Publicado em 24 de dezembro de 2025 às 08:44
Os alimentos sustentam o nosso cérebro de diversas formas, para que ele desempenhe muitas funções importantes, como a memória e a concentração. E uma alimentação equilibrada também pode ser um auxílio poderoso para a nossa saúde mental.>
Mas quais são os efeitos imediatos ao cérebro do consumo de refeições fartas, como costumamos fazer na ceia de Natal?>
Quando estamos comendo, diversos sinais em todo o nosso corpo trabalham em conjunto para que o nosso cérebro saiba que estamos satisfeitos.>
Estes sinais incluem os enviados pelos hormônios liberados no intestino e os metabólitos (as moléculas que decompõem os alimentos para gerar energia).>
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Estes hormônios também sinalizam a liberação de insulina pelo pâncreas, para controlar nossos níveis de açúcar. Todo este processo é chamado de "cascata da saciedade".>
"Estes sinais vêm de diferentes partes do nosso intestino e trabalham em períodos de tempo levemente diferentes", explica o professor e endocrinologista clínico Tony Goldstone, do Imperial College de Londres.>
Esta cascata de hormônios liberada pelo intestino e pelo pâncreas e o envio de sinais para o cérebro também podem ter alguma relação com o sono que sentimos após uma grande refeição (a chamada "sonolência pós-prandial").>
Mas os mecanismos exatos responsáveis por este processo ainda não são bem conhecidos, segundo o professor Aaron Hengist, pesquisador visitante dos Institutos Nacionais de Saúde em Washington, nos Estados Unidos.>
De forma geral, acredita-se que esta sensação (apelidada de "coma alimentar"), em grande parte, é o efeito do sangue sendo transportado do cérebro para o estômago. Mas pesquisas indicam que o fluxo sanguíneo, na verdade, não diminui após uma grande refeição.>
São necessárias mais pesquisas para compreender o sono após as refeições, segundo Hengist.>
"A reação dos hormônios intestinais é um coquetel", segundo ele. "Não sabemos quais hormônios específicos podem causar o sono em quais centros do cérebro.">
Surpreendentemente, comer demais esporadicamente tem pouco efeito sobre o nosso metabolismo, segundo Hengist.>
Em 2020, ele publicou os resultados de um estudo que examinou o que acontece quando as pessoas comem além da quantidade necessária para ficarem confortavelmente satisfeitas e quando comem até ficarem a ponto de explodir.>
Para a realização do estudo, 14 homens saudáveis (e muito corajosos) se voluntariaram para comer uma grande quantidade de pizza em uma única refeição.>
Em uma visita, os pesquisadores pediram que eles comessem até ficarem confortavelmente satisfeitos. E, em outra, que comessem o máximo que pudessem.>
Nesta segunda ocasião, eles comeram o dobro da quantidade de pizza consumida na primeira vez.>
Os pesquisadores avaliaram seus níveis de hormônios, apetite, humor e reações metabólicas por quatro horas após os dois banquetes. Eles concluíram que os níveis de açúcar no sangue não eram superiores aos encontrados após uma refeição normal, nem a quantidade de gordura no sangue.>
"Ficamos surpresos ao perceber que, apesar do dobro da ingestão de energia, o corpo regulou o açúcar do sangue muito bem", afirma Hengist.>
"Descobrimos que o corpo trabalhou muito para conseguir isso, secretando mais insulina e diversos hormônios do intestino, que ajudam a liberar insulina e sinalizar que estamos satisfeitos.">
Ele explica que este estudo demonstra que uma indulgência isolada não é tão perigosa como poderíamos imaginar.>
Mas, como o estudo só envolveu homens jovens saudáveis, não é possível extrapolar a pesquisa para a população em geral, sem estudar as mulheres e pessoas obesas ou acima do peso, segundo Hengist.>
Uma sessão comendo pizza pode não causar prejuízos imediatos, mas pesquisas demonstram que comer por várias horas ou um dia inteiro de banquete podem começar a prejudicar o metabolismo e exercer tensão pelo corpo — o que, por sua vez, pode afetar o cérebro.>
Em 2021, um estudo examinou pessoas que comeram demais por um período prolongado e encontrou resultados muito diferentes da pesquisa de Hengist com a pizza.>
Ele foi inspirado na tradição norte-americana de promover festas antes de competições esportivas, onde as pessoas comem muito e bebem álcool.>
Os pesquisadores tentaram reproduzir esta tradição, oferecendo bebidas alcoólicas e alimentos com alto teor de açúcar e gordura (como hambúrgueres, batatas fritas e bolo) a 18 homens saudáveis, mas acima do peso, para que eles passassem uma tarde consumindo.>
Eles comeram, em média, 5.087 calorias ao longo de cinco horas. Exames de sangue e de imagem do fígado revelaram que a maioria deles sofreu aumento do teor de gordura no fígado depois do banquete.>
Pesquisas demonstram que a doença hepática gordurosa não alcoólica pode reduzir a quantidade de oxigênio no cérebro e causar inflamações dos tecidos cerebrais, o que pode aumentar o risco de doenças do cérebro ao longo do tempo.>
