Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 15:44
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, pode ter, para alguns, a fama de autocrata implacável e hábil manipulador do cenário internacional. Mas há algo que o presidente da Rússia não tem: poker face (um rosto capaz de disfarçar um blefe, em tradução livre).>
O falecido senador americano John McCain costumava brincar que, ao olhar nos olhos de Putin, via três coisas: "um K, um G e um B", numa referência ao passado do líder russo como agente da KGB, o serviço de inteligência soviético.>
A lembrança veio ao assistir a imagens de Putin sentado frente a frente com enviados dos Estados Unidos no Kremlin, sede do governo russo. Ele não escondia as emoções; exalava confiança absoluta.>
Para Putin, a maré diplomática virou a seu favor, com a melhora das relações com os EUA e avanços no campo de batalha.>
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Alguns analistas afirmam que o presidente russo não tem incentivo para recuar de suas exigências: que a Ucrânia abra mão dos 20% finais da região de Donetsk que ainda controla; que todos os territórios ocupados sejam reconhecidos internacionalmente como russos; que o Exército ucraniano seja reduzido a um patamar inoperante; e que a adesão à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) seja descartada para sempre.>
Diante desse cenário, há alguns desfechos possíveis. Um deles é o presidente dos EUA, Donald Trump, tentar impor à Ucrânia um cessar-fogo em condições rejeitadas pela população do país, com cessão de território e sem garantias de segurança suficientes para evitar uma nova agressão russa.>
Se a Ucrânia resistir ou se a Rússia vetar o acordo, Trump já sinalizou que pode se afastar do conflito. Na semana passada, afirmou que "às vezes é preciso deixar que as pessoas resolvam a luta entre si".>
Ele poderia suspender o acesso da Ucrânia a informações de inteligência dos EUA consideradas vitais, usadas tanto para detectar a aproximação de drones russos quanto para atingir instalações energéticas da Rússia.>
Outra possibilidade é que a guerra simplesmente se prolongue, com as forças russas avançando lentamente no leste do país.>
A nova estratégia de segurança nacional do governo Trump sugeriu que a Rússia deixou de ser uma "ameaça existencial" aos EUA e defendeu que o país "restabeleça a estabilidade estratégica" com Moscou.>
Diante das incertezas sobre o apoio dos EUA à Ucrânia, há algo que possa mudar a posição de Putin? E que alternativas teriam a própria Ucrânia, a Europa e até a China para agir de forma diferente?>
No momento, a Europa se prepara para um cessar-fogo. Sob o rótulo de "coalition of the willing" (coalizão dos dispostos, em tradução livre), articula uma força militar internacional para ajudar a Ucrânia a dissuadir uma futura invasão russa, além de um esforço financeiro para reconstruir o país devastado pela guerra.>
Algumas autoridades, porém, avaliam que a Europa deveria, em vez disso, se preparar para a continuidade do conflito.>
A ideia seria ajudar a Ucrânia não apenas as batalhas mais imediatas, com mais drones e recursos financeiros, mas também oferecer apoio de longo prazo e se preparar para um confronto de 15 a 20 anos com a Rússia.>
A Europa também poderia ampliar a proteção do espaço aéreo ucraniano contra drones e mísseis. Já existe um plano, a European Sky Shield Initiative (Iniciativa Europeia de Escudo Aéreo, em tradução livre), que poderia ser expandido para permitir que sistemas de defesa aérea europeus protegessem o oeste da Ucrânia.>
Outros defendem o envio de tropas europeias ao oeste do país para patrulhar fronteiras, liberando soldados ucranianos para atuar na linha de frente. A maioria dessas propostas, contudo, foi rejeitada pelo receio de provocar a Rússia ou escalar o conflito.>
