Publicado em 16 de fevereiro de 2025 às 18:44
A toupeira-cega-da-palestina é a definição de um ser introvertido. Ela mora no subsolo, em uma profundidade de cerca de 30 cm, e cava sistemas de túneis onde fica durante a maior parte da vida, comendo raízes, tubérculos e bulbos. Cada toupeira-cega tem seu próprio território: se uma delas acidentalmente cavar o túnel de outra, elas mostrarão os dentes ou morderão umas às outras em batalhas violentas, muitas vezes mortais.>
As toupeiras-cegas geralmente só interagem com outros animais de sua espécie durante a temporada de acasalamento, mas mesmo assim, devem proceder com cautela. >
O macho cava o solo em direção a uma fêmea, mas faz uma pausa antes de entrar em seu túnel. Por vários dias, eles enviam sinais vibracionais um ao outro tamborilando no teto do túnel com suas cabeças. >
Somente quando a fêmea expressa interesse em se encontrar, o macho avança, acasala com ela e vai embora. Após fechar o túnel atrás dele, ele continua seu modo de vida recluso.>
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Estilos de vida solitários como esse são muito comuns no reino animal. Mesmo entre os mamíferos — um grupo geralmente sociável — 22% das espécies estudadas são amplamente solitárias, o que significa que machos e fêmeas dormem e buscam comida sozinhos na maior parte do tempo.>
Mas animais solitários recebem relativamente pouca atenção dos cientistas.>
Talvez porque nós humanos somos criaturas sociais, tenhamos sido mais atraídos para estudar criaturas que vivem em grupos - quer seja para proteção ou para encontrar comida, procriar e criar filhotes. >
Por muito tempo, muitos cientistas tenderam a ignorar a vida solitária, considerando-a um estado de existência mais primitivo e básico, associado a comportamento antissocial e inteligência fraca.>
Mas os pesquisadores agora estão começando a reconhecer que alguns animais evoluíram para serem solitários porque isso tem benefícios: evitar a competição e as condições estressantes da vida em grupo. >
Para começar, muitos animais solitários são de fato altamente inteligentes e vivem vidas sociais diversas e complexas, apesar de sua solidão. >
Embora as toupeiras-cegas sejam uma exceção, muitos animais solitários toleram, aprendem e ocasionalmente até cooperam com outros de sua espécie, permitindo-lhes desfrutar do melhor dos dois mundos.>
Viver em grupos certamente tem muitos benefícios. As zebras encontram segurança em rebanhos e leões frequentemente caçam juntos para atacar presas maiores e mais rápidas do que eles. Alguns pássaros colaboram para criar filhotes; chimpanzés se socializam limpando parasitas uns dos outros. >
Mas também existem desvantagens. >
Em um grupo, "todo abrigo tem que ser compartilhado, cada pedaço de comida tem que ser compartilhado, todo acesso a um parceiro tem que ser compartilhado", diz David Scheel, um ecologista comportamental da Universidade Alaska Pacific, nos EUA. >
E embora caçar juntos e compartilhar comida faça sentido para animais como leões, que geralmente estão cercados por presas grandes e abundantes que podem alimentar vários indivíduos, isso é menos benéfico em situações em que a presa é menor e menos compartilhável. Também não é tão útil quando a presa vive espalhada pela paisagem, quando é preciso mais esforço para encontrá-la.>
É provavelmente por isso que tatus e tamanduás buscam sozinhos por insetos. >
Também é provável que seja por isso que tigres — que vagam por toda parte para encontrar presas relativamente escassas — caçam sozinhos, o que os ajuda a se aproximarem furtivamente de suas presas com mais facilidade. >
Para reduzir ainda mais a competição, tigres e alguns outros caçadores solitários formam pequenos territórios que defendem de outros predadores.>
Para a toupera-cega, a solidão significa não precisar competir constantemente por espaço em túneis, que são muito trabalhosos de cavar. >
Animais solitários também podem enfrentar menos competição por parceiros e um risco reduzido de contrair doenças e parasitas.>
Além disso, as fêmeas podem investir toda a sua energia em cuidar de seus próprios filhotes, sem ter que cuidar dos filhotes de seus vizinhos, como algumas espécies mais sociais fazem. >
Para outros animais, como as preguiças, sua camuflagem pode funcionar apenas se não estiverem em grandes grupos.>
"Animais solitários são menos chamativos", diz Lindelani Mayuka, zoólogo da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo, na África do Sul.>
Viver sozinho gera desafios – como perder o benefício de se amontoar para se manter aquecido. >
Mas alguns animais, como o rato-karoo, do sul da África, contornam isso construindo grandes cabanas de gravetos para se protegerem de oscilações de temperatura e também de predadores, diz Mayuka.>
Para animais altamente sociais, ficar sozinho pode ser estressante – muitas vezes levando a problemas de saúde e ansiedade. Mas animais solitários não tem esse problema. >
As toupeiras-cegas, por exemplo, ficam estressadas e ansiosas quando são colocadas próximas umas das outras, mesmo que haja uma barreira entre elas. E indivíduos menores e mais submissos sofrem mais.>
"Elas podem até morrer devido ao estresse", diz Tali Kimchi, uma neurocientista comportamental do Instituto Weizmann, em Israel, que estuda as toupeiras-cegas em seu laboratório. >
Como todos os mamíferos, toupeiras-cegas-da-palestina cuidam de seus filhotes, mas as mães eventualmente se tornam hostis, forçando seus filhotes a cavar seus próprios túneis longe do da mãe. >
"Parece engraçado, mas essa é a forma de sobrevivência dessas criaturas", diz ela.>
Nem todas as espécies solitárias se repelem ativamente. >
