Publicado em 4 de julho de 2025 às 19:39
Para Ash Pérez, produtor, escritor e criador de conteúdo de 35 anos, mergulhar na masculinidade foi como viajar por um país desconhecido, com uma cultura e idioma diferentes.>
Em 2020, depois de viver abertamente como uma pessoa queer e bissexual desde os 23 anos, ele começou sua transição física para ser um homem trans. >
Ash abraçou sua identidade depois de perder o pai durante a pandemia de Covid-19. Apesar de seu pai aceitar sua diversidade sexual e de gênero, ele conta que deixar de ser "a menina do papai" foi algo complicado. >
"Essa foi uma das razões pelas quais eu não transicionei antes, não queria que meu pai ficasse decepcionado. Quando ele faleceu, vi a liberdade de explorar meu gênero" explica.>
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Contudo, com a morte do pai, Ash perdeu a única referência masculina que tinha. E, em plena transição, percebeu que precisava de apoio para entrar em uma realidade que desconhecia. >
"Não acreditava que eu sabia tão pouco sobre masculinidade e os homens em geral, me sentia como um extraterrestre aprendendo outro idioma", contou em entrevista à BBC News Mundo — serviço em espanhol da BBC.>
Ash estava enfrentando um dos desafios sociais comuns às pessoas trans, que variam de acordo com o contexto individual e, em alguns casos, se entrelaçam com desafios físicos ligados à terapia hormonal. >
Embora o procedimento seja seguro, de acordo com instituições médicas como a Clínica Mayo, a terapia hormonal envolve riscos, como a possibilidade de causar algumas doenças. >
No meio desse processo, Ash decidiu recorrer a ferramentas que sempre o ajudaram a passar por dificuldades: o riso e a escrita. >
Após conversar com um ex-colega do BuzzFeed, ele criou uma série de vídeos humorísticos em que passava por situações cotidianas junto com outros homens. >
Na produção, que chamou de New Guy Tries, e que teve duas temporadas transmitidas pela plataforma de streaming 2nd Try, ele faz coisas como visitar pela primeira vez uma barbearia ou jogar pôquer com um grupo de amigos. >
No programa, ele conta que descobriu que muitas das ideias preconcebidas que tinha sobre a masculinidade não eram totalmente verdadeiras e que, inclusive, essas crenças socialmente adquiridas podem causar um dano profundo nos homens, como especialistas já alertaram. >
Mas a revelação que ele considera mais importante é que encontrou facetas positivas na masculinidade, depois de sentir desconfiança e medo em relação a ela durante anos por ouvir que era "tóxica" e "nociva". >
Um dos aspectos positivos que ele descobriu enquanto gravava o programa foi o papel do jogo e do esporte. >
Segundo ele, alguns homens usam essas atividades para compartilhar entre si suas emoções, preocupações ou momentos difíceis, mesmo que esse não seja o objetivo principal do encontro. >
"No segundo episódio, quando fomos jogar pôquer, a conversa acabou ficando muito profunda. Terminamos falando sobre os medos que a paternidade traz, quão desprotegidos os homens se sentiam nessa fase e a preocupação que tinham em ser um apoio para suas parceiras", conta. >
"Às vezes, você pode estar assistindo a um jogo de futebol com seu tio, um amigo, e, no meio do comercial, fala algo como: 'Sabe, perdi meu emprego'. Isso é diferente de como eu aprendi a me relacionar com os outros.">
Ele acrescenta que, nos 31 anos que se "socializou como mulher", muitas vezes seus encontros com amigas eram focados apenas em conversar. >
"Sempre tínhamos muita coisa para processar.">
E acredita que certos homens "têm uma habilidade incrível pra brincar, jogar e se divertir, algo que estamos perdendo.">
Ash diz que, após sua transição, começou a se exercitar como nunca. >
Antes, ia à academia com a ideia de perder massa corporal e tinha medo de ganhar volume, porque, segundo os padrões de beleza que lhe ensinaram, era algo associado à masculinidade.>
"Penso que muitas mulheres podem se beneficiar dos treinamentos de força, que vários estudos indicam serem benéficos para a saúde.">
E acrescenta: "Para os homens, ensinam a aumentar o corpo, enquanto para as mulheres, ensinam a diminui-lo".>
Ele também conta que aprendeu a ser aventureiro. >
Na série, ele se anima a fazer algumas loucuras, como participar de uma competição em que arrastam caminhões com carros.>
"Ser aventureiro é algo que aprendi como homem, porque enquanto eu crescia, me diziam que as mulheres são frágeis. E, de certa forma, por causa desse tipo de crença, não é possível identificar todos os benefícios que geralmente se associam à masculinidade", aponta. >
"No mundo em que vivemos, as mulheres às vezes não conseguem aproveitar esses benefícios. Mas, talvez, a nível individual, exista algo disso que elas possam incorporar enquanto mudanças maiores vão acontecendo.">
Como um "cavalo de Troia que ajudou seus amigos a refletir sobre seu gênero", disse Ash, sobre como se sentiu na produção do New Guy Tries.>
Nos programas, participaram homens que, durante anos, compartilharam várias fases da vida juntos. E foi nas discussões que tiveram durante a série que conheceram detalhes íntimos uns dos outros. >
"Nas gravações, me diziam que desconheciam coisas tão básicas como o fato de que seus amigos tinham irmãos. Também como pensavam sobre certos temas, como a paternidade ou seus medos", conta. >
Segundo ele, a razão por trás disso é que não é comum espaços para conversar sobre a masculinidade e que muitos homens são ensinados, desde criança, a esconder suas emoções. >
Ash, que hoje é influenciador nas redes sociais, reforça o que dizem especialistas e pesquisas científicas, que mostram que em alguns países como Estados Unidos e Reino Unido, os homens tendem a sofrer mais com a solidão. >
Essa constante desconexão está associada um "maior risco de sofrer depressão e ansiedade", de acordo com o Escritório do Cirurgião-Geral dos Estados Unidos. >
Ash opina que, embora o sistema patriarcal beneficie os homens, eles também podem ser prejudicados pelos estereótipos e regras que esse sistema perpetua. >
Diante da solidão, alguns recorrem a plataformas com fóruns de conversa online, que muitas vezes se transformam em focos de ideias radicais.>
"Os homens são muito mais do que aquilo que vemos à primeira vista. Se não começarmos a abrir o diálogo e envolvê-los nas discussões sobre gênero, estamos apenas os isolando.">
Apesar de alguns governos ao redor do mundo impulsionarem uma narrativa adversa contra as pessoas trans — como acontece nos Estados Unidos com o governo de Donald Trump, que argumenta que gênero deve ser definido segundo o sexo da pessoa ao nascer —, Ash acredita que essa comunidade busca manter aberto o diálogo sobre os seres humanos diversos que somos. >
"O que buscamos é expandir os limites do gênero", afirma. >
E garante: "Fazemos isso porque há muito mais liberdade quando se cruza para o outro lado.">
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