Alimentação com alto teor de gordura e açúcar pode causar doença hepática gordurosa não alcoólica a longo prazo. >
"O estudo mostra que os homens apresentaram desregulação metabólica", explica Hengist. "Ao consumir passivamente alimentos e álcool por várias horas, a tensão é grande demais para o corpo suportar.">
A evolução pode nos ajudar a compreender por que talvez não seja tão perigoso comer demais de vez em quando — e como o nosso cérebro e intestino evoluíram para se comunicar entre si quando precisamos nos alimentar.>
Quando estamos com fome, muitos mecanismos entram em ação e nos levam a comer, segundo Goldstone.>
Nosso humor, por exemplo, pode se alterar e podemos nos sentir irritados e com fome. Também aumenta a nossa propensão a desejar alimentos com alto teor energético.>
"Não sabemos exatamente o que gera a irritação da fome", explica Goldstone. "Mas pesquisas em andamento demonstram que a fome é um estado bastante desagradável e, talvez, as pessoas comam para se livrar dele.">
Evidências de estudos com animais demonstram comportamento parecido.>
Estudos destacam como parte do circuito do hipotálamo (uma parte do cérebro que controla o apetite) é silenciada quando roedores veem e cheiram alimentos, antes mesmo de começarem a comer.>
"A fome fez com que eles procurassem comida e, quando a encontram, esse comportamento não precisa continuar", afirma Goldstone. Ele destaca que grande parte deste processo se passa no subconsciente.>
Os seres humanos evoluíram para encontrar formas de lidar com a fome. Afinal, sem comida, nós morremos.>
Mas o excesso não aconteceu ao longo da história humana. E seus efeitos ocorrem a longo prazo e são menos letais, pelo menos no curto prazo, segundo Goldstone.>
Diversos estudos realizados com ratos e camundongos indicam que uma alimentação com alto teor de calorias a longo prazo pode afetar a memória e as funções de aprendizado.>
Mas, em seres humanos, existem menos pesquisas nesta área, segundo Stephanie Kullmann, líder de grupo e chefe da divisão de neuroimagens metabólicas da Universidade de Tübingen, na Alemanha.>
Mas um estudo oferece algumas indicações sobre o que acontece no nosso cérebro quando comemos alimentos com alto teor de açúcar e gordura em quantidade excessiva. E suas descobertas poderiam ser aplicadas, até certo ponto, a períodos mais curtos de alimentação em excesso, segundo Kullmann.>
Em um estudo, 18 homens saudáveis comeram uma dieta com alto teor de calorias por cinco dias — especificamente, lanches ultraprocessados com alto teor de açúcar e gordura — além da sua dieta normal.>
Em média, eles comeram 1,2 mil kcal a mais por dia. Outros 11, em um grupo controle, não alteraram sua alimentação.>
Os resultados demonstraram que a dieta com alto teor de calorias afetou a reação do cérebro à insulina, em áreas que ajudam a reduzir sua resposta às indicações visuais sobre alimentos e processos de memória.>
O cérebro resistente à insulina não reduz adequadamente o apetite e a ingestão de alimentos, sinais que nos orientam a parar de comer quando estamos satisfeitos.>
"Uma descoberta importante foi que o cérebro muda antes do corpo", segundo Kullmann.>
"Os participantes continuavam com o mesmo peso, mas, quando observávamos o cérebro, víamos que eles estavam muito mais próximos de uma pessoa obesa ou que estivesse acima do peso há alguns anos", explica ela.>
Pesquisas indicam que, em pessoas obesas, o hipotálamo e o sistema de recompensas do cérebro (que ajudam a regular nossa ingestão de alimentos) podem ser prejudicados.>
Este estudo amplia as pesquisas existentes, segundo Kullmann. Ele mostra a comunicação entre o intestino e o cérebro e demonstra como o eixo é diferente nas pessoas obesas.>
Especificamente, as pessoas obesas apresentam maior propensão a escolher porções maiores de alimentos, quando pensam em prazer.>
Os participantes do estudo de Kullmann foram orientados a retomar sua alimentação normal após os cinco dias da pesquisa. Mas, uma semana depois, novos testes demonstraram que a memória e as partes cognitivas do cérebro ainda reagiam menos do que antes do início da dieta com teor de calorias mais alto.>
É conhecimento bem estabelecido que períodos prolongados de alimentação (especialmente com alto teor de açúcar e gorduras saturadas) não fazem bem para o cérebro. E, embora existam menos estudos observando os impactos de um banquete isolado sobre o nosso corpo, as evidências existentes sugerem que isso não é prejudicial para o cérebro. >
"O nosso estudo mostra que uma indulgência isolada não é tão prejudicial como se poderia esperar", afirma Aaron Hengist. "Por isso, boa ceia de Natal!">
Mas ele destaca que ir além disso pode começar a criar tensão sobre o corpo.>
Mesmo cinco dias podem ser suficientes para criar efeitos duradouros sobre o cérebro, segundo as pesquisas de Stephanie Kullmann.>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.>
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