Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 16:44
Não houve surpresa. Como previam as expectativas, o Chile elegeu no domingo (14/12) o direitista José Antonio Kast como seu próximo presidente.>
Em sua terceira tentativa de chegar à presidência, o líder conservador obteve 58,16% dos votos, impondo uma ampla vantagem à candidata da esquerda, a comunista Jeannette Jara, com 41,84%.>
Kast contou com o apoio de todos os setores da direita do país. Ele conseguiu se eleger propondo um "governo de emergência", com um duro discurso em termos de segurança e imigração, duas preocupações que se tornaram prioridade para os chilenos.>
O triunfo do ex-parlamentar representa a maior guinada para a direita desde o retorno do Chile à democracia, em 1990. Ela ocorre depois de quatro anos do governo de esquerda do atual presidente, Gabriel Boric.>
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Kast venceu em todas as regiões do país e se tornou o presidente mais votado da história do Chile, com pouco mais de 7,2 milhões de votos.>
Este resultado se justifica, em parte, pelo crescimento do eleitorado chileno e por se tratar da primeira eleição presidencial no país com voto obrigatório.>
Mas seu resultado contundente tem diversas explicações — e traz consigo desafios consideráveis.>
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"O medo.">
Esta é a resposta do doutor em sociologia Eugenio Tironi, questionado sobre os principais fatores que explicam o triunfo de Kast no Chile.>
Tironi também é consultor e se refere precisamente ao medo registrado entre os chilenos durante esta campanha presidencial, em relação à segurança pública.>
"Existem diversos fatores, mas acredito que, basicamente, é o medo", explica ele. "O medo da criminalidade, da migração descontrolada [geralmente observada como associada ao crime] e, por fim, o medo da insegurança produzida pela estagnação econômica.">
"Existe um desejo de mudança, mudança de políticos, de estilo, de forma de governo. E Kast capitalizou isso muito bem", afirma o analista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.>
A sensação de insegurança aumentou no país sul-americano nos últimos anos, entre outros motivos, devido ao aumento registrado dos níveis de violência em delitos comuns, como assaltos. Além disso, também foi detectada a presença no país de grupos criminosos internacionais.>
De fato, este tema marcou profundamente o governo Boric. O presidente se viu forçado a reformular suas prioridades e potencializar suas ações em relação à criminalidade.>
O presidente eleito soube aproveitar esta preocupação dos cidadãos chilenos. Com um discurso "linha-dura" contra o crime organizado e a criminalidade em geral, Kast conseguiu elaborar uma resposta que encontrou eco entre os eleitores.>
No Chile, o crime organizado foi vinculado à imigração irregular, devido à entrada no país de grupos como o Tren de Aragua.>
Existem no país cerca de 300 mil imigrantes que ingressaram de forma irregular. Kast fez deles uma de suas prioridades.>
O presidente eleito os convocou a abandonar o território chileno e se comprometeu a expulsá-los do Chile.>
A analista e especialista em comunicação Paula Walker concorda que Kast capitalizou o medo dos chilenos em relação a estes assuntos, mas faz uma ressalva.>
"É uma campanha que se serve do medo, mas, quando precisa desenvolver suas peças, não apela a este receio", afirma ela. "Não se desenvolve ancorada em imagens obscuras, pelo contrário. Neste sentido, sua campanha chegou a oferecer esperança.">
O jornalista e escritor chileno Ascanio Cavallo também indica que Kast conseguiu encarnar uma promessa de mudança em temas mais amplos, que afetam diariamente a vida das famílias chilenas, como o desemprego, a saúde e a educação.>
Um dos principais desafios de Kast neste particular será gerenciar as expectativas estabelecidas neste campo. E, no seu primeiro discurso à nação, sinalizou sua moderação.>
"Não se verão resultados no dia seguinte", declarou ele. "Isso exige perseverança, fortaleza e sabedoria.">
E acrescentou: "Não nos peçam milagres, peçam-nos energia".>
Um fator que marcou a terceira tentativa de José Antonio Kast para chegar à presidência do Chile foi sua aparente moderação.>
Em 2021, quando perdeu o segundo turno para Gabriel Boric, sua narrativa era completamente diferente.>
Ele se mostrou contrário aos direitos da população LGBTQIA+ e ao aborto — mesmo em caso de risco para a vida da mulher, inviabilidade fetal e estupro, situações em que o aborto é permitido pela legislação chilena.>
Kast chegou a propor a perseguição a agitadores radicais de esquerda e tornou pública sua admiração pelo ex-ditador chileno Augusto Pinochet (1915-2006).>