Keir Giles, pesquisador sênior associado do programa Rússia e Eurásia do centro de estudos Chatham House, afirmou que esses receios são absurdos, já que tropas ocidentais já estão em solo ucraniano e o plano Sky Shield poderia ser implantado no oeste do país com pouca chance de confronto com aeronaves russas.>
Na avaliação dele, líderes europeus precisam "entrar no conflito de uma forma que realmente faça diferença".>
Segundo Giles, "a única coisa que, de forma inequívoca e inegável, deterá a agressão russa é a presença de forças ocidentais suficientemente fortes nos pontos que a Rússia pretende atacar, aliada à demonstração de vontade e determinação para empregá-las na defesa".>
Essa estratégia, naturalmente, traria enormes dificuldades políticas, já que parte do eleitorado da Europa Ocidental não está disposta a assumir o risco de um confronto com a Rússia.>
Poucos analistas esperam que a Ucrânia consiga reverter o curso da guerra e obter ganhos territoriais próprios.>
Após passar várias semanas recentemente na Ucrânia, não ouvi qualquer menção a uma ofensiva de primavera, apenas à necessidade de desacelerar o avanço russo e aumentar o preço pago em sangue e recursos.>
Alguns diplomatas ocidentais afirmam que generais russos estariam enganando o presidente da Rússia ao apresentar a situação no campo de batalha como melhor do que realmente é. Segundo eles, isso faz parte de uma estratégia deliberada de inflar os ganhos russos, com o objetivo de sugerir que a Ucrânia está em desvantagem e, assim, pressioná-la a buscar a paz.>
De acordo com Thomas Graham, na revista americana de política internacional Foreign Affairs, neste ano a Rússia conquistou apenas 1% do território ucraniano, ao custo de mais de 200 mil mortos e feridos.>
Fiona Hill, pesquisadora sênior do Centro para os EUA e Europa da Brookings Institution, que integrou o Conselho de Segurança Nacional do governo Trump em seu primeiro mandato, afirma que o principal trunfo de Putin é o fato de muitas pessoas acreditarem que a Ucrânia está perdendo a guerra.>
"Todo mundo fala da Ucrânia como derrotada quando, na realidade, ela tem hoje a força militar mais potente da Europa", disse. "Basta pensar no que eles fizeram com a Rússia. É notável que tenham resistido por tanto tempo, sobretudo lutando com uma das mãos amarrada atrás das costas.">
Há ainda o instrumento das sanções. A economia russa, sem dúvida, sofre: inflação em 8%, juros em 16%, desaceleração do crescimento, déficits orçamentários em alta, queda da renda real e aumento de impostos sobre o consumo.>
Um relatório da Peace and Conflict Resolution Evidence Platform, iniciativa internacional de pesquisa que reúne e analisa evidências acadêmicas sobre guerras, afirma que a economia de guerra russa está ficando sem tempo. "A economia russa tem hoje muito menos capacidade de financiar a guerra do que tinha no início do conflito, em 2022", dizem os autores.>
Até agora, porém, nada disso parece ter alterado de forma significativa o cálculo do Kremlin, em parte porque empresas encontraram maneiras de driblar as restrições, como o transporte de petróleo em "navios fantasmas".>
Tom Keatinge, diretor do Centro de Finanças e Segurança do Royal United Services Institute (Reino Unido), afirmou que a comunicação do Ocidente sobre as sanções é confusa e repleta de brechas.>
Segundo ele, a Rússia contornaria as recentes sanções dos EUA contra duas gigantes do petróleo russo, Lukoil e Rosneft, simplesmente reetiquetando o petróleo exportado como se fosse de empresas não sancionadas.>
Keatinge disse que, se o Ocidente realmente quisesse prejudicar a economia de guerra russa, deveria impor um embargo total ao petróleo do país e aplicar integralmente sanções secundárias contra os países que ainda o compram. "Precisamos parar de ser complacentes e adotar um embargo total", afirmou. "Precisamos levar a implementação das sanções tão a sério quanto o Kremlin leva a sua burla.">
Em tese, as sanções também poderiam afetar a opinião pública russa. Em outubro, uma pesquisa do Centro Russo de Pesquisa da Opinião Pública (VCIOM, na sigla em russo), órgão estatal, mostrou que 56% dos entrevistados disseram se sentir "muito cansados" do conflito, ante 47% no ano anterior.>