Muitas delas são atraídas por recursos compartilhados e têm vidas sociais surpreendentemente ricas, tolerando umas às outras e até mesmo cooperando quando faz sentido. >
Por exemplo, os ratos-karoo-do-mato que vivem perto de parentes têm interações frequentes e amigáveis entre si – compartilhando áreas de forrageamento com e, às vezes, até mesmo tocas de madeira no final da temporada de reprodução, quando há uma grande demanda por tocas.>
"Só porque alguns animais vivem solitários não significa que eles não tenham interações sociais", diz Mayuka.>
Até mesmo alguns polvos — um grupo que já foi considerado tão solitário que era uma piada corrente que eles só se encontravam para acasalar ou comer uns aos outros — às vezes se agregam, diz Scheel. >
Em um local na Baía de Jervis, no leste da Austrália, indivíduos de uma espécie solitária chamada polvo-sombrio foram atraídos ao mesmo local pela disponibilidade de abrigo.>
Isso provavelmente começou quando um polvo empilhou conchas descartadas após comer e estas eventualmente estabilizaram o suficiente para que outro polvo pudesse construir sua toca dentro. >
Este novo residente então criou sua própria pilha de conchas descartadas — até que 16 polvos se reuniram em um local, diz Scheel, que tem estudado a região com seus colegas.>
Nesta "cidade dos polvos", os indivíduos se encontram muito mais próximos uns dos outro do que estão acostumados e exibem comportamentos curiosos para lidar com outros de sua espécie.>
Às vezes, os machos tentam coagir as fêmeas a ficarem por perto e perseguem outros machos — ocasionalmente rastejando nas tocas uns dos outros, lutando e expulsando-os. >
Às vezes, quando os machos expulsos voltam para suas tocas, "o macho que expulsou pode retornar e repetir o despejo", diz Scheel. >
E enquanto limpam suas tocas, os polvos geralmente empurram detritos para o lado de seus vizinhos. >
Às vezes, eles seguram os detritos e os jogam uns nos outros, diz Scheel, que documentou algumas dessas interações em um artigo de 2022.>
Nem super agressivos, nem cooperativos, alguns cientistas chamam esses comportamentos de "empurrões", diz Scheel, que ainda tenta entender o propósito dessas interações. >
"Temos um animal solitário em uma situação social complexa, e o máximo que fazem é ficar se "empurrando". E eles parecem totalmente saudáveis. Isso sugere que eles são menos solitários do que pensávamos, ou o estresse de ser [social] não é tão severo [para eles].">
Essas interações sociais sofisticadas ressaltam a inteligência de criaturas solitárias. >
Da mesma forma, pesquisadores têm visto alguns répteis solitários observando de perto outros indivíduos e usando essa informação para resolver problemas – uma habilidade que antes era considerada exclusiva dos humanos, diz a cientista comportamental Anna Wilkinson, da Universidade de Lincoln, no Reino Unido. >
"Animais que talvez não formassem grupos complexos naturalmente podem, na verdade, ter aspectos muito sofisticados de aprendizado social", diz ela.>
Em experimentos com jabutis-piranga, que se alimentam sozinhos, mas podem se encontrar sob árvores frutíferas, por exemplo, Wilkinson apresentou aos bichos uma cerca transparente em forma de V com comida dentro. >
Nenhum animal conseguia alcançar a comida até que Wilkinson e seus colegas treinassem um deles para fazê-lo. >
Ao ver seu companheiro réptil alcançar a comida, as outras tartarugas imediatamente seguiram o exemplo. >
É especialmente notável ver que os répteis têm a capacidade de aprender com outros indivíduos por imitação, considerando que muitos deles evoluíram para nascer de ovos sem pai nem mãe por perto para lhes ensinar habilidades.>
Evidências como essa estão fazendo com que os cientistas o estilo de vida solitário não como uma categoria fixa e uniforme, mas sim como um espectro: de animais como a toupeira cega, que é altamente antissocial, a espécies que vivem em grande parte sozinhas, mas cujos indivíduos aprendem e cooperam uns com os outros. >
Algumas espécies até misturam estilos de vida solitários e mais sociais, como os roedores do gênero Lemniscomys, que vivem em comunidade mas passam a viver sozinhos quando começam a procriar. >
Também é o caso dos quatis, cujos machos são solitários e as fêmeas caçam em bandos.>
Estudar animais solitários e suas redes sociais pode ajudar os conservacionistas a proteger e preservar melhor suas populações de ameaças geradas pelos humanos. >
Mayuka e Schradin já começaram um esforço para construir uma comunidade de cientistas para decifrar melhor as vidas, benefícios, necessidades e desafios de animais solitários. >
"Ser solitário não é simples e primitivo", diz Schradin. "Pode ser bastante complexo e ter desafios... que são resolvidos de maneiras diferentes por espécies diferentes.">
Entender toda a amplitude da vida solitária pode até ser útil para as pessoas. >
Kimchi está estudando mudanças nos cérebros toupeiras-cegas conforme elas alternam entre estágios introvertidos e mais sociais de acasalamento e criação de filhotes. Talvez essa pesquisa possa ajudar os cientistas a entender como pessoas com condições neurológicas ou psiquiátricas se tornam socialmente retraídas, ela diz.>
Mas animais solitários também podem nos ajudar a considerar que ficar sozinho não precisa necessariamente ser problemático, mesmo que tenha sido um tanto estigmatizado em nossa sociedade orientada para a extroversão, diz Schradin. >
Animais solitários que não são totalmente antissociais constroem redes sociais significativas ao seu redor — e pessoas que vivem sozinhas podem, e fazem, também. >
"Estar sozinho também pode ser a melhor escolha para muitos humanos", diz Schradin.>
*Este texto foi publicado originalmente no site BBC Innovation. Leia o original (em inglês) aqui. >
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