Mas, desta vez, ele não defendeu nenhum destes pontos. Sua estratégia foi pragmática e monotemática: um governo de emergência, dedicado a impor a ordem, com "linha dura" contra os criminosos e delinquentes, além dos imigrantes irregulares.>
Quando alguém o questionava sobre a questão dos valores, sua resposta era sempre a mesma: estes temas não são prioridade dos chilenos. E, em outros assuntos complexos, ele respondia apenas "depende", para evitar impor posições que pudessem custar sua eleição.>
Sua aparente moderação também se viu reforçada pelo surgimento de outra figura alinhada à direita: o deputado libertário Johannes Kaiser, que atingiu expressiva votação no primeiro turno e apoiou Kast no segundo.>
Desta vez, Kaiser foi quem desempenhou o papel mais extremo. Ele propôs, por exemplo, conceder indulto aos condenados por violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar (1973-1990).>
Durante a campanha do segundo turno, Kast aprofundou suas mensagens para a direita mais liberal e mesmo para o centro político.>
Ele também acenou aos eleitores do populista Franco Parisi, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno presidencial de 16 de novembro. Ele atingiu 20% dos votos.>
Nesse período, Kast recebeu o apoio do ex-presidente chileno Eduardo Frei (1994-2000), integrante histórico da Democracia Cristã, de centro.>
Todos os analistas consultados pela BBC News Mundo concordam que a aparente moderação de Kast foi um fator que influenciou significativamente a histórica votação obtida no domingo (14/12).>
"Isso foi muito importante", afirma Tironi. "Permitiu a ele carregar o voto de centro, carregar o voto da direita do velho arco da Conciliação [a coalizão de centro-esquerda que liderou a transição democrática após a queda de Pinochet] e permitiu carregar os votos de Parisi.">
"Tudo isso teria sido muito mais difícil se ele insistisse na sua agenda de valores", explica ele.>
A grande pergunta que se abre no Chile é se Kast continuará aprofundando esta posição ou se, depois de eleito, passará a ser mais sincero ao se definir sobre temas que se esquivou de abordar no período eleitoral.>
Com um discurso anti-imigração que relembra Donald Trump, uma promessa de cortes de gastos fiscais e redução do Estado ao estilo de Javier Milei e sua proximidade de outras figuras de viés autoritário, como Nayib Bukele, de El Salvador, e Viktor Orbán, da Hungria, alguns oposicionistas se perguntam se Kast seguirá ou não este caminho.>
Seus primeiros sinais indicam o sentido contrário.>
No seu primeiro discurso à nação, Kast afirmou que seu governo de emergência "não significa autoritarismo, de nenhuma forma".>
O presidente eleito também confirmou que renunciaria ao Partido Republicano, repetiu várias vezes que pretende ser o presidente de todos os chilenos e estendeu a mão à própria Jeannette Jara e sua futura oposição.>
"Um governo não se constrói apenas com seus partidários, mas também com a oposição", declarou Kast.>
No Chile, a última vez em que um presidente transmitiu a faixa presidencial a um sucessor do mesmo grupo político ocorreu em 2006, quando Michelle Bachelet foi eleita sucessora do então presidente Ricardo Lagos.>
Desde então, em meio a uma série de protestos sociais (2019-2020) e dois processos constitucionais fracassados (2022 e 2023), o país sempre preferiu a alternância de poder.>
Esta tendência não é exclusiva do Chile e vem se tornando cada vez mais comum em todo o mundo. Ela também foi observada em outros países da América Latina, nas recentes eleições no Uruguai e na Bolívia.>
O chamado "voto de impugnação", que rejeita quem está no poder no momento da eleição, foi um fator que jogou contra Jeannette Jara.>
A candidata de esquerda representava a continuidade do governo de Gabriel Boric. Ela foi sua ministra do Trabalho e, apesar das suas críticas duras ao governo, não conseguiu se distanciar da figura do atual presidente.>
Mas nem tudo se explica por este motivo. Vários especialistas indicam que a vitória de Kast também representa um castigo para o próprio Boric e seu governo.>
"Algumas ações do governo foram muito bem utilizadas pela candidatura de Kast", segundo Walker, como "problemas de gestão e decisões políticas mal tomadas, o que ele capitalizou muito bem".>
Para Cavallo, a derrota de Jara pode ser explicada, em grande parte, por ela ter sido o rosto da continuidade" de um governo muito ruim, um governo muito amador, muito pouco responsável em algumas coisas".>
"Não em todas, mas em algumas, sim, e com pouca profundidade histórica", explica ele.>
Tironi afirma que é difícil saber até onde vai o voto impugnador e onde começa a responsabilidade do governo Boric na entrega da faixa presidencial à oposição.>