Ainda assim, o consenso entre especialistas no Kremlin é que grande parte da população russa segue apoiando a estratégia de Putin.>
A União Europeia poderia concordar em usar cerca de € 200 bilhões (cerca de R$ 1,1 trilhão) em ativos russos congelados para gerar um chamado "empréstimo de reparação" para a Ucrânia. A proposta mais recente da Comissão Europeia é levantar € 90 bilhões (cerca de R$ 490 bilhões) ao longo de dois anos.>
Em Kiev, autoridades já contam com a liberação dos recursos. Ainda assim, a União Europeia hesita.>
A Bélgica, onde está a maior parte dos ativos russos, teme há anos ser processada pela Rússia e, na sexta-feira, o Banco Central da Rússia anunciou uma ação judicial contra o banco belga Euroclear em um tribunal de Moscou (Rússia).>
O governo belga afirma que não concordará com o empréstimo se os riscos legais e financeiros não forem compartilhados de forma mais explícita com os demais países do bloco. A França também manifesta preocupações: diante de seu elevado endividamento, teme que o uso dos ativos congelados comprometa a estabilidade da zona do euro.>
Os líderes da UE tentarão novamente chegar a um acordo quando se reunirem em Bruxelas em 18/12, na última cúpula antes do Natal. Diplomatas, porém, dizem que não há garantia de sucesso.>
Há ainda divergências sobre a destinação dos recursos: manter o Estado ucraniano funcionando agora ou financiar a reconstrução do país após a guerra.>
No caso da Ucrânia, o país poderia mobilizar mais integrantes de suas Forças Armadas.>
Ela segue como o segundo maior Exército da Europa (atrás apenas da Rússia) e o mais avançado do ponto de vista tecnológico, mas, ainda assim, enfrenta dificuldades para defender uma linha de frente de cerca de 1.300 km.>
Após quase quatro anos de guerra, muitos soldados estão exaustos, e as taxas de deserção aumentam.>
Recrutadores do Exército enfrentam mais dificuldades para preencher as vagas, já que alguns homens mais jovens se escondem para escapar do alistamento forçado ou deixam o país. A Ucrânia, porém, poderia ampliar suas leis de conscrição.>
Atualmente, apenas homens de 25 a 60 anos são obrigados a estar disponíveis para lutar. Trata-se de uma estratégia deliberada de Kiev para lidar com os desafios demográficos do país: com baixa taxa de natalidade e milhões de cidadãos vivendo no exterior, a Ucrânia não pode se dar ao luxo de perder o que passou a ser chamado de "os pais do futuro".>
Isso causa estranhamento fora do país. "Acho incrível que a Ucrânia não tenha mobilizado seus jovens", me disse um alto oficial militar do Reino Unido. "Penso que a Ucrânia deve ser um dos únicos países da história a enfrentar uma ameaça existencial sem lançar seus enlouquecidos jovens de 20 anos no combate.">
Hill, do Centro para os EUA e Europa da Brookings Institution, afirmou que a Ucrânia apenas aprendeu a lição da história e do impacto devastador que a Primeira Guerra Mundial teve sobre os impérios europeus do século 20, que entraram em declínio após não conseguirem recuperar o crescimento populacional que havia impulsionado sua ascensão econômica.>
"A Ucrânia está simplesmente pensando em seu futuro demográfico.">
Se a Ucrânia conseguisse importar e fabricar mais mísseis de longo alcance, poderia atingir a Rússia com maior intensidade e profundidade.>
Neste ano, o país intensificou ataques aéreos contra alvos tanto em territórios ocupados quanto na Federação Russa. No início deste mês, comandantes militares ucranianos disseram à Radio Liberty que haviam atingido mais de 50 instalações de combustível e da infraestrutura militar-industrial da Rússia durante o outono.>
Alexander Gabuev, diretor do centro de pesquisa Carnegie Russia Eurasia Center (Alemanha), afirma que alguns russos enfrentaram escassez de combustível no início do ano. "Até o fim de outubro, drones ucranianos haviam atingido ao menos uma vez mais da metade das 38 principais refinarias da Rússia", disse.>
