolis, que é o que tem capacidade de recebê-los neste momento.">
O chefe da Segurança Pública também informou que "não é esperada a chegada de novos migrantes" porque não houve acordo sobre outros voos deste tipo.>
O Panamá aceitou ser um país "ponte" para as deportações após a visita do secretário de Estado norte-americano Marco Rubio ao país centro-americano, em meio às tensões causadas pelas ameaças de Trump de "recuperar" a soberania do Canal do Panamá.>
Segundo informado pelas autoridades panamenhas, parte do acordo determina que o Panamá irá oferecer a pista de aterrissagem e os albergues das zonas urbanas da província de Darién para que os migrantes deportados façam o trânsito até o seu destino.>
É na província de Darién que fica a perigosa floresta atravessada pelos migrantes vindos da América do Sul, em sua jornada rumo aos Estados Unidos.>
Um porta-voz da OIM declarou à BBC News Mundo que a organização está encarregada de "oferecer apoio essencial" às pessoas deportadas pelos Estados Unidos.>
"Estamos trabalhando com funcionários locais para ajudar as pessoas afetadas, apoiando o retorno voluntário daqueles que solicitarem e identificando alternativas seguras para os demais", destacou o porta-voz.>
"Mesmo não tendo participação direta na detenção ou restrição de movimento das pessoas, temos o compromisso de garantir que todos os migrantes sejam tratados com dignidade e de acordo com as normas internacionais.">
O principal pesquisador do centro de estudos Instituto de Política Migratória nos Estados Unidos, Muzaffar Chishti, comentou que muitos dos migrantes deportados provêm de países conhecidos como "recalcitrantes" – ou seja, que não colaboram ou não estão abertos para aceitar o retorno de seus cidadãos deportados pelos Estados Unidos.>
"Isso exige constantes negociações diplomáticas com aqueles governos", declarou Chishti à BBC.>
"Enviando os migrantes para o Panamá, os Estados Unidos saem da fotografia", explica ele. "É uma dor de cabeça para o Panamá se encarregar dessas negociações e verificar como fazer para que esses países aceitem recebê-los novamente.">
Uma das grandes questões no momento recai sobre o futuro dos 128 migrantes que não desejam voltar aos seus países de origem, por medo de represálias.>
É esperada para os próximos dias a chegada de um voo com pessoas deportadas dos Estados Unidos para a Costa Rica, outro país centro-americano que fechou um acordo com a Casa Branca para se transformar em "ponte" para levar os migrantes ao seu destino incerto.>
A BBC News Mundo tentou entrar em contato com o governo do Panamá, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.>
* Com colaboração de Sheida Hooshmandi, da BBC News Persa.>
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