"O governo se esforçou para reagir a algumas demandas que não existiam quando o presidente Boric foi eleito", explica ele. "Ele foi eleito com demandas de mudanças sociais, com demandas progressistas, e, agora, sai com demandas conservadoras.">
"O governo Boric tentou se adaptar, mas um pouco tardiamente, com dificuldade, com problemas de gestão e esta agenda claramente não está no seu DNA. É uma agenda muito mais natural para uma opção de direita.">
"Por isso, acredito sinceramente que o governo não poderia ter alterado este destino", afirma Tironi.>
Mas Jeannette Jara trazia mais um peso: sua militância comunista.>
Administradora pública de origem popular, Jara não conseguiu afastar este rótulo, mesmo tendo prometido renunciar ao seu partido, se fosse eleita presidente do Chile.>
Analistas acreditam que este fator representou uma desvantagem considerável para a candidata.>
"Ser militante comunista é uma dificuldade, não tenho nenhuma dúvida disso", afirma Walker. "Existem muitas pessoas que realmente não se sentem à vontade para votar em uma candidata comunista. E temos dois milhões de votos de diferença.">
Mas ela destaca que a ex-ministra conseguiu se desvincular em grande parte desse ativismo.>
Cavallo acrescenta que "não estou falando dos dotes pessoais de Jara, nem de nada neste sentido, mas eleger uma militante comunista é um contrassenso mundial, não mais local. Isso limitava seu potencial e explica por que sua derrota foi tão severa.">
Já Tironi acredita que, se observarmos os resultados, este fator não foi tão determinante. Para ele, "talvez no mundo rural, mas no mundo urbano, sobretudo em Santiago e em Valparaíso, foi pouco".>
"Porque Jara rompeu um pouco o telhado de vidro do comunismo. Ela conseguiu vencer em muitos municípios populares importantes, um eleitorado que não se deixou levar pelo estigma comunista", declarou Tironi.>
"O que, sim, é verdade é que, nos municípios mais ricos e no mundo rural, este fator deve haver pesado, pois Kast chegou a ganhar cerca de 85% dos votos nos municípios do que chamamos de 'bairro alto de Santiago'.">
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Apesar do seu triunfo histórico, José Antonio Kast não foi um fenômeno por si próprio. No primeiro turno, ele obteve apenas 23% dos votos, abaixo dos 27% conseguidos na mesma eleição, em 2021.>
Para a vitória de domingo (14/12), foi importante o apoio de outras figuras da direita que disputaram o primeiro turno, como o libertário Johannes Kaiser, representante de uma linha mais dura, e a defensora da direita tradicional, Evelyn Matthei, que encarna a visão política do ex-presidente Sebastián Piñera (1949-2024).>
Kaiser e Matthei ofereceram seu apoio inequívoco a Kast, da mesma forma que a família de Piñera.>
Sempre se diz que os votos não são transferidos automaticamente. Mas o certo é que, se olharmos os números, tanto os votos de Kaiser quanto os da maioria dos eleitores de Matthei passaram para o republicano.>
Da mesma forma, é possível observar preliminarmente que pelo menos uma parte dos votos de Parisi também se destinaram a Kast.>
O presidente eleito agradeceu a todos eles e aos seus "votos emprestados", na noite da eleição.>
"Muito obrigado aos que se somaram no segundo turno", declarou Kast. "Obrigado aos que votaram em outras candidaturas e hoje, livremente, decidiram apoiar este caminho de mudanças.">
"Unidos, conseguimos uma maioria histórica.">
No mundo da direita, o presidente eleito foi alertado sobre o risco de se embriagar com seu triunfo tão contundente. Este quadro traz consigo vários desafios para seu futuro governo.>
Para sustentar sua base de apoio, Kast precisará conciliar as visões opostas de país, defendidas pelos diferentes setores da direita com quem terá que governar.>
O novo presidente não terá maioria no Congresso. Por isso, ele precisará garantir a governabilidade com seus próprios votos, do Partido da Gente de Parisi e da oposição para aprovar suas políticas.>
Por outro lado, será fundamental que o governo Kast ofereça resultados oportunos nos temas definidos como suas prioridades, para evitar uma rápida perda de apoio da população.>
Sobre este tema, Walker destaca que "todos os presidentes ganham com votos emprestados" e que o relevante é que "temos, atualmente, o país completamente pintado de azul [a cor do partido do governo eleito] e isso é impressionante.">
"Se este é um sinal de adesão à figura de Kast ou não, não sei se é muito relevante. O importante é que existe uma coalizão de direita, liderada por ele, que foi capaz de derrotar a esquerda de forma substancial, com uma diferença de dois milhões de votos.">
Somente a partir da posse, no dia 11 de março, poderemos saber se Kast será capaz de fazer deste triunfo eleitoral um ativo duradouro.>
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