"Interrupções na produção se espalharam por várias regiões, e alguns postos de gasolina russos começaram a racionar combustível.">
Mas ataques mais profundos contra a Rússia teriam impacto, quando tanto o Kremlin quanto a opinião pública no país parecem indiferentes?>
Mick Ryan, ex-major-general do Exército australiano e atualmente pesquisador do Center for Strategic and International Studies (EUA), afirma que ataques em profundidade não são uma solução milagrosa.>
"Eles são um esforço militar extraordinariamente importante, mas insuficientes, por si só, para levar Putin à mesa de negociações ou vencer a guerra", disse.>
Já Sidharth Kaushal, pesquisador sênior em ciências militares do centro de estudos Royal United Services Institute (Reino Unido), afirmou que mais ataques em profundidade certamente causariam danos à infraestrutura energética e militar da Rússia, além de consumir seus mísseis de defesa aérea. Ele alertou, porém, que a tática pode ser contraproducente.>
"Isso poderia reforçar o argumento da liderança russa de que uma Ucrânia independente representa uma ameaça militar significativa", afirmou.>
Ainda há, apesar de tudo, um caminho diplomático.>
Alguns analistas sustentam que, se Vladimir Putin tiver uma saída honrosa para a guerra, pode optar por aceitá-la.>
A tese é a seguinte: um acordo permitiria que ambos os lados reivindicassem vitória. Por exemplo, um cessar-fogo ao longo da linha de contato; áreas desmilitarizadas; nenhuma formalização do reconhecimento territorial. Concessões de parte a parte.>
Mas esse acordo exigiria um envolvimento firme dos EUA com a Rússia, com a formação de equipes de negociação e o uso do peso americano para viabilizar um entendimento.>
"Os Estados Unidos precisam mobilizar a formidável influência psicológica que possuem sobre a Rússia", argumentou Thomas Graham. "Não se pode subestimar o papel que os Estados Unidos e Trump, pessoalmente, desempenham ao validar a Rússia como grande potência e Putin como líder global.">
O fator imprevisível é a China. O presidente chinês, Xi Jinping, é um dos poucos líderes mundiais a quem Putin dá ouvidos. Quando Xi alertou, no início do conflito, contra ameaças russas de uso de armas nucleares, o Kremlin rapidamente recuou.>
A máquina de guerra russa também depende fortemente do fornecimento chinês de bens de uso duplo, como componentes eletrônicos ou máquinas que podem ser empregadas tanto para fins civis quanto militares.>
Assim, se Pequim concluísse que a continuidade da guerra deixou de atender aos interesses da China, teria influência significativa sobre o cálculo do Kremlin.>
Por ora, os EUA não dão sinais de tentar incentivar ou pressionar a China a atuar sobre Moscou. A questão é saber se Xi estaria disposto a exercer essa influência por iniciativa própria.>
No momento, a China parece satisfeita em ver os EUA distraídos, os aliados transatlânticos divididos e o restante do mundo enxergar o país como uma fonte de estabilidade. Mas, se a invasão russa se intensificar, se os mercados globais forem abalados ou se os EUA impuserem sanções secundárias à China como punição pelo consumo de energia russa barata, o cálculo em Pequim pode mudar.>
Por ora, porém, Putin acredita estar em posição confortável, com o tempo a seu favor. Quanto mais o conflito se prolongar, dizem analistas, mais o moral ucraniano cairá, mais divididos ficarão seus aliados e mais território a Rússia conquistará na região de Donetsk.>
"Ou libertamos esses territórios pela força das armas, ou as tropas ucranianas deixam esses territórios", disse Putin na semana passada.>
"Nada mudará a posição dele", afirmou Hill, do Centro para os EUA e Europa da Brookings Institution. "A menos que ele saia de cena. Putin aposta agora que consegue manter isso por tempo suficiente para que as circunstâncias joguem a seu favor.">
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